Voto de pesar
jpt, 04.06.20
André Ventura está contra o voto de pesar da AR dedicado ao assassinato no Minnesota. A argumentação dele é errónea, compara aquele crime com qualquer outro assassinato. Mas é errado porque se trata de um assassinato policial num país democrático e aliado.
Eu ligo a um postal com dois anos. A minha questão é a pertinência deste tipo de votos de pesar. A minha outra questão é a cedência a agendas externas, por legítimas matérias que abordem, e a colonização mental que isso significa. A minha última questão é a de que esta via tem uma retórica "moralista" mas é, de facto, estratégia de obtenção de recursos estatais, capitaneada por sectores corrompidos da pequena-burguesia.
Sobre votos de pesar parlamentares perguntei há dois anos qual a pertinência de se fazer um voto pesaroso pelo assassinato de uma vereadora de um município do Rio de Janeiro quando nada de similar se fizera aquando do recente assassinato do presidente do conselho municipal (câmara) de Nampula? Porque um, negro, teria sido morto por negros? (Ainda que a acusação inicial tenha incidido sobre asio-descendentes, um dos quais meu amigo). E a outra, "parda", deverá ter sido morta por brancos (ou assim se presumiu)? Ou porque o autarca moçambicano era assumidamente heterossexual e a brasileira era assumidamente homossexual? "Todas as vidas contam"? Mas umas mortes doem mais que outras para o Parlamento português, mesmo quando há homologia óbvias, políticos autarcas de países da CPLP mortos por "desconhecidos" e por razões políticas?
A AR entende ter espaço para votar o seu pesar pelo assassinato do americano George Floyd, às mãos de um gang policial, logo pressurosamente proposto pela coligação comunista. Pesar político, não se trata das nossas meras sensibilidades., do pesar pessoal diante do horror. Ora diante desta novidade googlei agora mesmo, mas não encontrei, fico em dúvida: será que esta AR tão pesarosa é, votou o seu pesar pela morte de Anastácio Matavele, moçambicano (negro, já agora), coordenador de ong "A Sala da Paz", envolvido na observação eleitoral, assassinado por um grupo de polícias moçambicanos (sim, negros) nas vésperas das últimas eleições nacionais? Drama que foi amplamente noticiado na imprensa, e lamentado nas redes sociais.
Não me parece que tenha votado, pois nem o sítio da AR nem o Google me confirmam isso. Julgo que não é preciso avançar muito mais. É o racismo americano tétrico. "Instituído"? Sim, mas o que também está instituída é a importação de uma visão das coisas, das hierarquizações dos problemas, das causas e soluções das questões. A colonização mental. Serve para intelectuais preguiçosos, e para claro, o pobre parlamento que temos poder parlamentar.
Mas serve também, e isso é a minha terceira questão, para suportar a propaganda de "bois de piranha", como se diz no Brasil, a cargo da camada mais corrompida da intelectualidade, mais acerada na demanda de recursos estatais - insistindo em causas e problemas sonantes, que obscureçam as verdadeiras agendas de políticas e económicas dos poderes fácticos (foi assim, lembrem-se, com a questão do casamento homossexual há apenas uma década). De facto, mais interessada nos ganhos com a agit-prop do que com aquilo, essencial, de que "todas as vidas valem". Mesmo as dos negros heterossexuais que não são mortos por brancos lá nos EUA.