Viagens e sustentabilidade
Sustentabilidade: é uma das palavras do século, e certamente continuará a ser. Mas corre o risco, tão (e às vezes mal) usada que tem sido, de se tornar apenas “ruído” e acabarmos por não lhe dar a importância necessária ou, pior ainda, de nem sequer a ouvirmos.
Pensando no assunto de uma forma geral e sem complicar demasiado, qual é afinal a importância da sustentabilidade? À primeira vista, parece ser uma questão de poupar os recursos naturais do planeta, que suspeitamos serem finitos, de maneira a não pormos em causa a viabilidade das gerações futuras. No entanto, a História mostra que o engenho humano tem conseguido contornar este problema ao longo dos séculos, inventando e fabricando novas matérias que vão substituindo as que antes buscava na natureza — bastas vezes precisamente à custa da degradação do meio ambiente e da redução da diversidade biológica. E aqui estarão provavelmente as maiores questões de fundo: se continuarmos por este caminho, o que é que vai acontecer às outras espécies que existem na Terra? E mesmo que sobrevivamos à extinção, qual será a nossa qualidade de vida?
Depois, há ainda a argumentação esgrimida por quem só olha para o seu próprio umbigo e não está para se preocupar com teorias rotuladas de new age, nem quer abrir mão dos seus privilégios, por muito insignificantes que sejam: num universo de sete mil milhões de pessoas, os meus gestos são uma gota de água no oceano e não vão fazer qualquer diferença. Ou a versão “o planeta está condenado e já não há retorno, portanto não vale a pena o esforço”. Egoísmo puro disfarçado de lucidez, que esquece propositadamente outras verdades bem mais óbvias: o exemplo (para quem connosco convive e sobretudo para as crianças) deve começar por nós próprios; e se cada um fizer a sua parte, o resultado global terá forçosamente algum impacto. No limite, se outra razão não houver, resume-se a uma questão de coerência.
É claro que no actual contexto socioeconómico em que vivemos, e a não ser que queiramos tornar-nos eremitas, não é possível assumir posições radicais. Para sermos completamente “ecológicos” teríamos de adoptar o modo de vida dos caçadores-recolectores, e mesmo assim talvez o resultado não fosse o pretendido. O que funcionava há 20 mil anos para uns quantos milhares de homo sapiens talvez não funcionasse hoje assim tão bem para uma enorme quantidade de seres humanos.
Portanto, a partir do momento em que não nos limitamos a ficar quietinhos no nosso canto, e sobretudo quando decidimos ou temos de viajar, por razões profissionais, familiares ou de lazer, as viagens passam a constituir uma parte do problema, e está nas nossas mãos tentar diminuir o impacto negativo que a nossa decisão irá certamente ter.
Manter o básico
Uma viagem, sobretudo se for em “modo férias”, é uma oportunidade para sair da rotina e relaxar, mas não é desculpa para de repente esquecermos as boas práticas que adoptámos para a nossa vida diária.
Comportamentos que já fazem parte dos nossos hábitos — como tentar poupar água e energia, fugir das compras por impulso, ser um consumidor consciencioso — não deixam de ser válidos só porque estamos num meio ambiente que não é aquele em que vivemos todos os dias, ou porque a intenção é descansar, ou porque os costumes locais são diferentes dos nossos. Se estou num sítio em que as ruas têm lixo por todo o lado, isso não justifica que eu passe a atirar papéis ou embalagens para o chão. Se reduzi o meu consumo de carne por causa da pesada pegada ecológica que a sua produção implica, não vou passar a comê-la a todas as refeições só porque estou noutra região ou país. Se em casa mudo a toalha de banho duas vezes por semana, não vou pedir que num hotel me disponibilizem toalhas novas todos os dias. Se levo os meus próprios sacos quando vou fazer compras ao supermercado no dia-a-dia, então também não custa nada meter na bagagem um ou dois saquinhos reutilizáveis para quando precisar de comprar comida ou qualquer outra coisa.
Viajar com consciência
Hoje em dia, cada vez dou mais importância à forma como viajo e aos destinos que escolho, e tento guiar-me por algumas regras (que são princípios, não espartilhos) globalmente reconhecidas como contribuindo para um turismo sustentável. O facto de algumas delas permitirem também uma redução nos custos das minhas viagens é um bónus que não desprezo.
- Não viajar de avião para distâncias inferiores a 600 km
- Pela mesma ordem de razão e sempre que possível, usar o comboio ou o autocarro para cobrir estas distâncias mais curtas
- Nas localidades (mesmo que sejam cidades grandes), usar os transportes públicos e andar a pé, ou de bicicleta
- Optar por destinos menos pressionados pelo turismo de massas
- Se o destino for muito popular, tentar visitá-lo fora da época alta (a conta bancária agradece, e a ausência de confusão vai melhorar a experiência)
- Para as actividades e visitas guiadas, optar sempre que possível por pessoas ou pequenos operadores da própria localidade; privilegiar actividades que contribuem genuinamente para os residentes em vez das “armadilhas para turistas”
- Preferir alojamentos locais aos grandes hotéis; independentemente dessa opção, preferir alojamentos que assumem práticas sustentáveis
- Escolher restaurantes que propõem cozinha tradicional (em vez da omnipresente fast food), melhor ainda se forem de gestão familiar
- Para os souvenirs obrigatórios, dar preferência ao artesanato local ou às pequenas lojas
- Viajar com pouca bagagem (menos esforço físico, menos peso no veículo de transporte, e consequentemente menos gasto de combustível — além da poupança no preço do bilhete, no caso dos voos low cost)
- Visitar parques e áreas protegidas (o preço da entrada reverte habitualmente para a conservação do lugar como habitat natural), e visitar locais que precisam de apoios para a sua recuperação (por exemplo, após um desastre natural)
Depois, há aqueles princípios essenciais tão divulgados que já nem deveria ser necessário falar neles, mas que ainda assim continuam a ser tantas vezes ignorados, como levar uma garrafa de água reutilizável e evitar bebidas e alimentos embalados em plásticos, ou não sair dos trilhos marcados quando fazemos uma caminhada na natureza, nem colher plantas ou minerais (sabiam que há inúmeros lugares de onde é proibido levar nem que seja um frasquinho com areia?). A não ser quando desejável ou solicitado, o objectivo será deixar o mínimo possível de vestígios materiais da nossa passagem por onde quer que seja.
Viajar devagar e tentar permanecer mais tempo num mesmo lugar, por oposição a colapsar uma grande quantidade de destinos visitados num roteiro de poucos dias, é outra forma de contribuir para a sustentabilidade de uma viagem — mais ainda se vamos para muito longe do lugar onde vivemos. É mais sustentável viajar menos vezes, mas durante mais tempo sem interrupção, do que muitas viagens curtinhas. Pessoalmente, cada vez tenho menos apetência por viajar com pressas, e mesmo com número limitado de dias de férias por ano opto por estadias mais longas num mesmo lugar, sempre que possível. Desacelerar maximiza o efeito de relaxamento e permite-me uma experiência mais imersiva. Tenho mais tempo para conhecer o sítio onde estou, descobrir qual é o meu café ou esplanada preferida, perceber como funcionam os transportes públicos, demorar-me num museu ou passar um dia inteiro num parque natural, começar a interagir com pessoas da vizinhança ou que estão alojadas no mesmo sítio. A experiência torna-se mais memorável para mim e traz mais benefícios para os pequenos negócios locais.
Uma viagem é também uma boa oportunidade para sair do registo “pré-programado” em que vivemos habitualmente, e ver os nossos gestos e intenções de uma outra perspectiva, com um novo olhar. Estar num lugar que nos é estranho dá-nos a possibilidade de trocar a atenção passiva que impregna as nossas rotinas por uma atitude efectiva de prestar atenção ao que fazemos e porquê. O encontro com outros ambientes, costumes, climas ou ritmos de actividade é ideal para nos pôr a pensar sobre as nossas próprias atitudes.
Ética e responsabilidade social
A sustentabilidade em viagem não se resume à mera redução da nossa pegada ambiental. Há outros factores a ter também em conta. O objectivo geral do turismo sustentável é conseguir um equilíbrio entre ambiente saudável, bem-estar humano e crescimento económico. Sendo certo que o turismo é um instigador da economia e, nessa perspectiva, beneficia as comunidades, há que procurar extrair o máximo dos seus efeitos positivos, ao mesmo tempo que se tenta reduzir o seu potencial impacto negativo.
Um dos temas mais abordados em discussões recentes tem a ver com a exploração animal para diversão turística. Há cada vez mais pessoas a recusarem actividades que impliquem de alguma forma o cativeiro e adestramento de animais que, por princípio, deveriam andar em liberdade e ser protegidos, em vez de usados para entretenimento ou como troféus fotográficos — e este é um passo em frente que, se tudo correr bem, dentro de alguns anos já não terá retorno. Mas, em muitos países, a indústria do turismo é implacável, e quem vive dela não vê com bons olhos esta perda de rendimento, sobretudo nos países mais carenciados. Aproveitando a corrente, “santuários” e “reservas” estão a surgir como cogumelos, na tentativa de substituir uma forma de fazer dinheiro por outra. Contudo, em muitos destes lugares as práticas de alojamento e tratamento dos animais não diferem grandemente das anteriores, e por isso temos de ser extremamente criteriosos na escolha deste tipo de locais a visitar.
Por igual ordem de razão, em passeio por parques naturais e florestas, as regras mais importantes são respeitar a vida selvagem e interferir o mínimo possível: evitar a proximidade, não alimentar os animais, falar baixo para não os assustar. Nestes ambientes, está em causa não só o equilíbrio dos ecossistemas, mas também a nossa própria segurança.
E no capítulo do respeito, ele é essencial também quando interagimos com pessoas de culturas diferentes da nossa. Respeitar as normas sociais e legais do lugar onde estamos, mesmo quando não concordamos com elas, é obrigatório. Tal como obrigatório é não tirar fotografias a pessoas sem lhes pedir autorização, ou ter a preocupação de saber antecipadamente se há gestos ou palavras que possam ser ofensivos em determinados países ou comunidades, mesmo que para nós não o sejam.
Aprender algumas palavras da língua do país que visitamos é igualmente uma forma de respeito e de mostrar que temos interesse pela cultura do outro. E, como é óbvio, se visitar um qualquer local nos for interdito (por questões religiosas, por exemplo), ou se não for permitido fotografar ou filmar — e mesmo que o motivo por trás dessa impossibilidade seja apenas a exploração económica do turista — temos simplesmente de acatar a proibição, em vez de tentar contornar o sistema.
Em territórios onde os problemas financeiros se sobrepõem a tudo o resto, é comum os residentes habituarem-se a pedir dinheiro ou comida aos forasteiros, mesmo que a fome não seja o seu maior problema. Por trás da mendicidade como forma de vida podem estar questões várias que não terão a ver com necessidades básicas, e dar dinheiro, doces ou brinquedos é quase sempre contraproducente, pois perpetua uma conduta em vez de resolver o problema. Podemos até estar a contribuir para uma forma encapotada de tráfico humano. Em alternativa, o ideal será fazer um donativo a uma organização credível que apoie o desenvolvimento local, a educação ou a aquisição de competências, ou que dê assistência a grupos minoritários ou sectores mais desfavorecidos da população.
Procurar que as nossas viagens sejam mais sustentáveis é vantajoso a todos os níveis: oferece a quem viaja a possibilidade de experiências mais originais, significativas e culturalmente mais interessantes; incrementa as economias locais, apoiando tradições genuínas e instigando o desenvolvimento de infra-estruturas e padrões de vida; e ajuda a preservar o ambiente e a natureza.
Pese embora a resolução das questões candentes associadas à sustentabilidade pareça uma tarefa hercúlea, possível e desejável é, pelo menos, termos consciência de que existe de facto um problema e é preciso fazer alguma coisa. E de que o que fazemos, por mínimo que pareça, é importante: pormenores aparentemente insignificantes podem constituir a diferença.