Voto de silêncio com prazo de validade
António José Seguro
Despediu-se dos jornalistas com um «até breve» e entrou no carro: foi quanto bastou para enervar alguns companheiros de partido. Apesar de se manter há quase sete anos em silêncio, cumprindo o que prometeu ao perder a eleição interna no PS contra António Costa.
O palco escolhido por António José Martins Seguro, de 59 anos, para este regresso aos noticiários fez pleno sentido: surgiu como discípulo e herdeiro político de António Guterres, de quem foi ministro-adjunto no tempo em que os socialistas venciam eleições por toda a Europa – Tony Blair no Reino Unido, Lionel Jospin em França, Gerhard Schroeder na Alemanha – e governavam ao centro.
Na apresentação de uma biografia do actual secretário-geral da ONU, há quatro dias, Seguro fez o elogio de Guterres: «Nunca procurou a vitória pela vitória. Procurou a solução para o problema, compreendendo a posição do outro.» Qualquer comparação com os dias de hoje na política portuguesa não será coincidência.
António José Seguro liderou o PS durante três anos, quando mais ninguém se dispôs a fazê-lo. Era o tempo em que António Costa assobiava para o lado alegando não poder ser autarca em Lisboa e secretário-geral no Rato. Três penosos anos devido ao estado de emergência financeira no país. Um período muito difícil para o PS enquanto partido da oposição num quadro político dominado pelo memorando imposto pela Comissão Europeia e subscrito pelos socialistas, ainda com José Sócrates no poder. Três anos em que, mesmo assim, o PS registou três vitórias eleitorais – nas regionais açorianas, nas autárquicas e nas europeias.
Num duro debate com Costa, quando enfim se enfrentaram naquele quente mês de Setembro de 2014, Seguro fez-lhe a pergunta crucial: «Porque é que não te candidataste há três anos?»
Ficou sem resposta. Mas qualquer um a conhecia: Sócrates deixara uma pesada herança. No Verão de 2011, os socialistas acabavam de sofrer uma traumática derrota nas legislativas e apenas valiam 18% nas intenções de voto.
Seguro, que nunca integrou o séquito de Sócrates, inverteu esta tendência. E legou ao partido o mais exemplar processo de democracia registado numa força política portuguesa, contra o aparelhismo dominante. Naquela eleição interna participaram 150 mil pessoas – não só militantes mas também simpatizantes. Outro teria arregimentado um sindicato de votos para se perpetuar no poder. Ele preferiu ir a jogo com regras transparentes. Perdeu para Costa. Mas ganhou perdendo.
Não fez sombra ao sucessor: renunciou de imediato ao lugar de deputado, saiu do Conselho de Estado, leccionou na universidade e publicou a tese de mestrado em livro, intitulado A Reforma do Parlamento Português. Reapareceu para deixar um sério alerta contra os extremismos: «É fundamental ter comportamentos éticos que sirvam de exemplo ao conjunto da sociedade, haver rigor na gestão dos dinheiros públicos e responder aos problemas concretos das pessoas.»
Deixando aquele “até breve” no ar. Cada um interprete como quiser.
Texto publicado no semanário Novo