Vinhetas (15)
Melão de casca de carvalho toda a gente sabe o que é.
Mas não. Porque nascida, crê-se, no Vale do Cávado, há uma variedade assim chamada hoje (mas que já teve curso como “melão de Barcelos”) que parece a mesma coisa mas tem um aspecto, quando fatiado, nacarado, e um sabor apimentado. É muitíssimo mais caro do que o melão comum (à volta do quádruplo) e sempre se rodeou de um grande mistério: é o céu algumas vezes, mas com frequência não vale grande coisa. Ouvir as numerosas teorias sobre a selecção dos bons é uma péssima alocação de tempo porque todas falham – é como ouvir socialistas a falar de economia.
Ama-se, odeia-se ou torce-se o nariz. Eu amo.
Há uns anos a companhia que me calhou à mesa num jantar de casamento, e porque incidentalmente se falou daquele melão e eu manifestei estranheza por não ser mais divulgado, inclusivamente sendo desconhecido em terras de Mouros e até bastante mais a Norte, começou a explicar como se produzia. E, como visse o meu grande interesse, ministrou um curso completo.
Tornei-me num especialista e comunico com desprendimento as linhas axiais da problemática da produção:
- A terra utilizada deve, após a colheita, ficar em pousio aí uns 6 anos porque aquele melão é muito exigente. De modo que os produtores, in illo tempore, dividiam o terreno em talhões e produziam outros vegetais nos intervalos, e rodavam;
- O germinar da semente requer mão adestrada porque com água a menos não pega e, com água a mais, “mela”;
- A operação da castração não consiste em cortar os veios secundários, como se imaginaria, mas o principal logo a seguir à derivação e assim sucessivamente. E tal operação deve ser feita de joelhos, debaixo da torreira do sol, para facilitar a rápida cicatrização do corte;
- Quando o fruto começa a botar algum corpo põe-se-lhe por baixo uma cama de palha, para evitar o contacto com a terra húmida;
- A partir da adolescência, convém girar o melão na cama de palha um quarto, de dois em dois ou três dias, para harmonizar a exposição ao sol a toda a volta;
- Havia o hábito de semear pelo meio malaguetas, para conferir apimentado ao sabor, mas parece que sem fundamento.
- Quando chegasse a altura da colheita os primeiros seis melões em cada veio iriam para a mesa; e os restantes para os porcos.
Há agora relativamente grandes produtores, noutros vales que já não o original, e todos os melões, imagino, vão para a camioneta. Suponho que a rotação de terra tenha sido substituída por sábios adubos, algumas operações mecanizadas e oportunos cortar de cantos no ciclo produtivo tenham limitado a mão-de-obra envolvida.
No restaurante ou em casa verdadeiras cabaças, mas também melões verdadeiramente bons, raramente saem. Imagino que algo no processo produtivo se tenha perdido, ou então os melhores espécimes ficam para entre a família.
Se for o caso, fariam melhor em numerá-los: o primeiro ao preço da lagosta em tempos de escassez e depois por aí abaixo até ao preço da pera rocha, que era para ninguém ir ao engano.
Enquanto essa revolução comercial não chega continuarei a frequentar os sítios onde, na época própria (que já quase acabou), se serve a iguaria. E posso dar, por mensagem privada, dicas. A troco de estipêndio, que não sou desses que dão de graça informações que valem ouro.