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Delito de Opinião

Voto de vencido ou de vencedor?

Sérgio de Almeida Correia, 13.07.15

"Declaração de voto

Fui vencido pelas razões que passo a expor

1 – Antes do mais entendo curiais algumas considerações sobre a vigência do Acordo Ortográfico de 1990 e sua aplicação nos Tribunais aquando dos factos imputados ao recorrente.

1-1- Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969 e aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 29 de Maio de 2003, dispõe no n.º 1 do artigo 24.º que “um tratado entra em vigor nos termos e na data nele previstos ou acordados pelos Estados que tenham participado na negociação.”

Outrossim, o n.º 2 do preceito condiciona a entrada em vigor ao consentimento de vinculação “manifestado por todos os Estados que tenham participado na negociação.”

O Decreto do Presidente da República n.º 46/2003 (DR. I-A de 7 de Agosto de 2003) ratificou aquela Convenção formulando uma reserva ao artigo 66.º que, apenas, se refere ao “procedimento de resolução judicial de arbitragem e de conciliação.”

O chamado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um Tratado Internacional, preparado na Academia de Ciências de Lisboa, entre 6 a 12 de Outubro de 1990, com a participação de sete (7) delegações, assinado em Lisboa em 16 de Dezembro de 1990 e aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 4 de Junho (DR I-A n.º 193) -rectificado pela Rectificação n.º 19/91 de 7 de Novembro (DR I-A n.º 256)- e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, de 23 de Agosto.

Porém, embora tendo, sido negociado por sete (7) Estados naquela data só três (3) tinham procedido à ratificação.

Na versão original previa-se que a entrada em vigor também ficasse condicionada à elaboração do “Vocabulário Ortográfico Comum”, inicialmente prevista para 1 de Janeiro de 1994.

Mas, em 17 de Julho de 1998, foi elaborado na Cidade da Praia o Protocolo Modificativo o qual, alterando a redacção dos artigos 2.º e 3.º, suprimiu essa exigência.

Esse Protocolo (o primeiro) veio a ser ratificado pelo Decreto Presidencial n.º 1/2000, de 28 de Janeiro.

De seguida, e na V Conferência de Chefes de Estado e do Governo da CPLP (S. Tomé e Príncipe de 26 e 27 de Julho de 2004), foi adoptado um Segundo Protocolo Modificativo) aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 26 de Julho e, depois, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho).

Este segundo instrumento revogou o artigo 3.º do Acordo Ortográfico que, em sintonia com a Convenção de Viena acima citada, e para além de fixar a data de entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1994, impunha para tal o depósito dos “instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do governo da República Portuguesa”.

Dispôs, então, a entrada em vigor apenas com o “terceiro depósito de instrumento de ratificação”.

Mais tarde, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 antecipou em cinco anos o “prazo de transição” para o sistema educativo e em 4 anos 9 meses e 22 dias para a Administração pública e para o Diário da República (DR. I, n.º 17, de 25 de Janeiro de 2011).

Independentemente de abordar a constitucionalidade e a legalidade desta Resolução, o que só sucintamente cabe na economia destes considerandos, é inquestionável que a mesma não se aplica aos Tribunais mas, apenas, e eventualmente, à Administração Pública (cfr., a propósito de toda esta problemática, e v.g., o Parecer do Mestre Ivo Miguel Barroso – “Inconstitucionalidades orgânicas e formais da Resolução do Conselho de Ministros, que mandou aplicar o «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» de 1990, à Administração Pública e a todas as publicações no Diário da República, a partir de 1 de Janeiro de 2012, bem como ao sistema educativo [público, particular e cooperativo] a partir de Setembro de 2011. Inconstitucionalidades e ilegalidades «sui generis» do conversor «Lince» e do «Vocabulário Ortográfico do Português», apud O Direito – 2013 I/II 93-179 e III 439-522).

Concluiu, além do mais, este Ilustre Académico:

“I. O prazo de transição de seis anos, previsto no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho (que procedeu à ratificação do 2.º Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico), constitui, materialmente, uma reserva, ultrapassando a qualificação de uma mera “declaração interpretativa”.

O prazo de transição não serve juridicamente para promover alterações ao Tratado, “a posteriori”, à margem de uma nova convenção internacional firmada entre os Estados.

II. O Governo procedeu ao depósito da ratificação em 13 de Maio de 2009, tendo, todavia, o aviso de tal ratificação sido publicado em 17 de Setembro de 2010 (através do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 255/2010). Deste modo, o início do prazo de transição começou após a publicação referida, seguida do período supletivo de “vacatio legis” de 5 dias (nos termos da Lei n.º 74/98 (“Lei-formulário”), com alterações posteriores).

Deste modo, o prazo de transição começou em 22 de Setembro de 2010; razão pela qual terminará somente em 22 de Setembro de 2016 (e não em Maio de 2015, completados 6 anos após a data do depósito, diversamente do que tem sido veiculado).” (...)

 

Vale a pena ler o resto do voto de vencido do Conselheiro Sebastião Póvoas.

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