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Delito de Opinião

Demagogia.

Luís Menezes Leitão, 01.04.25

Quando li este texto de Francisco Seixas da Costa, lembrei-me logo do episódio da série House of Cards, em que o Presidente dos Estados Unidos Frank Underwood entra num hospital a precisar de uma cirurgia urgente, na qual se descobre que necessita de um transplante de fígado. O seu chefe de gabinete Doug Stamper liga então imediatamente para a Secretária de Saúde, a quem pede que altere a lista de transplantes para colocar o Presidente no topo da lista. A Secretária da Saúde informa-o de que o Presidente está em segundo lugar nessa lista e que a sua situação é menos grave do que a do cidadão Anthony Moretti, que morrerá se não receber imediatamente o fígado disponível. O chefe de gabinete informa então a Secretária da Saúde de que ela será demitida se a lista não for alterada. O Presidente acaba assim por receber o fígado e sobrevive, ao passo que o cidadão Anthony Moretti morre, deixando a mulher e os filhos pequenos completamente destroçados e a necessitar de recorrer a um crowdfunding para sobreviver, para o qual o chefe de gabinete contribui de forma generosa devido à sua má consciência.

É por isso que entendo que no acesso aos cuidados de saúde não há cargo ou posição relevante. Há apenas doentes, cuja ordem de tratamento deve ser apenas baseada em critérios clínicos. Se isto é demagogia, paciência. É a minha posição pessoal.

Eça de Queiroz no Panteão Nacional.

Luís Menezes Leitão, 08.01.25

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Sobre o que pensaria Eça de Queiroz da sua ida para o Panteão, parece-me elucidativo o que escreveu no Conde de Abranhos:
 
"Não me compete, porém, nestas reminiscências íntimas do Conde d'Abranhos, fazer a história política da sua administração nos negócios da Marinha. Essa missão gloriosa pertence aos Herculanos e aos Rebelos do século XX.
 
Eu desejei somente, sem invadir o solo pomposo e difícil da História, deixar aqui consignado que, na minha opinião, de todos esses estadistas, esses poetas ardentes, esses moços de largo sopro lírico, esses estimáveis cavalheiros que em Portugal, desde a outorga da Carta, têm dirigido os negócios da Marinha e Ultramar, nenhum, como Alípio Abranhos, compreendeu tão patrioticamente o espírito de que deve inspirar-se a nossa política colonial.
 
Ainda perdura a obra imorredoura que nos legou esse génio glorioso, que hoje, cercado da veneração saudosa de Portugal, repousa no Cemitério dos Prazeres. Sobre o mausoléu comemorativo que a saudade da respeitável Condessa d'Abranhos lhe ergueu, o talento do escultor Craveiro fez reviver no mármore a figura majestosa do Estadista.
 
E não é sem uma emoção profunda que ali vou cada ano em piedosa romagem, contemplar a alta figura marmórea, com o seu porte majestoso, o peito coberto das condecorações que lhe valeu o seu merecimento, uma das mãos sustentando o rolo dos seus manuscritos, para indicar o homem de letras, a outra assente sobre o punho do seu espadim de Moço Fidalgo, para designar o homem de Estado – e os olhos, por trás dos óculos de aros de ouro, erguidos para o firmamento, simbolizando a sua fé em Deus e nos destinos imortais da Pátria!"

Juror #2

Luís Menezes Leitão, 21.12.24

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Há uns anos escrevi aqui que "Clint Eastwood é o último dos realizadores clássicos americanos, herdeiro de um tempo em que no cinema se contava uma história simples e cativante, com heróis que ficavam para sempre na nossa memória. Hoje o mainstream do cinema americano são os blockbusters, que entretêm, mas se esquecem ao fim de um minuto depois de sair da sala". Volta a demonstrá-lo aos 94 anos com outra obra-prima, este Juror #2 que infelizmente as inenarráveis opções dos distribuidores impediram que passasse nas salas em Portugal, atirando-o para o streaming. Felizmente que na Max ainda é possível assistir a este filme, embora naturalmente tivesse preferido vê-lo numa sala escura de um qualquer cinema de Lisboa.

Trata-se de um filme de tribunal, sobre as deliberações de um júri, a fazer lembrar o Doze Homens em Fúria de Sydney Lumet. É, no entanto, muito mais complexo do que este, levando a que Clint Eastwood ganhe em toda a linha o duelo que quis travar com Lumet. Quando alguns realizadores pretendiam imitar Hitchcock, dizia-se que não era impunemente que se desafiava um mestre, mas Clint Eastwood como realizador é um grande mestre e não receia medir-se com ninguém. E o filme é perfeito, quer no argumento, quer na direcção de actores, quer na realização. Espero que não seja o último filme de Eastwood, uma vez que ele já declarou querer imitar Manoel de Oliveira e continuar a filmar até aos cem anos. Mas, se o for, encerrou a sua carreira com chave de ouro.

O escalar da guerra na Ucrânia e o precedente da Coreia.

Luís Menezes Leitão, 20.11.24

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A 25 de Junho de 1950 as tropas da Coreia do Norte invadiram a Coreia do Sul, tendo um avanço arrasador, que lhes permitiu em menos de quatro meses tomar Seul e cercar as tropas americanas e sul-coreanas em Pusan no leste do país. Só que as forças americanas eram lideradas por um génio militar, o General Douglas McArthur que em 15 de Setembro determinou a saída de tropas de Pusan e um posterior desembarque no porto de Incheon, na costa oeste, cercando assim as tropas norte-coreanas. Em consequência, não só toda a Coreia do Sul foi libertada, como também Pyongyang caiu, tendo as tropas americanas chegado às fronteiras da China.

O problema é que a China não gostou de ver essas tropas nas suas fronteiras e decidiu intervir no conflito, fazendo o seu exército invadir a Coreia. McArthur percebeu que não conseguia vencer o exército chinês no terreno, pelo que propôs a Truman atacar a China no seu próprio território, eventualmente com bombas atómicas. Truman, no entanto, recusou essa escalada, demitindo de imediato McArthur. Na altura afirmou que a sua estratégia era limitar a guerra à península da Coreia e que, se o General McArthur não concordava com essa estratégia, não podia continuar no cargo. E assim um armistício foi assinado três anos depois do início do conflito, com a fronteira entre as duas Coreias a ficar, com algumas modificações, no paralelo 38, onde anteriormente se encontrava.

Por esse motivo, durante toda a guerra fria, se adoptou a regra de que as superpotências não se enfrentavam directamente, combatendo apenas em territórios delimitados. Foi assim no Vietname, Angola ou Afeganistão, em que as guerras no terreno, por muito duras que fossem, nunca conduziram a um conflito global.

Na Ucrânia, pelo contrário, vemos Joe Biden, a semanas de deixar a Casa Branca, e com as suas faculdades mentais  visivelmente deterioradas, a permitir o lançamento de mísseis americanos contra território russo, abandonando assim qualquer estratégia de limitar a guerra à Ucrânia. Como é óbvio, a partir do momento em que isso acontece, a guerra pode alastrar a todo o lado, não espantando por isso que a Suécia e a Finlândia já estejam a preparar os seus cidadãos para essa eventualidade.

Corremos assim o risco de não escapar a uma guerra global no primeiro quartel do séc. XXI, como aconteceu no primeiro quartel do séc. XX. Na altura, também foram uma série de decisões pouco pensadas que atiraram o mundo para o apocalipse.

Livros de cabeceira (16) - série II

Luís Menezes Leitão, 09.11.24

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Sou um leitor compulsivo de banda desenhada, especialmente da linha clara franco-belga. Adorei as obras de Hergé, Goscinny, Franquin, Tibet e Peyo, mas sempre preferi as versões originais aos pastiche surgidos posteriormente. Acho que a melhor decisão que Hergé tomou foi a de não ter permitido que Tintin lhe sobrevivesse, o que permite que ainda hoje o olhemos com o fascínio de sempre. Já Astérix perdeu grande parte da sua graça depois da morte de Goscinny e, embora o lançamento de cada livro seja hoje um evento à escala mundial, a única coisa que resta das personagens originais é a perfeição dos desenhos, já que a genialidade dos argumentos desapareceu para sempre.

Na banda desenhada norte-americana, a criatividade original também se perdeu. Hoje a Disney e a Marvel são indústrias de produção em série, que há muito se afastaram dos autores originais, o que leva a que grande parte do seu encanto tenha desaparecido. Cada vez tenho menos interesse nos filmes da Marvel, e ainda menos nas suas bandas desenhadas, que me parecem totalmente distantes das histórias originais que lia durante a minha adolescência.

Sucede, porém, que o Correio da Manhã tomou a iniciativa de distribuir aos sábados uma colecção das histórias originais da Marvel, tal como foram concebidas por Stan Lee e desenhadas por Steve Ditko, e que nos permitem reencontrar o que nunca deveria ter sido modificado ou adaptado. Estes são presentemente os meus livros de cabeceira.

A ferro e fogo.

Luís Menezes Leitão, 23.10.24

O Estado tem duas funções fundamentais: assegurar a Justiça e a Segurança. Portugal está a falhar clamorosamente nessas duas funções.

Em relação à Justiça, a mesma está completamente bloqueada, assistindo-se agora ao triste espectáculo de o julgamento do processo mais fundamental do regime ter o seu início mais de dez anos depois dos factos, com o principal arguido com a doença de Alzheimer e com o Tribunal a ouvir depoimentos gravados de testemunhas mortas há anos. Alguém há-de explicar como é que se exerce o contraditório, essencial a qualquer defesa, nestas condições. Em qualquer caso, a Justiça fica completamente descredibilizada.

Como se isso não bastasse, os subúrbios de Lisboa estão a ferro e fogo, com revoltas, distúrbios, autocarros incendiados, e ataques a pessoas e bens, sem que a polícia se mostre minimamente capaz de restaurar a ordem pública. Os cidadãos sentem-se por isso ameaçados, enquanto o discurso oficial continua a proclamar que Portugal é dos países mais seguros do mundo.

A população paga impostos para ver os seus direitos assegurados e poder dormir descansada. Se Portugal não consegue assegurar as duas funções fundamentais do Estado, está a transformar-se num Estado falhado. Exigem-se explicações urgentes das autoridades sobre o que se está a passar no nosso país.

Um Governo de mão estendida.

Luís Menezes Leitão, 04.10.24

Aquilo a que assistimos nesta comunicação ao País do Primeiro-Ministro foi a um Governo de mão estendida. Na verdade, em vez de executar o Programa do actual Governo, o que o Primeiro-Ministro vem dizer é que vai executar o Programa do Governo do PS ou até o Programa Eleitoral do PS. E por isso faz uma comunicação ao País a pedir pelas alminhas ao PS que lhe aprove o Orçamento. Mas nem assim o PS lhe responde favoravelmente, dizendo que vai apresentar uma contraproposta. É difícil assistir a uma maior humilhação de um Primeiro-Ministro e de um Governo. Só faço uma pergunta. Alguém imagina Sá Carneiro, Cavaco Silva ou Pedro Passos Coelho a fazerem uma comunicação ao País deste teor?

A votação do orçamento.

Luís Menezes Leitão, 04.09.24

Pelos sinais que têm sido dados nos últimos dias, parece que tudo aponta para a rejeição do Orçamento, com a ida do país a novas eleições. O Chega já disse que vota contra o orçamento e o PS parece que se inclina também nesse sentido.

Embora me pareça esse cenário muito provável, acho que ainda há hipóteses de não se concretizar.

Em primeiro lugar, se Pedro Nuno Santos vir o seu lugar em perigo com a hipótese de novas eleições, pode claramente optar pela abstenção, apesar de dizer mal do orçamento. Não seria a primeira vez que o PS apresentaria uma "abstenção violenta" em relação a um orçamento da AD.

Em segundo lugar, se o orçamento for chumbado, só haverá eleições se Marcelo quiser. Nem a eventual demissão de Luís Montenegro, alegando não ter condições para governar em caso de chumbo do orçamento, as provocaria necessariamente, porque Marcelo teria que aceitar essa demissão. Em qualquer caso, Montenegro já disse que não se demitiria em nenhum cenário, pelo que não me parece que haja risco de assistirmos a uma repetição do "irrevogável" em 2024.

A ida para eleições, em caso de rejeição do orçamento, dependerá assim apenas de Marcelo considerar se é preferível ficar na história como o Presidente das dissoluções ou como o Presidente que saiu do cargo com o país a viver em duodécimos. Sobre isso aceitam-se apostas.

Blogue da semana.

Luís Menezes Leitão, 11.08.24

Apesar da cada vez mais complexa situação internacional, estes dias de início de Agosto em Portugal têm sido marcados pela recordação do episódio traumático que foi a queda do BES e o enorme impacto que teve no nosso país.Há um blogue que, pela reprodução dos seus posts de há dez anos, nos tem recordado a forma como foi sendo acompanhado esse episódio, desde as declarações do Presidente da República de que estava tudo bem até à resolução decretada pelo Governador do Banco de Portugal, com o Governo a banhos. Escolho por isso o Quinta Emenda para blogue da semana.

Militares a ameaçar sair à rua.

Luís Menezes Leitão, 23.02.24

Quando leio num jornal sobre militares a saírem à rua por razões salariais, lembro-me logo deste episódio semelhante, ocorrido no então Zaire em 1991, em que o terror foi tanto que obrigou à fuga dos portugueses que ali residiam, com pessoas a desmaiarem à chegada a Lisboa pela emoção de terminar o pânico que tinham sofrido.

Militares fora dos quartéis é algo a que não assistíamos desde o 25 de Novembro de 1975. Parece, no entanto, que a absoluta incompetência deste Governo na gestão dos assuntos de Estado, com a discriminação que criou no subsídio às forças de segurança, está a levar o país a comemorar os 50 anos da Revolução com uma repetição ao vivo e a cores do pior que se passou nos tempos do PREC. Espero bem que no próximo dia 10 de Março Portugal inteiro dê a resposta adequada àqueles que o colocaram nesta situação.

A crise política na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 27.01.24

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Tenho visto aparecer afirmações sobre a resolução da crise política na Madeira praticamente decalcadas da péssima solução que Marcelo Rebelo de Sousa adoptou para o país, que se baseou em adiar, quer a demissão do Governo, quer a dissolução do Parlamento para permitir a aprovação do orçamento. Isto implicou que o país esteja a viver num limbo durante quatro meses, em que as instituições se vão degradando à vista de todos, sem que ninguém faça nada para resolver os problemas.

Na Madeira, no entanto, esta solução não é replicável por uma razão muito simples: É que nas Regiões Autónomas vigora um regime parlamentar puro, enquanto que na República o regime é semipresidencialista. Tal leva a que grande parte do que foi feito no país não possa ser repetido na Madeira.

Assim, em primeiro lugar, não há qualquer possibilidade de o Presidente do Governo Regional apresentar a demissão e a mesma não ser logo aceite, uma vez que o art. 62º, nº1, b) do Estatuto Político-Administrativo da Madeira refere expressamente que implica a demissão do Governo Regional a apresentação pelo Presidente do Governo Regional do pedido de exoneração. Ou seja, é logo no momento da apresentação do pedido de exoneração que se verifica a demissão do Governo Regional, não podendo a mesma ser adiada, pois não é necessário qualquer acto de aceitação.

Para além disso, ao contrário do que sucede na República, onde o Programa do Governo é discutido, mas não votado, só podendo o Governo cair se for apresentada uma moção de rejeição, na Madeira o Programa do Governo Regional implica a apresentação de uma moção de confiança (art. 59º, nº1, EPAM), pelo que sem a Assembleia Regional aprovar o seu Programa, o Governo Regional ficará em gestão (art. 63º, nº1, EPAM). Assim, qualquer substituto de Miguel Albuquerque terá que ter necessariamente desde o início a confiança da maioria da Assembleia Regional.

Em qualquer caso, como a Assembleia Regional ainda não fez seis meses sobre a sua eleição, a mesma não poderá ser dissolvida pelo Presidente da República a não ser daqui a dois meses. Não parece, porém, que possa ter seguimento a evidente tentativa do Presidente da República de manter o actual Governo Regional em plenitude de funções até esse momento. Basta que algumas das anunciadas moções de censura seja aprovada para que tal já não seja possível.

Aguardemos assim pelas cenas dos próximos capítulos.

Blogue da semana.

Luís Menezes Leitão, 27.01.24

Com uma crise política no Continente e nos Açores, só nos faltava que a mesma também ocorresse na Madeira. Como sou um grande apreciador dessa linda ilha, onde regresso com muita frequência, resolvi escolher desta vez para blogue da semana um blogue dedicado à defesa do património e da cultura da Madeira. O Passos na Calçada é por isso o blogue da semana.

O Congresso do PS.

Luís Menezes Leitão, 07.01.24

Em Maio passado, no Encontro Nacional de Autarcas Social-Democratas, Cavaco Silva fez um discurso arrasador sobre o estado do país, referindo nunca ter imaginado "que a incompetência do governo socialista atingisse uma tal dimensão". E avisou: "Em princípio, a actual legislatura termina em 2026. Mas, às vezes, os Primeiros-Ministros, em resultado de uma reflexão sobre a situação do país ou de um rebate de consciência, decidem apesentar a sua demissão e têm lugar eleições antecipadas. Foi isso que aconteceu em Março de 2011".
Nem tinham decorrido seis meses sobre estas palavras, quando António Costa apresentou a sua demissão, plenamente justificada perante as graves situações ocorridas a 7 de Novembro e das quais só o mesmo se pode queixar.

Agora, no entanto, em pleno Congresso do seu partido, António Costa resolve acusar outros de o terem derrubado, sem que um único congressista lhe lembre a situação em que estava o seu Governo e que a demissão foi da sua exclusiva iniciativa. Já se percebeu que a estratégia eleitoral do PS de Pedro Nuno Santos é criar uma realidade alternativa. Resta saber se os eleitores alinharão na mesma.

A abdicação da Rainha da Dinamarca.

Luís Menezes Leitão, 31.12.23

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A notícia da abdicação da Rainha Margarida II da Dinamarca no último dia de 2023 reveste-se de grande simbolismo, representando o fim de uma era no país. Na data do nascimento da Rainha, a 16 de Abril de 1940, o país estava ocupado pelas tropas nazis, que tinham invadido o país há uma semana, a 9 de Abril de 1940, pelo que o nascimento da filha mais velha dos Reis foi recebido pelo povo como um símbolo de esperança na sua futura libertação. Só que a Dinamarca possuía na altura a Lei Sálica, pelo que as mulheres não podiam herdar o trono, que estava reservado aos membros masculinos da família real. Assim, e como os Reis só tiveram filhas, o herdeiro da Coroa seria o irmão mais velho do Rei, o Príncipe Canuto, que até tinha simpatias nazis.

A sucessão do Príncipe Canuto seria por isso um escândalo nacional, razão por que  a lei viria a ser alterada em 1953, permitindo assim à princesa subir ao trono em 14 de Janeiro de 1972, data da morte do seu Pai. Curiosamente também apenas uma semana depois, a 22 de Janeiro de 1972, viria a assinar o Tratado de Adesão da Dinamarca, Irlanda, Noruega e Reino Unido às Comunidades Europeias que se concretizou em 1 de Janeiro do ano seguinte, salvo quanto à Noruega, que em referendo rejeitou a adesão.

A adesão foi, no entanto, sempre polémica na Dinamarca tendo chegado a surgir em tribunal uma acção de cidadãos a pedir que fosse declarada nula a assinatura da Rainha no Tratado, que consideravam o maior atentado à independência do país em toda a sua história. O Tribunal limitou-se a dizer que a pretensão não era susceptível de apreciação jurídica.

A Dinamarca tem desde então vivido com um pé fora e um pé dentro da Europa. Em 1992 rejeitou em referendo o Tratado de Maastricht, embora depois tivesse aceite uma versão alternativa com cláusulas de isenção específicas para o país. Em 2000 rejeitou igualmente em referendo a adesão ao euro, pelo que se mantém com a coroa dinamarquesa. E em 2015 rejeitou também em referendo integrar a área da Justiça e Assuntos Internos da União Europeia, prejudicando assim a cooperação nestas áreas. Não chegou a fazer um referendo para sair da União, como o Reino Unido, mas pouco faltou.

Em todas estas cinco décadas os dinamarqueses tiveram a mesma Rainha, que soube sempre representar o seu país com uma enorme dignidade. Agora por razões de saúde abdica da coroa. Vai seguramente deixar saudades aos seus súbditos.

O descrédito das instituições.

Luís Menezes Leitão, 10.11.23

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"Remember, remember, the 7h of November". Nesse dia, depois de buscas ao seu gabinete e de se saber que iria ser autonomamente investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Primeiro-Ministro comunicou ao país o seguinte: "A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com a suspeita de qualquer acto criminal. Obviamente apresentei a demissão ao senhor Presidente da República (…). A minha demissão foi aceite pelo Presidente da República. Porventura quererá ponderar a partir de que data produz efeitos a minha demissão".

Ontem o Presidente da República anunciou ao País que as eleições seriam a 10 de Março e que só para Dezembro aceitaria a demissão do Governo, para garantir a aprovação do Orçamento do Estado. O problema, no entanto, é que, segundo uma comunicação oficial do Primeiro-Ministro ao País, a demissão já foi aceite e portanto o Governo está demitido (art. 195º, nº1, b) da Constituição). Ora, quando o Governo é demitido, caducam todas as propostas de lei que apresentou ao Parlamento (art. 167º, nº6, da Constituição), incluindo naturalmente a do Orçamento do Estado. O que tem toda a lógica, pois não faz sentido que um Governo demitido condicione o Governo que lhe vai suceder, ainda mais durante todo o ano, que é o tempo da vigência do Orçamento do Estado, e com medidas altamente controversas, como a subida do IUC, que nunca deveriam vir de um Governo demitido.

O que o Presidente fez, segundo Reis Novais, foi uma fraude à Constituição. Eu acho mais do que isso. Acho que há um desrespeito flagrante da Constituição por quem tinha o dever de a defender, o qual coloca o País numa situação altamente complexa. Temos um Governo envolvido num escândalo de corrupção e um Primeiro-Ministro investigado no Supremo Tribunal de Justiça, que por isso se demitiu. Mas o Governo vai continuar na plenitude de funções durante meses, como se nada se tivesse passado. Se isto não é uma República das Bananas, não sei o que será uma República das Bananas. Numa altura em que deveríamos festejar os 50 anos do regime democrático, as nossas instituições caíram num descrédito total, não só aos olhos dos Portugueses, mas também da comunidade internacional.

As eleições na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 29.09.23

Não tencionava comentar as eleições na Madeira, mas este post do JPT estimulou-me a dar também a minha opinião, no quadro da pluralidade que sempre caracterizou este blogue. Na minha opinião estas eleições foram um desastre para o PSD, o que só augura o pior para as eleições que se seguem e para a liderança de Montenegro.

As principais culpas do que se passou não podem ser atribuídas a Miguel Albuquerque, que até partia lançado para renovar a maioria absoluta e trucidou a oposição do PS. O problema ocorreu na semana anterior, com a posição do PSD nacional perante a moção de censura do Chega. Essa moção de censura fez o Chega aparecer ao eleitorado como a única oposição ao Governo de António Costa, o que lhe permitiu saltar de uma base de zero — nem se sabia se conseguia concorrer até ao último momento — para 8,5% na Madeira. E a Iniciativa Liberal entrou no Parlamento da Madeira porque apoiou essa moção. Pelo contrário, o PSD perdeu deputados ao abster-se numa censura ao Governo do PS. Se não conseguia votar ao lado do Chega, teria que apresentar ele próprio uma moção de censura e votá-la favoravelmente. A conversa de que somos o partido das soluções e não o das moções só serve para o PSD não ser visto como oposição. Espero que ao menos aprendam de vez a lição. Se amanhã aparecer de braço dado com o PS na revisão constitucional, o PSD será trucidado em quaisquer futuras eleições.

Mas a solução de Miguel Albuquerque de fazer um acordo com o PAN também é péssima para o PSD. Luís Paixão Martins, no seu livro Como perder uma eleição, assume ter cometido um erro ao aconselhar António Costa a assumir que o PS, caso não tivesse maioria absoluta, se poderia coligar com o PAN. Tal provocou uma reacção indignada de muitos militantes do PS no interior. Na verdade o PAN pode ter muitos votantes no meio urbano, mas é odiado nas zonas do interior, pelo seu posicionamento contra o meio rural. Ora o PSD ainda tem mais apoio nos distritos do interior do que o PS, pelo que um acordo com o PAN será tóxico para o partido. Aliás, pelas convulsões que o próprio PAN está a ter, aposto que esse acordo não vai valer o papel em que será escrito.

Ou o PSD muda rapidamente de estratégia ou a sua chegada ao Governo será uma miragem.