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Delito de Opinião

Esquemas, uma nova ou velha tendência?

Joana Nave, 27.06.22

O mundo dos esquemas é vasto e abarca as mais variadas vertentes. Há esquemas para todos os gostos, para todas as necessidades e ao serviço da imaginação de cada um. Criar um esquema pode ser fácil, se o for apenas conseguir atingir uma meta seguindo exemplos alheios, porém um esquema que pretenda alcançar um patamar superior, que não pareça o que é até atingir o fim a que se destina, já requer perícia, estudo e empenho por parte do seu criador.

Os esquemas não seguem as normas da sociedade, mas têm procedimentos que os associam e identificam como tal. São, regra geral, formas de beneficiar um ou mais indivíduos por meio de estratégias ilícitas, fraudulentas e enganadoras. O esquema não é necessariamente uma forma fácil de atingir um determinado fim, pode até ser um caminho mais ardiloso e com consequências nefastas, mas os proveitos são certamente maiores e forçosamente tentadores para que o caminho escolhido seja o do esquema e não o do trabalho comum.

Usar um esquema é uma forma de tentar ser e ter algo que de outra forma muito dificilmente conseguiríamos. Não é fácil, e não está ao alcance de todos, ser rico, famoso, bem sucedido, reconhecido, ter posses acima da média, e acima de tudo influência sobre os demais. Enveredar num esquema é um deslumbramento, quer para quem o cria, quer para quem o segue.

Um dos primeiros esquemas que conheci foi a famosa cábula escolar, que era usada para compensar a falta de estudo no aproveitamento das provas de avaliação. Os alunos tornaram-se cada vez mais criativos à medida que os professores percebiam o método e aplicavam restrições com o intuito de inibir esta prática.

Na procura de trabalho também há muitas pessoas que dizem ter conhecimentos que não têm, experiências e cargos empolados, que ficam bem numa apresentação, mas que na prática são apenas mais uma mentira com vista a conseguir o emprego para o qual se estão a candidatar.

A sociedade está cheia de mentiras, de pessoas que querem ser algo que não são. Nós podemos ser tudo o que quisermos, mas esse é o prémio do esforço, do empenho, da dedicação, a meta para quem luta e segue os seus sonhos de forma correta, justa e sem enganar ninguém, principalmente a si próprio.

Pensamento da semana

Joana Nave, 10.04.22

Dizem que o dinheiro move montanhas, que no fundo todos têm um preço, que se vendem sempre que a recompensa é alta, mas será que é mesmo este deus que governa o mundo? Talvez a economia e a política sejam escravas do dinheiro, e as relações internacionais abracem este bem precioso como lema de igualdade e outras ideias de globalidade. No entanto, nada promove tanto a humanidade como o apreço, a palmadinha nas costas, o elogio na hora certa, o reconhecimento, este sim, lidera o mais nobre dos sentimentos, a esperança.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

Rotina matinal

Joana Nave, 30.03.22

Naquela manhã sombria, Alice acordou sobressaltada ouvindo fortes rajadas de vento investindo contra os vidros do quarto onde dormia. Tinha tido uma noite agitada, repleta de sonhos surrealistas com rostos conhecidos. Espreguiçou-se lentamente, fazendo estalar todas as vértebras até à nuca, soltou dois bocejos e esgueirou-se para fora da cama. Os pés tocaram o tapete macio e procuraram com pouca precisão os chinelos. O Trovão tinha-os arrastado para junto da secretária, onde encontrou também os óculos. Vestiu um casaco de malha que usava como agasalho e foi lavar a cara para ver se espantava o sono. A água fria soube-lhe bem, massajou com as pontas dos dedos embebidas em hidratante o rosto limpo, escovou os dentes e o cabelo, e foi até à zona da cozinha preparar um café. O aroma do café forte, acabado de fazer, despertou-lhe todos os sentidos. Inspirou profundamente, fechando os olhos para saborear melhor aquele doce momento. Com a chávena de café numa mão e um livro noutra, foi até junto da janela que dava para o jardim e sentou-se no cadeirão. O Trovão apareceu a abanar a cauda e sentou-se aos seus pés. Alice olhou lá para fora, viu as árvores que dançavam com o vento, as folhas verdes que acompanhavam a dança, os pássaros recolhidos nos ninhos, e o sol tímido que espreitava no horizonte, tentando rasgar as nuvens espessas que o cobriam, para tomar o lugar da lua. Esta é uma manhã perfeita, pensou, e mergulhou os olhos nas páginas que pulsavam no seu colo, ávidas de a transportar para um mundo de fantasia.

A ditadura tem muitas formas

Joana Nave, 02.03.22

A propósito dos tempos que vivemos, em que a opressão tomou conta da racionalidade, em que os direitos humanos são aniquilados em prol do poder de um louco, a palavra ditadura surge em todo o seu esplendor, com mais eloquência do que outrora, porque de este a oeste não há quem não tenha sentido na pele o que ela representa. Aos mais novos ficam os testemunhos dos que viveram sob a influência de um ditador. De tudo o que uma ditadura implica, aflige-me a liberdade de expressão, a liberdade de pensamento e a liberdade plena como direito. A ditadura tem muitas formas e uma delas é a que impomos a nós próprios, quando calamos as nossas angústias para sermos aceites nos meios em que estamos inseridos. Não damos voz às situações que nos aprisionam na nossa condição de mais pequenos, mais pobres, mais velhos, mais debilitados e, com isso, damos força a quem nos quer vencer convencendo-nos de que somos menos. Menos astutos, menos inteligentes, menos fortes e menos capazes. Neste país onde me encontro podemos dizer o que nos apetece, até demasiado, porque algum pudor fica sempre bem e é adequado ao que é do bem comum, mas sofreremos inevitavelmente as consequências. Quando acontecem no mundo situações tão catastróficas como a que está a ocorrer neste momento, devíamos repensar todas estas atitudes mesquinhas, que rebaixam o ser humano, que lhe tiram dignidade, mas infelizmente há mais loucos por aí, disfarçados de lobos em pele de cordeiro.

Era uma vez...

Joana Nave, 23.02.22

Era uma vez um planeta azul, a que chamavam Terra. Nesse planeta havia fauna, flora, humanos e muitas comodidades. Os seres humanos reproduziam-se, cresciam, evoluíam e iam inventando formas de facilitar as suas vidas, tornando-as mais longas, com mais posses, com mais experiências. Ter e acumular tornaram-se palavras banais. Os dias foram ficando mais preenchidos de coisas e mais vazios de imaginação. A globalização aniquilou o prazer da descoberta e tornou tudo demasiado acessível. As distâncias encurtaram, as relações evoluíram do físico para o digital e a comunicação atingiu o seu auge, aproximando tudo e todos à distância de um click.

O planeta azul foi ficando saturado, por ser usado em demasia, por ser testado até ao limite. Os recursos começaram a escassear, a abundância deu lugar à extinção, e a descoberta da cura foi muitas vezes o início de uma nova doença. Os rios secaram, a água deixou de correr, os humanos foram apodrecendo na escala da sua ambição desmedida, da sua arrogância e do desprezo pelos demais. O dinheiro moveu o mundo, mas o dinheiro não o salvou.

A Terra tornou-se um lugar inabitável, onde aos poucos deixamos de ter meios de subsistência. Os alimentos que antes nos nutriam, tornaram-se veneno para o nosso corpo. O ar deixou de ser respirável e o simples acto de respirar tornou-se sufocante. Ainda tentamos promover hábitos de vida saudáveis, a conversão ao vegetarianismo, o regresso às bases, e tantas outras teorias que não puderam vingar por ser tarde demais. Na prática, estamos todos a enfrentar a desilusão e a amargura do caminho que temos vindo a trilhar, das escolhas inconscientes e da falta de amor próprio.

O planeta azul ficou muito doente e a esperança foi ficando cada vez mais distante, empurrada para bem longe pelo cruel destino que as nossas acções foram definindo ao longo dos tempos. Seguimos, mas apenas esperamos que o sol amanhã ainda possa brilhar, que a chuva refresque o chão que pisamos, regue as árvores e leve para bem longe as partículas de dor e ódio que planam no espaço que nos rodeia.

Ser mulher na sociedade actual

Joana Nave, 17.11.21

A luta pela igualdade de género em direitos e liberdade é antiga e actual, dependendo do contexto social em que vivemos. Sabemos que as mulheres ainda são muito discriminadas em países subdesenvolvidos ou países onde há uma predominância machista, sendo que esta última é sem dúvida a que tem maior relevo. Países altamente desenvolvidos e industrializados como a Coreia do Sul vêem a mulher como mãe e cuidadora, a profissional é crucificada aos olhos da crítica social, que diminui o papel da mulher instruída e liberal, subjugando-a a uma cultura que está fundamentalmente centrada no papel do homem, o pilar da família, que trabalha para a sustentar e que deve ser servido.

Em Portugal há uma grande defesa em torno do papel da mulher emancipada, com igual oportunidade de ascender a cargos de chefia e de destaque, que muitas empresas até publicitam como forma de promoverem o seu bom exemplo nesta matéria. As mulheres vão tendo relevo e notoriedade em todas as áreas, mesmo nas que antes eram sobretudo dominadas por homens.

Apesar de todos os avanços sociais não há forma de contrariar a natureza, é a mulher que engravida, que durante cerca de nove meses passa pela evolução gestacional, que está activamente no parto e no pós-parto e de quem mais o recém-nascido necessita pela parte da alimentação e da ligação estabelecida desde a concepção. É a mulher que tem uma limitação etária para procriar, assim como a que está mais sujeita ao escrutínio social quando a idade avança e permanece solteira e sem filhos.

No mundo actual e em países como o nosso é comum as mulheres serem mais liberais, dedicadas à carreira, não saberem cozinhar e optarem por não ter filhos. Estas mulheres são criticadas tanto por homens como por outras mulheres. As mulheres são condicionadas no seu papel desde a criação, em que a mulher se juntou ao homem para que este não estivesse sozinho e foi criada a partir de uma costela dele. Esta versão bíblica é advogada no papel acessório e secundário da mulher e persegue-a como uma herança de vida.

O meu super ídolo

Joana Nave, 21.07.21

Quando nascemos não vemos logo todos as cores, nem de forma nítida e só focamos a uma distância reduzida. À medida que crescemos a visão torna-se mais colorida, límpida e abrangente. Os nossos pais ou cuidadores são as pessoas que vemos diariamente e em quem depositamos a nossa confiança e amor. Depois, vamos alargando o leque e trazendo para o círculo dos afectos aqueles que duma forma ou doutra nos cativam.

É normal que as crianças desenvolvam especial carinho pelos educadores, professores, treinadores, e por aí fora. À medida que vamos frequentando grupos, também aí tendemos a desenvolver laços de amizade com várias pessoas. A pessoa que dirige é aquela que mais amamos ou odiamos, consoante o grau de admiração. Estas pessoas têm um papel fundamental na educação e formação das crianças, mas também enquanto adolescentes e jovens, e até como adultos. O líder de um grupo é responsável pela orientação e formação de valores e crenças, seja um grupo desportivo, de teatro, xadrez, música, religião, entre muitos outros. Quando esse líder abusa do seu poder de influência, através da manipulação, usurpação, mentira, humilhação e força, estamos perante uma perturbação grave da formação do indivíduo.

A experiência que decorre de situações desta natureza provoca distúrbios de aceitação, confiança e aprendizagem, porque são associados a uma natureza negativa, que é maléfica ao desenvolvimento do ser humano. Somos seres sociais e precisamos do nosso contexto social para crescermos de forma sólida e estruturada, mas quando as bases são abaladas a construção tende a desmoronar e o renascer dos escombros pode ser muito difícil e tortuoso. Acredito que é por terem receio de como enfrentar esta tão grande adversidade no caminho, o colocar em causa escolhas e crenças enraizadas, o investimento de tempo e dinheiro em causas que se revelam infrutíferas, que tantas pessoas adiam a decisão inevitável, que negam os factos que têm diante de si e preferem não ver o óbvio, porque a dura realidade é cruel e é preciso um esforço muito maior do que continuar a subjugar a vida aos interesses dos outros.

Não sendo fácil abraçar a mudança, é inegável que ela é necessária, que é a única via libertadora da opressão, que é a força motriz única e necessária para abraçar novos desafios, que são escolhas livres das amarras que antes foram impostas. Ser livre para escolher, decidir e usufruir dos frutos dessas verdades. Se não há liberdade de pensamento, se a opinião individual não é tida em consideração, se em vez de um círculo temos uma pirâmide, em que ouvimos a cascata cadente, em vez de elevar a cúpula pelos degraus trilhados, então não pode ser verdadeiro.

A dieta que funciona

Joana Nave, 14.07.21

Dizem que os algoritmos captam títulos sonantes, por isso resolvi dar a este texto um título que o tornasse apelativo aos mais cépticos, aos menos curiosos e aos que se estão nas tintas.

Se ainda estão a ler, não fiquem desiludidos porque não vou falar de dietas, ou de alimentação saudável, porque não tenho formação na área e não quero iludir ninguém, vou apenas especular um pouco sobre vários conceitos que acho interessantes e que estão relacionados com o comportamento alimentar.

Quando eu era criança a regra era comer, e se não comesse era um verdadeiro sarilho, porque barriga cheia era sinal de saúde e o contrário não, a falta de apetite era logo sinónimo de doença. Entenda-se ainda por comer, não comer pouco ou o suficiente, mas o chamado comer bem, ou seja, comer muito. Em termos de diversidade alimentar tudo estava bem desde que se fosse alternando religiosamente entre peixe e carne.

Com o passar dos anos muita coisa mudou, a roda dos alimentos ajustou-se a novas realidades, surgiram doenças associadas a hábitos alimentares e a certo tipo de alimentos, e difundiu-se uma forma de comer mais natural, por oposição aos muitos descuidos alimentares que uma sociedade em desenvolvimento, principalmente tecnológico, fomenta por nos roubar tempo para os tachos.

O leque de opções actuais é vastíssimo e vou enumerar apenas algumas das que conheço: vegetarianismo, veganismo, plant-based, paleo, mediterrâneo, entre muitas outras. Há quem não queira colocar a si próprio o rótulo, mas opte predominantemente por um estilo de alimentação, e depois há as pessoas que comem de tudo, mas que não comem alimentos com glúten, ou lactose, ou processados, e por aí fora.

Uma das ideias que mais confusão me fazem, e esclareço desde já que é apenas a minha opinião, baseada na minha experiência, é a questão do jejum intermitente. Percebo a ideia de que a redução de calorias, por saltar uma ou várias refeições e ter o cuidado de não compensar nas seguintes, promove o emagrecimento, mas não entendo os benefícios defendidos pelas pessoas que o praticam. Em termos de comportamento alimentar parece-me um risco, porque exige uma auto-disciplina muito grande e um esforço físico e mental que não são sustentáveis a médio e longo prazo, porque não proporcionam equilíbrio. Esta ideia é ainda completamente antagónica da que defende que não devemos saltar refeições, que o pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia, que não almoçar e depois comer muitos snacks ou um jantar pesado faz mal, entre outras.

Por tudo isto, defendo que a melhor dieta é a que funciona para cada um. Gosto da expressão reeducação alimentar e acho que faz sentido. Acredito que o melhor de tudo é o equilíbrio, escutar o nosso corpo e comer o mais natural possível, com respeito e harmonia por nós, pelos outros e pelo planeta. Claro que nem sempre é possível e está tudo bem, desde que a consciência esteja sempre presente nas escolhas que fazemos, que aceitemos que há dias e fases menos boas, mas que depois podemos voltar ao nosso ritmo, com tranquilidade. Eu tenho fases em que podia comer o pequeno-almoço ao almoço e ao jantar, fases em que não consigo comer peixe, nem carne, em que podia comer só fruta. Tenho fases em que cozinho tudo de raiz e outras em que coloco no forno pizzas, rissóis, croquetes, ou então como apenas uma torrada. Acredito que o que faz bem é o que me faz bem a mim e não aos outros, por isso aceito quem só bebe líquidos, quem não come, quem se mata a fazer exercício físico para queimar calorias, porque este templo que nos deram para cuidar só depende de nós e, ainda que o partilhemos, nascemos e morremos com ele e a responsabilidade é inteiramente nossa.

Viver devagar

Joana Nave, 23.06.21

Viver devagar. Abrandar o ritmo, saborear cada momento, colocar intenção e atenção em tudo o que fazemos. Parece tão simples, como utópico. Tão próximo, como distante. Talvez seja a realidade de quem vive fora das grandes cidades, tenha um trabalho em part-time, ou tenha uma rede de suporte muito grande e organizada, que lhe permita não ter de ocupar o tempo livre com tarefas domésticas e afins.

Sempre procurei ser consciente em relação a tudo o que faço, respirar lentamente, sentir os cheiros, degustar os aromas e estar em contacto com a natureza, sempre que possível. Procurei instruir-me de forma abrangente, ler muito, ouvir música e escrever sobre o que estava a sentir. No entanto, a sensação de frustração, de correria constante, de pressa em vez de vagar, de pouca ou nenhuma atenção ao pormenor, é avassaladora. Vivemos tempos agitados, mesmo quando somos obrigados a parar a mente teima em preencher os espaços em branco, em estar permanentemente numa busca constante por algo que a ocupe, porque a mente é traiçoeira e quer estar sempre em vantagem.

O Yoga e a meditação ajudam, mas apenas se lhes dermos espaço para fazerem parte do nosso dia-a-dia, interiorizando a prática como uma rotina e não apenas como mais uma tarefa na lista de afazeres. Cada pessoa tem a sua forma de relaxar, tirar prazer da vida, mas é muito comum não darmos prioridade aos momentos prazenteiros, com a desculpa de que é só mais um esforço e depois já vamos ter todo o tempo do mundo para nos dedicarmos ao que realmente gostamos de fazer.

Querer estar mais presente, ter um espaço limpo, organizado e minimalista dá imenso trabalho, pelo que o ideal é traçar esses objectivos e ir com calma no caminho para os atingir. Ir fazendo tudo aos poucos, pequenas tarefas de cada vez, sem pressa de chegar, caminhando passo a passo, com a lentidão própria de quem quer sentir que a vida flui com calma e ligeireza. É com foco no momento que se vai vivendo devagar, que se vai tirando prazer das pequenas coisas e enriquecendo uma vida singular.

Ser criança no mundo actual

Joana Nave, 02.06.21

Ser criança é um dom, ser criança em espírito, quando a armadura que a reveste se vai tornando mais sólida, mais definida, mais conhecedora. A criança é um estado de espírito que habita em nós, que influencia a percepção das coisas que vemos e sentimos.

No mundo ser criança é um verdadeiro desafio, daqueles que nos fazem tropeçar a cada instante. Cair, levantar, erguer a cabeça e seguir em frente. Abraçar o desconhecido com a alegria contagiante da descoberta, da primeira vez. Subir ao cume, sem olhar para trás, sonhar cada vez mais alto.

As distracções aprisionam a criança, tornam-na preguiçosa, vulnerável, à mercê do que é instantâneo e efémero. A comparação, a cobiça, destroem a essência, a pureza.  A vontade nem sempre é inata, nem sempre assoma quando mais precisamos, é preciso relembra-la e cuida-la como o nosso bem mais precioso. É a vontade que guia os nossos passos, que semeia o desejo que faz nascer a energia de que necessitamos para viver cada dia. E é na alegria, a mais genuína e verdadeira, a que nos leva às lágrimas de emoção, à dor de barriga comprimida com o riso contagiante, que encontramos a única criança interior que jamais nos abandona, mas que pede a todo o instante a nossa máxima atenção e cuidado.

Ser criança é uma verdadeira dádiva, que devemos homenagear diariamente, enaltecer e louvar, permitir que se liberte, que encontre o seu semelhante em cada gesto e sorriso que a despertam para a vida.

Faço 40, e agora?

Joana Nave, 26.05.21

Cada ano que passa surge como uma nova oportunidade, de fazer mais, melhor, ou apenas tentar manter o nível. Não me recordo exactamente dos primeiros anos de vida e da forma como me senti quando celebrei os meus primeiros aniversários. As fotografias imortalizaram os sorrisos, os bolos, as roupas, mas não captaram a essência.

Quando olho para os meus filhos vejo neles toda a energia e vontade de crescer, de passar para o nível seguinte. É tão importante ser crescido, ter direito à sua própria voz, tomar decisões sem limites, fazer escolhas arrojadas sem o sermão da advertência, castrador. Lembro-me de querer o mesmo que eles, avançar, seguir em frente, ter o meu destino nas minhas mãos, arriscar sem receio, lutar pelos meus sonhos e ideais. De querer tanto abraçar o futuro, fui-me esquecendo de viver o presente, que se ia escapando por entre os dedos, a correria desenfreada de querer sempre mais, de acumular experiências e também coisas. Passei três décadas neste estilo de querer e, só na viragem da última década, me apercebi que muitas coisas eram um verdadeiro contrassenso, porque à medida que ia tomando consciência dos problemas ambientais, da saúde mental, das relações, fui continuando a encher o baú das recordações, para me manter segura com o peso da minha bagagem.

Foi preciso ser mãe, de um e mais um, para perceber que a vida nos desafia constantemente a sair da nossa zona de conforto para abraçarmos a verdadeira felicidade, que só se encontra na liberdade. Esta liberdade é a que nos liberta das amarras dos preconceitos, do peso que carregamos. Quando somos brutalmente desafiados a lutar contra nós próprios, contra crenças enraizadas profundamente, começamos a questionar o que nos rodeia. Primeiro, a dependência, sabermos que não podemos olhar só para nós, porque outros, seres imaturos, indefesos, desprotegidos, precisam de nós, dos nossos cuidados, atenção e sobretudo amor. Depois, o espaço, aprender a ter o nosso espaço dentro do colectivo, adaptarmos as nossas vidas a novas necessidades. Claro que podemos não aprender nada com isto, ganhar muito dinheiro, arranjar uma boa ama, uma empregada e uma casa maior.

No entanto, o verdadeiro desafio é a mudança, criar espaço dentro do que já existe, simplificar, deixar para trás, organizar horários, criar rotinas e novos hábitos. Quando chegamos a este ponto estamos verdadeiramente preparados para viver a restante metade das nossas vidas, pelo menos a expectável e com qualidade mental. Sabemos o que nos agrada, o que nos faz sentir bem, o que nos perturba e o que devemos evitar. Sabemos as horas de sono que devemos dormir, a quantidade óptima de exercício, o que vestir nas várias ocasiões, o que dizer, o que queremos ouvir, e acima de tudo sabemos aceitar.

Não me sinto mais sábia, mais ponderada ou determinada, como também não sinto que tenha desperdiçado o meu precioso tempo de juventude, sinto que estive num processo de aprendizagem, que é contínua, aprendi muito, umas vezes acertei, muitas outras errei, mas continuo a querer fazer mais e melhor, com mais leveza, com mais certeza que o caminho é o que realmente importa e não tanto os objectivos que o definem.

Blogue da semana

Joana Nave, 08.04.18

Esta semana trago-vos mais uma das minhas inspirações: Pick Up Limes. É um blogue sobre nutrição e hábitos de vida saudáveis, dois temas que me fascinam e que quanto mais pesquiso mais me dou conta da imensidão de conhecimento que envolvem. Sempre que posso, tento aplicar esta aprendizagem na minha rotina diária e sinto-me muito bem em fazê-lo. Dêem uma espreitadela, não se vão arrepender!

Pensamento da semana

Joana Nave, 11.03.18

Evoluímos dos sacos de pano para os sacos de plástico, do que é reutilizável para o que é descartável, e agora, no auge da evolução humana, em que fazemos compras sem sair de casa, voltamos aos sacos de pano, porque é ecológico e sustentável e a reutilização é afinal a melhor alternativa.

 

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Da saudade

Joana Nave, 12.02.18

Saudade, não da dor que perdurou, até que o tempo a disfarçou com dias de sol e conversas animadas, onde os risos tomaram o lugar da amargura. Saudade de um dia ter tido o que hoje não volta, de ter sentido o que hoje é apenas fragmento de uma memória eterna. É um sentimento atroz este que nos persegue por toda uma vida, que é um rasto que deixamos e que nem os muitos ventos apagam, que se faz sombra para sempre e que reside naquele cantinho secreto da memória, onde guardamos as lembranças ténues da vida singular que sonhámos ter. Tudo o que nos marca profundamente reside em nós até deixarmos este mundo, e talvez até depois continue a acompanhar a nossa alma. Saudade de ter sonhado e hoje a realidade se apresentar tão distinta, tão mais cruel. Saudade da inocência que alimenta o desejo de sermos o que sonhamos, de acreditarmos que podemos mudar o mundo, concertando o que está mal. E agora que acordo para o dia que se me apresenta, invade-me um misto de raiva e desalento, por não ter forças para mudar nada do que está terrivelmente errado.

A vida dos outros

Joana Nave, 05.02.18

Quando olho pela janela imagino o que se passa do outro lado de cada vislumbre que avisto. As pessoas que passam apressadamente, os animais que vagueiam em busca de alimento, as luzes que revelam famílias reunidas em torno de uma mesa, os bancos de jardim onde alguém se senta a descansar, as esplanadas onde copos vazios se acumulam, depois de refrescarem as bocas sedentas que riem e aplaudem o sol de Inverno que os aquece. Vejo tanto coisa e prendo-me no instante que passa, no momento que capto por entre o vidro límpido, sem reflexo. São vidas comuns, singulares, com as suas pequenas vitórias, mediadas por alguns fracassos. Detenho-me um pouco mais num jovem casal, ambos com ar sisudo, parecem não ter grande prazer em estar juntos. Ela percorre o telemóvel com o dedo, ele fuma distraidamente. O empregado de mesa surpreende-os com dois cafés. Ele esboça um esgar de agradecimento, ela não tira os olhos do ecrã. Entretanto, o sinal muda para verde e o carro arranca, prosseguindo a sua marcha. Relembro aquele jovem casal... Ou são só amigos, ou estão fartos um do outro!

A nossa vida

Joana Nave, 29.01.18

Passamos a maior parte do nosso tempo a fazer coisas de que não gostamos. Trabalhos que não nos completam, um trânsito infernal, tarefas domésticas, e ainda temos de conviver com o cinismo dos que nos rodeiam, porque são seres amargurados pelas suas próprias vidas medíocres, e que encontram algum consolo em tornar a nossa vida num pequeno inferno. Para sair desta roda que gira enquanto o tempo passa é preciso, em primeiro lugar, entender que não somos o reflexo que vemos diariamente, que temos uma essência mais profunda, que anseia por uma existência justa, equilibrada e feliz. Temos de ir ao âmago do nosso ser e descobrir aquilo que nos caracteriza, o que realmente nos define, e que uma vez em marcha não dá lugar aos espaços mortos que tentamos preencher diariamente com os meros desabafos de uma vida miserável. Depois, é preciso ter coragem para mudar, para dar um basta ao que temos tido e ousar ter e ser mais. É um virar a página definitivo, escalar a montanha da nossa ousadia e, ao chegar ao topo, sentir a força do vento que nos faz fechar os olhos e inspirar o sopro da verdadeira mudança, da vida única para a qual fomos talhados, e sentirmos a liberdade de sermos nós próprios e isso bastar.

Há políticas que até fazem sentido

Joana Nave, 22.01.18

Quem me conhece sabe que sou uma espécie de anti-política. Não me interessa, tudo o que sei abomino e acho até que é uma perda de tempo. Se sei do que falo, sei. Para ter impacto na vida social, não precisamos de fazer parte de um grupo partidário, há tantas outras formas... Hoje em dia, existem milhares de movimentos activistas que têm mais impacto que a política, mas mais importante ainda, que fazem mais com menos recursos, que não necessitam de facções e politiquices, de caciquismo, e afins. Pessoas que fazem a diferença, que influenciam os outros e que têm um impacto positivo na sociedade.

No entanto, esta semana dei por mim a pensar que o meu alheamento não me está a permitir louvar algumas boas políticas que andam por aí. Fiquei surpreendida, no verdadeiros sentido da admiração, por saber que o Governo está a influenciar a redução do consumo de açúcar e sal. É certo que a mudança de comportamentos é cultural e hábitos enraizados não se alteram de ânimo leve, mas cada pequeno gesto conta, rumo a uma vida mais saudável. Já agora, devia haver incentivos para que as pessoas fizessem mais exercício físico, que não apenas a moda das corridas e os circuitos de manutenção.

Parece-me claramente que o mundo está a evoluir em termos de expansão da consciência, estamos a tornar-nos mais atentos à forma como o nosso comportamento afecta o planeta. Ainda assim, há muita falta de civismo, muita cegueira face aos problemas ambientais, e será importante que haja políticas cada vez mais interventivas para mudar o que é necessário.

A política não me fascina, mas devo louvar o que de bom se faz.