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Delito de Opinião

Vinhetas (14)

José Meireles Graça, 17.08.24

Acidentes

A distância entre o Porto e a praia da Aguda é pequena, mas a pressa era muita porque no sombreado Parque jogava-se cristo (um jogo de cartas muito simples, próprio para mentes inaptas para grandes voos lógicos, mas que se casa bem com apostas a dinheiro) e estava atrasado para semelhante, e importante, função. O meu melhor amigo da época (e que ainda o é hoje) tinha comigo um trato: nunca apostávamos um contra o outro – se ele ia a jogo eu saía, ou ao contrário, com uns disfarces pelo meio para não se topar a mancomunagem. Coisa de somenos, ganhar ou perder 20 escudos era o que nos permitia imaginar que estávamos não muito longe em espírito do Casino do Mónaco.

Parei porque dois tipos pediam boleia. Iam para Miramar, que fica em caminho.

À época, gente a pedir boleia era comum. Eu próprio, na adolescência, usei e abusei do processo e, por causa da memória das pausas desesperadas por um condutor compassivo, sempre, desde que passei a ter carro, dei boleias. Em Portugal, no estrangeiro, de dia ou de noite.

O hábito perdeu-se, creio que por causa do risco de crimes (hoje mais frequentes devido a dependência de drogas) mas, se alguém pedisse, daria na mesma – quero lá saber, nunca trago muito dinheiro e não vivemos nos EUA. De resto, suponho que o próprio sinal manual do pedido não é conhecido pela maior parte da juventude actual, que Nosso Senhor a ature que a mim falta-me muitas vezes a paciência.

Embarcaram, alegres e faladores. Havia um breve trecho de autoestrada, que acabava nos Carvalhos, mas antes de aí chegar saía-se para uma estrada mais perto do mar. No percurso, caiu um silêncio sepulcral. Aparentemente os moços recolheram-se à meditação, possivelmente encomendando-se ao Criador, tal era a velocidade.

Nessa saída, que era apertada, o maldito Escort deu um violento rabejo e ceifou autoritariamente um marco providencial, que voou.

Verificado o estrago, que era um guarda-lamas amassado mas sem afectar a livre circulação da roda, propus-me seguir viagem.

O moço que falava (porque o outro estava amarelo como um círio) explicou com grande delicadeza que já estavam muito perto do destino, que não era bem Miramar mas mais perto, e que iam o resto a pé porque só lhes podia fazer bem.

Separamo-nos nos melhores termos. Isto os que andam à boleia e os que já andaram são uns para os outros.  

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