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Delito de Opinião

Viagem até Bissau - 4

Paulo Sousa, 12.07.21

A entrada na Guiné e a chegada a Bissau

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Estrada após a fronteira de Pirada, Guiné Bissau
Foto Paulo Sousa

Após as fotos da praxe, dirigimo-nos ao posto fronteiriço, onde começou mais uma aventura. Os guardas, que nem fardados estavam, começaram por dizer que desde o último golpe de estado, em Abril do ano anterior, não recebiam salários e por isso pediram-nos que os ajudássemos. Distribuímos alguns dos kits que ainda tínhamos, mas depois pediram também dinheiro. Tudo normal e sem surpresas. TIA. No entanto, e isso só viríamos a saber mais tarde, a entrada dos carros não teve o tratamento administrativo que se impunha.

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Zona que fica alagada durante a época das chuvas
Foto Paulo Sousa

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Habitação tradicional
Foto Paulo Sousa

Dali até Bissau são pouco mais de duas centenas de quilómetros. No posto policial seguinte, convidaram o condutor de cada carro a entrar dentro do gabinete do chefe de posto. Ali, repetiu-se a explicação de que os salários não estavam a ser pagos há um ano e, por isso, pediram-nos 600 CFA (cerca de 0,90€) para poder seguir. Pagamos e seguimos. Umas dezenas de quilómetros depois, a situação repetiu-se. A “taxa” era igualmente de 600 CFA, mas agora... por cada carro.

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Estrada na Guiné Bissau. Época seca.
Foto Nuno Rebocho

Sem saber que nos estávamos a despedir dos nossos veículos, fomos parando quase em cada uma das povoações por que passávamos. A interacção com os guineenses foi sempre muito calorosa. O criolo guineense e os idiomas locais são dominantes, mas apesar disso a barreira linguística não impediu que trocássemos sorrisos e maçãs de Alcobaça por cajus. Desconhecia que o caju, que encontramos na secção dos frutos secos dos supermercados, é apenas o miolo da semente de um fruto muito sumarento, saboroso e facilmente perecível. Pelo que nos explicaram, os cajueiros são agora muito mais abundantes que nos tempos coloniais e que este fruto depois de seco é a maior exportação do país, sendo a Índia o seu principal destino. Alguns dos intermediários indianos trocam directamente arroz por caju, o que, segundo a Fundação, é prejudicial para os guineenses pois antes cultivavam arroz nas zonas alagadas, e com o dinheiro que recebiam da venda do caju compravam outros bens. Esta mudança levou a que houvesse um menor estímulo do cultivo do arroz e uma menor criação de riqueza.

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Caju fresco
Foto Paulo Sousa

Outro detalhe que nos explicaram prende-se com a falta de cuidado na apanha do caju, que leva a que este se deteriore com humidade e perca valor comercial. Noutras paragens, com outra capacidade empresarial, não duvido que a parte perecível do fruto fosse aproveitada para compotas, sumos e outros fins. Esta parte mais sumarenta do caju, quando madura, quase que se desfaz ao ser apertada. É menos consistente que um pêssego maduro e quando se acumulam vários dentro de um recipiente, em pouco tempo o fundo do mesmo fica preenchido com o sumo. Esse sumo fermenta rapidamente e transformado-se assim numa bebida alcoólica. A época da colheita do caju, esta mesma em que lá estivemos, é a época do “vinho” de caju e de bebedeiras abundantes. Mais tarde, esse detalhe foi também usado para explicar o estado alterado da polícia de fronteira e da não emissão dos documentos dos nossos carros aquando da entrada no país.

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A caminho de Bissau
Foto Nuno Rebocho

Quando finalmente chegámos a Bissau, a poucos metros da rotunda do aeroporto, fomos mandados parar pela polícia ali de serviço. Pediram-nos os documentos, entregámos uma daquelas fichas que tínhamos preparado, carimbada pelo posto de fronteira de Pirada, e foi então que começámos a entender que alguma coisa não estava bem. Após mais de uma hora de espera, durante a qual o responsável pelo posto comunicou várias vezes com o Comando Geral da Guarda Nacional, vimos chegar um jornalista da Televisão Pública que sabia da nossa chegada. Ao ver chegar uma câmara, o chefe do posto dirigiu-se rapidamente para ele e apreendeu-lhe o aparelho. Entretanto, o tempo foi passando e após uma demorada negociação a câmara lá regressou às mãos do seu dono. Assim, ainda na dúvida sobre o que ia acontecer aos nossos carros, fomos entrevistados para o Telejornal. A mensagem foi sempre a mesma, estávamos ali para colaborar com quem ajudava os guineenses e por isso contávamos com um tratamento menos hostil. Após diversas diligências, que incluiu a ida de alguns de nós ao Comando Geral da Polícia, acabou por ficar decidido que os carros seriam apreendidos até que se esclarecesse a situação.

O representante permanente da Fundação João XXIII na Guiné, o Sr. Celestino, tinha já providenciado duas viaturas para nos deslocar. Assim, depois de ir depositar os veículos numa missão de freiras ali próxima, transportámos as nossas bagagens para a residência da Fundação, onde ficámos instalados até ao final da viagem. De ali em diante passámos a circular dentro da caixa de uma pick-up.

 

Continua

Início da viagem

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