Pulido Valente "in memoriam" (2)
«Nada há de original no republicanismo português, que não passa de uma adaptação - particularmente pobre - de ideias velhas na Europa.»
«Apesar de esforços desesperados, o Partido [Republicano Português] nunca conseguiu implantar-se solidamente em mais de 30 dos 262 concelhos existentes. Até à sua amarga e desiludida morte, o republicanismo e a República permaneceram coisa privada de Lisboa.»
«Palla e Sá Cardoso desertaram; Cândido dos Reis matou-se. Tudo somado, apenas cinco oficiais ficaram no seu posto do princípio ao fim [entre 3 de 5 de Outubro de 1910]: o comissário naval Machado dos Santos, os segundos-tenentes da Armada Tito de Morais, Mendes Cabeçadas e José Carlos da Maia e o primeiro-tenente da Armada Ladislau Parreira.»
«Apenas dois [jornais], o agora "reaccionário" Liberal (ex-progressista) e o ultramontano Portugal, desafiaram os tempos e persistiram no seu caminho. A 10 de Outubro [de 1910] foram ambos assaltados, saqueados e destruídos e os respectivos directores devidamente presos. O seu destino inaugurou uma época em que a "rua" controlava a imprensa com uma eficácia desconhecida nos costumes políticos portugueses.»
«Não apenas uma pequena parte da nação, os republicanos de Lisboa, conquistaram um poder político sem proporção com o seu poder social, económico e ideológico, mas uma pequena parte dessa pequena parte acabou por se apossar do Estado sozinha.»
«Os homens que haviam sido promovidos a Governo Provisório da República, uma inacreditável colecção de mediocridades glorificadas, representavam várias tendências dentro do PRP, tinham opiniões diferentes sobre o que devia ser o novo regime e nem sequer especialmente se estimavam.»
«O presidente, o filósofo, historiador, crítico e sociólogo Teófilo Braga, não passava de uma nulidade política, ali posta com propósitos puramente decorativos. (...) Quando abria a boca, os homens sérios tremiam: ou porque anunciava o advento da República "positivista", ou porque exaltava desvergonhadamente as virtudes da raça de elite lusitana, ou porque incitava os espanhóis à "revolução social".»
«Os carbonários não se atreveram a empregar força física contra jornais republicanos, mas não hesitaram em usar a chantagem e a intimidação. A sua primeira e mais célebre vítima foi Sampaio Bruno, escritor, jornalista, filósofo, veterano do 31 de Janeiro e uma das mais genuínas glórias do republicanismo. (...) Haveria de morrer em 1915, no Porto, depois de três anos de completa solidão, e nem sequer se atrevia a ir ao café com medo de que o insultassem.»
«Basílio Telles, o mais notável economista, historiador e pensador político do seu tempo, (...) foi espancado e apedrejado nas ruas do Porto, aos 55 anos, por se ter atrevido a criticar a obra da "ditadura revolucionária".»
«Os deputados à Assembleia Constituinte acabaram por ser escolhidos, não pelo eleitorado ou pelos militantes "históricos" do PRP, mas à porta fechada por pequenos grupos de dirigentes. Consequentemente, a escolha, em lugar de reflectir a vontade da nação ou do Partido, reflectiu apenas a balança de poder nos altos círculos republicanos.»
«De Agosto de 1911 a Julho de 1912, pelo menos 2383 pessoas entraram nas cadeias da República. (...) Por uma razão ou por outra, ou por razão nenhuma, foram presos trabalhadores e aristocratas, dirigentes sindicais e contra-revolucionários monárquicos.»
«As cadeias estavam cheias de presos políticos. Na Relação do Porto, no Forte do Duque, no Limoeiro, no Castelo de São Jorge, em Caxias, em Sacavém, na Trafaria, por toda a província, amontoavam-se centenas de homens em condições deploráveis. A grande maioria nunca tinha sido pronunciada ou sequer ouvida.»
«Depois de dez anos de uma dura, amarga e, às vezes, desesperada luta, os jacobinos urbanos eram, enfim, os incontestados senhores de Portugal. Um por um, os seus numerosos inimigos tinham sido vencidos: o Rotativismo, Franco e D. Carlos, a Monarquia e, agora, a última barreira, os próprios moderados da República. O reino de justiça ia começar. Durou pouco mais de um ano.»
Citações extraídas do livro O Poder e o Povo (Gradiva, 1999)