Vilar Joli
Estamos na estação tola, mas não se nota muito porque a comunicação social tem vindo a ficar tola todo o ano, de modo que as diferenças são cada vez menos evidentes.
As notícias consistem na evolução da Covid, que nunca é positiva, nos desmandos de Trump, que num dia são ridículos e noutro perigosos, na última grosseria de Bolsonaro, em mais um caso de violência doméstica, e nuns quantos detidos porque beberam ou desobedeceram. Isto e pouco mais, salvo, a benefício das férias, alguns artigos enlatados, de refugo, sobre cuidados a ter com o sol, a alimentação, as viagens e os melhores remédios caseiros para fungos nos pés.
Onde foram, e o que fazer, os membros da Situação que felizmente nos rege, isso é que nunca se pode perder, férias ou não. E ficamos assim a saber que Costa está no Algarve, onde foi fotografado a comer uma bola de Berlim, presume-se que no intervalo de brincar nas pocinhas; e Marcelo foi para uma das praias da linha, onde um instantâneo o capturou num momento raro em que estava calado. Não ponho aqui as imagens daqueles passos íntimos para não dar má nota ao blogue.
Mas ficaram as segundas figuras, das quais há dúzias. E destas três exemplares foram a Vilar Formoso (o querido Vilar Joli dos emigrantes) prodigalizar conselhos aos nossos compatriotas que vêm de férias.
Isto é fantástico.
Todos os dias o mais alto magistrado da Nação se alivia de opiniões, invariavelmente optimistas se o assunto for o futuro, de fingida severidade se se tratar de pedir responsabilidades a alguma autoridade por alguma coisa, hiperbólicas se estiver a honrar um falecido, e irremediavelmente vulgares sempre porque aquele bestunto nunca albergou um pensamento original que não fosse uma rodilhice, uma ideia sobre política internacional que não fosse uma banalidade, e um raciocínio sobre soluções para os nossos problemas que não fosse tributário do mais consensual e chão que se pode encontrar na nossa opinião, quase sempre social-democrata ou socialista por tradição e interesse, ignorante por falta de leituras, e estúpida por fatalidade.
Todos os dias responsáveis da Saúde atordoam quem ainda os consegue ver com a desnorteada histeria covidiana. E a legislação sobre o que se pode e não pode fazer, mais as instruções avulsas de autoridades públicas menores, incluindo a abominável figura dos autarcas, que os próprios e os munícipes ingénuos imaginam depositários das maiores virtudes na gestão da coisa pública, ocupa já mais espaço que as Ordenações Filipinas. No processo vários direitos e liberdades constitucionais foram já pontapeados, as polícias dão aqui e ali sinais de abusos sortidos, e de modo geral o cidadão é incentivado a usar a sua liberdade para pensar e fazer a mesma coisa que o vizinho, que pensa e faz o que as autoridades estimam indispensável para continuarem a sentar o rabo à mesa do Orçamento, que é no que consiste o progresso da grei tal como o entendem.
Já hoje é tido como normal que entidades como a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil enviem mensagens para o telemóvel de cidadãos indefesos com conselhos inanes sobre o risco de incêndios, embrulhados em ameaças sobre o último diktat administrativo; e sei por experiência que, exigindo a supressão do número, vêm com a cantilena de ele não figurar em nenhuma base de dados, respeitando portanto a legislação. E todos os dias, a pretexto dos incêndios, ou da chuva, ou do vento, ou do frio, ou do calor, têm a sua cor de alerta, por distritos, e a sua lista de recomendações, que um esquadrão anónimo de burocratas diligentemente nos enfia pelos olhos, ou os ouvidos, para justificar os lugares miseráveis que a sua inutilidade ocupa.
Pois bem: os emigrantes fugiram deste local infecto para irem para mais verdes pastagens. E regressam nas férias aos lúgubres lugares de onde partiram, para tomarem um banho do passado em que eram mais novos, e se certificarem do muito que progrediram, por vezes esfregando ruidosamente esse progresso na focinheira invejosa de familiares, amigos e desconhecidos.
São uma chatice dos meses de Verão, fazendo subir os preços, entupindo supermercados e romarias, e pontilhando as estradas com os seus automóveis recentes, que por vezes conduzem de forma amadorística. Ou pelo menos era assim. Que agora emigra cada vez mais caco e menos músculo, e está longe de certo que a ambição dos novos emigrantes seja regressar, sobretudo quando do país só ouvem dizer que não cresce, não há empregos, e os que há são mal pagos.
Chatice é como quem diz. Que na realidade toda a gente sabe que trazem dinheiro e, melhor ainda, mandam-no. Pessoalmente, tenho por eles uma estima toda abstracta, porque em concreto quero distância, mas tenho a desculpa de também a querer da generalidade das pessoas. Quem lhes rói na pele é que não tem desculpa nenhuma porque o país precisa deles, mas eles não precisam de Portugal, como demonstram onze meses por ano.
Daí que os representantes do Poder que os expulsou (que ao fim de quase 50 anos do regime uma parte da juventude tenha de emigrar é a prova, se fosse precisa, de que o país é mal governado) devessem ter a delicadeza, e a vergonha elementar, de não aparecer na fronteira para lhes dar conselhos “sobre cuidados a ter para evitar incêndios, acidentes rodoviários e contágio por covid-19”.
Não consta que nos países de onde vêm haja mais acidentes rodoviários, generalizada ignorância sobre a Covid, e gestão desastrada das florestas. E é até provável que os pobres diabos que abriram as janelas dos automóveis para “dialogar” com um dos governantes tenham ficado lisonjeados.
O que compõe um quadro doloroso: a Patrícia, a Berta e o João, os três ajudantes de ministro que foram à fronteira desempenhar este papel grotesco, bem poderiam, se tivessem a mais remota consciência da sua verdadeira importância e da responsabilidade do aparelho a que pertencem, fechar a matraca e apenas segurar um cartaz onde estivesse escrito: Perdoem-nos.