Vinhetas (19)
Os restaurantes, quando muito bons, não costumam sobreviver à morte de quem lhes deu a fama. Logo vem uma nova gestão que vai melhorar a anterior para o efeito de ganhar mais dinheiro do que o burro do falecido dono, que não sabia a mina que tinha entre mãos; ou se muda de “conceito”, passando a trocar o que bastante gente queria pelo que só alguma, que se estima muito mais requintada, quer.
Um restaurante que frequento há anos é superlativo: a cozinha é a tradicional da região, incluindo pratos que não são comuns em tais estabelecimentos. E o menu varia consoante as estações e as disponibilidades de géneros, quase sempre muito bons e com frequência difíceis de encontrar senão junto de produtores pequeníssimos.
O dono já não é novo e o trato não será, vamos dizer assim, modelar, a não ser para aqueles que, como eu, têm farto e antigo cachet de cliente fiel mas que, mesmo assim, se calhar de verem algum defeito, o que é raro, se abstêm de o comunicar.
Há tempos foi associado ao negócio o filho, com formação em hotelaria, e temi o pior. O pai morre e o moço escavaca tudo, pensei.
Que nada. Não apenas, se necessário, se desembaraça na cozinha, como não dá o mais remoto sinal de querer fazer reformas, ao que acrescenta simpatia e, de tolo, não ter nada.
Um destes dias fui pagar e o raio da carteira não havia maneira de sair do bolso de trás das calças, onde estava demasiado apertada (não que seja muito espessa, coitadinha).
Comentei, algo irritado, que o dinheiro parece que lhe estava a custar a sair. E o jovem encarou-me, surpreso, declarando que era estranho porque em geral o dinheiro tem dificuldade é em entrar, não em sair.
Oportuna, e justa, reflexão. Temos então que à excelente salada de atum, à de tomate e alface, à costeleta de sardinha, e ao bolinhol de sobremesa, veio juntar-se um bocado de sabedoria, a acompanhar decerto o outro bocado de broa de milho, que já tinha feito companhia ao repasto. Ambos saborosos.