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Delito de Opinião

Viagem até Bissau - 5

Paulo Sousa, 13.07.21

A Fundação João XXIII - I

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foto Paulo Sousa

Um dos locais que visitamos foi a casa materno-infantil de Ondame, que é gerida pela Fundação João XXIII desde que as suas fundadoras, Miss Lilly e Miss Brenda, duas missionárias inglesas, regressaram muito idosas à sua pátria. Estavam ali desde 1966, ano em que foi construído este Centro Hospitalar. Além desta obra física, tinham-se igualmente proposto a traduzir a bíblia para a língua da etnia papel.

Após a saída destas duas religiosas em 2004, a Fundação tomou conta deste espaço que tem uma maternidade, uma rádio local, uma biblioteca e, um luxo que nem o hospital de Bissau se pode gabar, electricidade permanente. As histórias à volta deste espaço são incríveis.

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Radio Comunitária - A Voz do Biombo
Foto Paulo Sousa

A energia eléctrica é fornecida por um operador de telemóveis que tem uma torre GSM dentro da propriedade. Como alternativa a uma renda mensal, a Fundação pediu apenas para ter acesso à electricidade que alimenta a torre. Como sem electricidade as comunicações não funcionam e não há onde carregar os telemóveis, a empresa aceitou a proposta e todos saíram a ganhar com o negócio.

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A torre GSM dentro da propriedade do Centro Social da Fundação em Ondame
Foto Paulo Sousa

Os medicamentos que ali chegam são oferecidos por empresas e particulares portugueses que que conhecem o trabalho da Fundação. Pouco tempo antes da nossa viagem, a maternidade tinha sido totalmente ladrilhada e forrada de azulejo.

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A maternidade
Foto Paulo Sousa

A história mais marcante que ouvi em toda a viagem passou-se nesta maternidade e foi-nos ali contada na primeira pessoa.

Numa das suas visitas anuais à Guiné e à maternidade de Ondame, numa ronda pelos recém-nascidos e suas mães, um amigo da Fundação deparou-se com uma senhora prostrada quase inconsciente. Perguntou à enfermeira guineense o que é que se passava com aquela doente e ela respondeu-lhe que aquela senhora estava ali para morrer. Continuou a explicar que ela não conseguia fazer a dilatação e por isso não devia engravidar. Já tinha sido avisada e já tinha tido perdido um bebé numa gravidez anterior. A única hipótese que tinha de sobreviver dependia de ir ao hospital central de Bissau, mas ela não tinha dinheiro para os materiais da cirurgia, e o hospital fornecia apenas o serviço. Não os materiais. Ele então perguntou qual era o valor em causa. Depois de converter os CFA em euros, quase não podia acreditar. Estavam a falar num montante aproximado a 20 euros, para salvar uma vida humana. Desatou logo a dar ordens e a mandar chamar a ambulância, pois ele pagaria do seu bolso a cirurgia. Aquela mulher tinha de ser acudida e salva, e foi.
Contou-nos este episódio com uma frieza que só se desfez, quando acrescentou que, no seu último serão antes de regressar a Portugal, no seu jantar de despedida, alguém se aproximou no escuro, por fora do grupo que se tinha formado debaixo do telheiro na casa grande do Centro. Tocou-lhe timidamente no ombro, disse-lhe obrigado e ofereceu-lhe três mangas. Era só o que tinha.

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A maternidade
Foto Nuno Rebocho

Continua
Início da viagem

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