Vão chamar pequenos a outros
Como muitos portugueses vêem Portugal
Portugal dos Pequenitos, em Coimbra
Há dois lugares-comuns na linguagem corrente entre nós - designadamente ao nível dos textos jornalísticos - que sempre considerei ridículos.
O primeiro é aludir-se a Portugal como se estivéssemos ausentes do continente europeu. Não passa um dia em que não escutemos alguém referir-se à vontade de «viajar para a Europa» ou de ver as equipas portuguesas de futebol «disputar competições na Europa».
Como se o Minho ou o Algarve, por exemplo, não fossem Europa. Como se Lisboa ou Freixo de Espada-à-Cinta não fossem Europa. Como se o campeonato nacional de futebol não se disputasse em solo europeu.
Como se não fôssemos aliás, duplamente europeus - enquanto um dos mais antigos Estados-nações do continente, com fronteiras estáveis desde 1249, e membro de pleno direito da actual União Europeia desde 1986.
O segundo é afirmar-se que Portugal «é um país pequeno». Outra inverdade, como agora se diz.
À escala europeia, vivemos num país de média dimensão. Superior, em área geográfica e até em população, a muitos outros.
Duplicamos o tamanho da Suíça, da Holanda, da Dinamarca e da Estónia. Triplicamos o da Bélgica e da Albânia. Temos um território mais de quatro vezes superior ao da Eslovénia. E superamos claramente em área geográfica vários outros países: Irlanda, República Checa, Áustria, Sérvia, Lituânia, Letónia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Moldávia, Macedónia do Norte e Chipre. Já sem mencionar os micro-Estados.
Nesta dimensão, estamos ao nível da Hungria - a que nunca ouvi chamar "país pequeno".
O mesmo pode concluir-se ao nível da população: Portugal tem mais habitantes do que a Hungria, precisamente. Mas também da Suécia, da Áustria, da Suíça, da Bulgária, da Bielorrússia e da Sérvia. Duplicamos a da Dinamarca, da Finlândia, da Eslováquia, da Noruega, da Irlanda e da Croácia. E estamos num evidente patamar acima destes: Bósnia, Albânia, Lituânia, Moldávia, Eslovénia, Letónia, Estónia, Islândia e Chipre.
Em número de habitantes, podemos equiparar-nos à Grécia e à República Checa. E temos apenas dez países à nossa frente, num conjunto de 44 Estados.
Não faltam países pequenos, à escala europeia: Albânia, Eslovénia, Montenegro e Macedónia do Norte - todos com menos de 30 mil km². Já para não falar em Chipre ou Luxemburgo, abaixo dos 10 mil km². Ou dos micro-Estados: Andorra, Malta, Liechenstein, São Marinho, Mónaco e a Cidade do Vaticano.
Gostava que perdêssemos este vício de nos diminuirmos cada vez que mencionamos o povo que somos e a geografia em que nos inserimos. Em suma, quando falamos de nós.
Mas talvez seja pedir de mais. Às vezes convenço-me de que transportamos uma carga genética propícia à autoflagelação. Como dizia o outro, não somos herdeiros dos aventureiros e dos exploradores: somos herdeiros dos que cá ficaram.