Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Vinhetas (10)

José Meireles Graça, 13.08.24

O namoro

Alguma insubordinação talvez houvesse, muita ingenuidade também.

O segundo e o terceiro do trio mais velho foram imprudentemente levados por um tio hóspede residente, num Domingo soalheiro, a visitar uma namorada numa quinta a uma hora de carro. O casalinho ficou sentado num banco de jardim, trocando olhares enternecidos, e os dois ganapos resistiam com pertinácia a sugestões para “irem passear para a mata”. Até que a mãe da menina veio, para alívio dos namorados, buscar os meninos para lanchar.

Muito simpática, a senhora. E, levando-os para uma sala, presenteou-os com um gigantesco tabuleiro de charão onde estadeava, soberba, uma pirâmide de fruta da época, recomendando, com um dedo em riste falsamente severo: têm de comer tudo, ouviram?

Ouviram e a perspectiva nada tinha de assustadora, pelo que se deitaram à empresa com denodo. Mas ainda o tabuleiro não ia a meio e já os irmãos, contrafeitos, haviam chegado à conclusão de que não poderiam comer nem mais um bago de uva.

O mais engenhoso dos dois, o mais novo, teve a ideia luminosa: deitamos tudo ao jardim. E como mentes criminosas não têm de ser sumárias começaram a tirar os bagos dos cachos, que atiravam pela janela, outro tanto fazendo com a restante fruta, sempre com o cuidado de de cada peça deixarem destroços, exactamente como se tivesse sido comida.

Algum tempo volvido regressou a anfitriã, que contemplou o tabuleiro com incredulidade. E dali foi informar o namorado da filha, insinuando risonhamente que talvez os sobrinhos passassem fome.

O regresso foi tempestuoso, impedindo os miúdos de apreciarem devidamente o passeio no BMW Isetta, que achavam um prodígio. E decerto as coisas não melhoraram quando, chegados a casa e continuando o tio com as suas recriminações, o mais novo – sempre ele – declarou: o que tu querias sabíamos nós.

3 comentários

Comentar post