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Delito de Opinião

Watergate 50 anos depois

Pedro Correia, 17.06.22

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Escândalo Watergate começou com um assalto a 17 de Junho de 1972

 

A minha geração foi irremediavelmente influenciada pelo caso Watergate. Sonhei ser jornalista precisamente porque Watergate aconteceu. Dissequei-o nos mais ínfimos pormenores e na minha galeria de heróis figuram não só o duo Bob Woodward-Carl Bernstein (Robert Redford-Dustin Hoffman, na excelente versão cinematográfica de Alan J. Pakula) mas também Ben Bradlee, o director que confiou no talento e na sagacidade dos seus repórteres, e Katharine Graham, a proprietária de jornal que soube mostrar-se imune a todas as ameaças. Incluindo as da Casa Branca, reforçadas pela grosseria de Richard Nixon.

Woodward e Bernstein, os jornalistas que revelaram aos americanos e ao mundo todas as implicações do caso Watergate, tornaram-se celebridades. Fala-se muito menos em Bradlee, que aceitou dirigir o Washington Post quando este era uma espécie de parente pobre na alta roda da imprensa norte-americana, sempre à sombra do mítico New York Times.

A verdade é que nenhum dos artigos de Woodward e Bernstein (a dupla que ele baptizou de “Woodstein”, nos longos serões de trabalho no jornal durante a revelação do escândalo que conduziria à demissão do presidente Nixon) teria sido possível sem a firmeza de Bradlee, que lhes deu destaque em sucessivas manchetes. Contra pressões de todo o tipo.

 

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Nas suas memórias, Bradlee relata-nos a odisseia do relançamento do Post, que à época era apenas o terceiro jornal mais vendido na capital americana. Ele arejou o grafismo, destacou a imagem, criou um suplemento chamado Style, que dava prioridade ao lazer, valorizou o espaço de opinião, criou um provedor de leitores (em 1969!) e deu novo impulso à reportagem. Bastando-lhe adoptar como lema a velha lição que recebera da professora da instrução primária: «O melhor possível hoje, melhor ainda amanhã.»

A qualidade foi sempre um objectivo a atingir. «A detecção de talentos nunca cessa num periódico», defendia Bradlee, «decidido a que cada jornalista fosse o melhor da cidade no seu ramo de actividade».

Este foi um dos segredos do sucesso do jornal, a par das normas de exigência postas em vigor. O Post deixou de usar a ambígua expressão «segundo as nossas fontes», instituiu a norma da verificação dos factos junto de duas fontes autónomas e recomendou aos seus repórteres que nunca esquecessem o sábio preceito de Camus, que também foi jornalista: «Não existe a verdade. Só existem verdades.»

 

Neste caso, a verdade jornalística contrariou em toda a linha a suposta verdade oficial. A partir de um assalto ao edifício Watergate, faz hoje 50 anos. Ali funcionava a sede nacional do candidato democrata George McGovern, rival nas urnas do republicano Nixon, que já formalizara a recandidatura à Casa Branca.

Parecia ser mero caso de polícia, com a detenção de cinco supostos larápios de meia-tigela, a tal ponto que a cobertura jornalística foi confiada a Woodward, jovem repórter que costumava frequentar esquadras à cata de novidades. Mas transformou-se num escândalo político em cascata que foi cercando o presidente. Em 17 de Novembro de 1973, já muito acossado, Nixon fez uma alocução televisiva em que declarou categoricamente: «I'm not a crook» [«Não sou vigarista»] Ninguém tomou esta declaração pelo seu valor facial, mas pelo seu oposto.

Nove meses depois, o inquilino da Casa Branca - o mais poderoso político do planeta - viu-se forçado a resignar ao cargo. Nunca antes tinha acontecido algo semelhante nos EUA, nunca aconteceu depois.

 

Dir-me-ão uma vez, dir-me-ão cem vezes: o caso Watergate é irrepetível. Mas quanto mais único, quanto mais insólito, quanto mais raro, mais me serve de referência. E continuará a ser o maior dos motivos por que um dia, já há muito tempo, decidi ser jornalista.

Ingenuidade, dirão talvez. Felizmente podemos ser ingénuos em qualquer idade.

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Dustin Hoffman (Bernstein) e Robert Redford (Woodward) no filme Os Homens do Presidente

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