Vitória amarga
As sondagens à boca das urnas apontam para uma surpresa relativa nas eleições legislativas alemãs: o resultado da grande coligação que estava no poder é péssimo, o pior de sempre; somados, os dois grandes partidos do bloco central alemão (CDU, SPD) terão pouco mais de 53% dos votos, menos 14 pontos percentuais do que em 2013. A extrema-direita populista entra no parlamento quase a triplicar a votação anterior, quando falhou por um triz a barreira dos 5%. A fragmentação do novo parlamento obrigará a chanceler Angela Merkel a uma coligação potencialmente instável, que exigirá longas negociações, provavelmente a chamada coligação Jamaica, que incluirá cristãos-democratas, liberais e verdes. A confirmarem-se os resultados (e falta a contagem de deputados), a Alemanha terá um governo complicado, com dois pequenos partidos minoritários que discordam entre si em numerosos assuntos, além de uma oposição feroz.
As sondagens falharam, os analistas e os políticos subestimaram o descontentamento popular, a imprensa deixou de entender os verdadeiros sentimentos da opinião pública (e nem quer saber). A bolha em que vivem as elites políticas começa a ser perigosamente distante da realidade em que vivem os desfavorecidos. Na sondagem à boca das urnas que a BBC está a usar, a CDU terá apenas 33% e o SPD foi cilindrado. O voto de protesto (AfD e Linke) soma quase um eleitor em cada quatro, o que parece ser uma proporção enorme para um país em excelente situação económica.
Nos últimos meses, houve entre os comentadores uma espécie de euforia europeísta. Segundo essa narrativa, estava tudo a correr maravilhosamente, sob a batuta da nova líder do mundo livre; os indicadores favoráveis demonstravam que era possível avançar com as utopias de federalismo europeu. Todos os discursos esqueceram os eleitores, esse pequeno detalhe. Afinal, o descontentamento dos perdedores da globalização não desapareceu, há muitas pessoas que recusam as ideias internacionalistas e que olham com desconfiança para o que consideram ser a diluição da sua identidade. Merkel teve uma vitória escassa e a Alemanha entra num período de política mais crispada. Será também interessante observar amanhã a reacção dos mercados, se começa ou não a reinstalar-se algum nervosismo.