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Delito de Opinião

Vinhetas (23)

José Meireles Graça, 09.11.24

A eleição

A maior parte dos alunos estava ali para aprender, desultoriamente por terem um olho nos livros e o outro em inúmeras coisas mais interessantes; uma minoria era de marrões, dos quais um, pelo menos, costumava ser excepcionalmente inteligente e os outros burros ou medianos; e outra minoria a de deploráveis que navegavam nos mares soturnos do chumbo potencial e que, se o professor não tivesse mão firme, transformavam as aulas num circo.

Mão firme era coisa que se avaliava logo na apresentação. Um dichote aqui, um barulho despropositado acolá, uma altercação além, e logo se via como é que o magíster reagia.

Professores havia cuja reputação, precedendo-os, os punha ao abrigo de frescuras; e outros que fariam bem em benzer-se à entrada porque o ano lectivo seria para eles, vestidos de palhaço, uma corrida de obstáculos.

A reputação também acompanhava certos alunos. E dois, o Praça e o Luzinhas, tinham sólidas credenciais de verdadeiros anarcas insolentes.

Foi o caso que era o dia, no Liceu, de eleição do Chefe de Turma, presidida pelo Director de Ciclo.

Já não há liceus, nem directores de ciclo, e presumo que também não chefes de turma.

Mas naquele então entrou o Director, o dr. Juvenal, cujo cabelo cortado à escovinha, porte atlético e autoridade serena, não aconselhavam aventuras. Fez uma breve prelecção, salientando o facto de aquela turma, que tinha na quase totalidade transitado do ano anterior, ser conhecida por alguma indisciplina, em particular por causa de alguns alunos, notórios gandulos.

Esta merda é connosco, pensaram os dois acima referidos. Ainda bem que este idiota não nos conhece.

O processo (escrever um nome num quadradinho de papel e entregá-lo para ser depositado na caixa de cartão) decorreu com a maior compostura e, no fim, começou o Director a tirar papéis à sorte da caixa de cartão onde cada aluno tinha depositado o seu voto dobrado, e ia lendo os nomes que um aluno escrevia diligentemente no quadro negro, pondo à frente de cada nome um traço por voto.

Neste entrementes entrou uma professora e todos se levantaram com respeito (ouço dizer que os alunos agora não se levantam quando entra um professor porque este é na realidade, para pedagogos modernos e parvos, apenas um irmão mais velho) enquanto a sôtora falava em voz baixa com o colega sinalizando, percebeu-se, os dois recalcitrantes.

O escrutínio prosseguiu e prestes acabou – a turma teria aí uns 40 alunos.

O resultado era esmagadoramente a favor de dois nomes, havendo um ou dois votos desgarrados para um terceiro.

Bom, temos um claro vencedor, é o xis. Quem é? Levanta-te – e levantou-se o Praça.

Não sei se terá sido a melhor escolha, rosnou o oficiante, continuando: E para Subchefe o Ípsilon. Quem é? Levanta-te – e levantou-se o Luzinhas.

Vai ser um ano bonito, declarou o dr. Juvenal, despedindo-se com desalento enquanto a turma confraternizava.   

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