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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.03.23

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José António Abreu: «Ligo a familiares, amigos e colegas por razões particulares (telefonemas profissionais são outra realidade) e passo a duração da chamada em busca de assunto. Hesito. Repito-me. Balbucio trivialidades. Há pessoas capazes de ficar a conversar durante horas – sobre a saúde, o tempo, o almoço, as brincadeiras dos filhos, a idiotice ou a injustiça dos colegas de trabalho, um programa de televisão, os resultados do futebol, a temperatura e o tempo correctos para cozinhar pão-de-ló, os inacreditáveis erros de Gaspar e as inacreditáveis mentiras de Passos. Eu não. Ao vivo, cara a cara, até falo bastante. O telefone, porém, seca-me a verve.»

 

Patrícia Reis: «Estão 14 distritos em alerta, a chuva parece que não vai parar e as janelas da casa mínima onde estou ameaçam cair. Oiço o vento lá fora e, confesso, tenho medo. O melhor será um livro.»

 

Eu: «O cristianismo, para não trair a sua raiz nem o seu destino, jamais deve omitir a face humana de Jesus, que nasce numa gruta obscura e morre crucificado entre dois salteadores. Alheado de toda a glória mundana, despojado de todos os bens terrenos, proclama para a eternidade que nem a morte é capaz de travar a indomável essência do espírito

Elementar burrice

Pedro Correia, 30.03.23

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Dizia o outro que a esquerda mais estúpida da Europa é a francesa. E provavelmente estava cheio de razão.

Digo eu que a esquerda mais burra de Portugal é a de Lisboa. Acaba de confirmar isso chumbando, pela segunda vez em quatro meses, uma medida emblemática do programa eleitoral de Carlos Moedas - e condenando-a assim ao insucesso.

Uma medida que iria beneficiar muitos jovens - precisamente o segmento populacional de que Lisboa mais carece. A isenção, até aos 35 anos, do pagamento do famigerado IMT - Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis - na compra de habitação própria até 250 mil euros.

Ou muito me engano ou estes adoradores de impostos, imbecis como poucos, andam a trabalhar para uma maioria reforçada da direita na câmara de Lisboa antes de se esgotar o prazo previsto para o fim do actual mandato. Já pouco falta para sabermos.

O país das quatro mil taxas

Pedro Correia, 29.03.23

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É um número impressionante: há mais de quatro mil taxas em Portugal. Serão cerca de 4300, em números redondos - cerca de 2900 cobradas pela Administração Central.

Tantas, ao ponto de ninguém conseguir uma lista exaustiva, rigorosa e actualizada de tudo isto. Que serve para confirmar como é demencial o esbulho tributário neste país, o sétimo pior em distribuição de riqueza per capita na União Europeia.

Alguns, geralmente da esquerda mais radical, dizem que «ainda falta fazer a revolução». Dou desde já o meu contributo: acabar com estas taxas. Revolução digna de aplauso. Mãos à obra, camaradas.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.03.23

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João Campos: «Não vi o regresso de Sócrates, mas posso garantir que o penúltimo episódio da terceira temporada de The Walking Dead foi uma maravilha.»

 

José António Abreu: «Apesar de Bowie ter inesperadamente lançado um novo álbum há um par de semanas, não resisto a recuperar este tema de Heathen, de 2002. Trata-se de uma espécie de canção de protesto, ou talvez de reivindicação, que me parece muito adequada aos tempos que correm, especialmente por se encontrar impregnada de uma teimosia ingénua que falta a outras (sim, a essa também). O vídeo, amador mas delicioso, é composto por imagens da Dinamarca nas décadas de 50, 60 e 70.»

 

Eu: «Na política, como no teatro, é fundamental não falhar o tempo - por lentidão excessiva ou manifesta precipitação. Sócrates é um actor consumado, mas ficou-me a sensação de que falou no tempo errado. Algo ainda mais estranho porque foi ele mesmo que o escolheu.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.03.23

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José António Abreu: «Why not leave their private sorrows to people? Is sorrow not, one asks, the only thing in the world people really possess? Vladimir Nabokov, através do professor Timofey Pnin, resmungando contra a psicanálise (um dos seus ódios de estimação) em Pnin, meio século antes da criação das redes sociais.»

 

José Navarro de Andrade: «Duas Europas em contraste tão exposto que o podemos ver explicado em dois quadros. Uma Europa até hoje pouco alterada desde esta segunda metade do séc. XVIII, no dealbar do Iluminismo e das Revoluções.»

 

JPT: «Cresci no bairro dos Olivais, em Lisboa. Uma urbanização dos anos 1960s, uma mescla sociológica ("melting pot" a la Portugal de então) a acolher a alvorada da macrocefalia urbana no país, o crescimento da cidade "capital do Império" de então - estatuto bem marcado na toponímia do bairro, os Olivais-Sul com as ruas nomeadas segundo as localidades ultramarinas (eu sou "da Bolama") e as dos Olivais-Norte dedicadas a evocar os mortos na guerra colonial (a minha irmã viveu na "Alferes Barrilaro Ruas").»

 

Patrícia Reis: «A seguir juntaram-se não sei quantos comentadores - não sei se pro bono, mas que importa isso depois do Sócrates ter dito que "tomava a palavra" a convite e sem receber um tostão? - para falar e analisar a entrevista. Portanto, mais uma vez, Sócrates parou o país. Só conheço outra situação similar: um jogo Benfica-Porto ou Benfica-Sporting.»

Leituras

Pedro Correia, 26.03.23

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«Não deixa de ser agradável para o homem medíocre saber que a grandeza é indiscutivelmente o estado mais solitário do mundo.» 

John Steinbeck, A Leste do Paraíso (1952), p. 326

Ed.  Livros do Brasil, 2018. Tradução de João B. Viegas. Colecção Dois Mundos

Pensamento da semana

Pedro Correia, 26.03.23

Números que nos envergonham: 61% dos portugueses não leram um único livro em 2021. Envergonham ainda mais em comparação com os nossos parceiros europeus: no mesmo ano, houve 38% de espanhóis que nada leram e apenas 8% de franceses.

Quem não lê situa-se de imediato num patamar inferior, indigno de um legado cultural de milénios que nos serve de matriz: não esqueçamos que somos herdeiros e tributários da civilização do Livro.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.03.23

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João André: «Há uma forma muito mais simples de evitar ouvir as opiniões de José Sócrates: desliguem a televisão. Também se evita assim muito outro lixo televisivo bem pior que as declarações de um ex-governante.»

 

José António Abreu: «Em Portugal como noutros países (afinal, que carreira fora da política teve François Hollande, essa momentaneamente imprescindível referência da esquerda?), os líderes políticos emergem dos partidos, pouco mais tendo feito na vida que não política. Nem sequer é difícil perceber a razão: muitos empresários e gestores preferem quedar-se na sombra, beneficiando de um regime de interesse mútuo, e os restantes, aqueles verdadeiramente dinâmicos e competentes, não têm tempo nem apetência para os meandros insalubres do jogo político (excepção feita a esse expoente da qualidade governativa e do conhecimento das necessidades dos cidadãos chamado Silvio Berlusconi, evidentemente).»

 

JPT: «Leio a nota que sua filha colocou ontem no seu tão cuidado blog Ofício Diário, anunciando-nos, aos fiéis leitores, a morte de Torquato da Luz. Sabia-lhe o nome, o papel na imprensa portuguesa, em particular em tempos épicos da instauração da democracia. Mas foi nesse "Ofício Diário" que o conheci, acompanhando-o ali, onde durante anos, desde 2004, de um modo paciente, apaixonado e tão sóbrio, partilhou a sua poesia.»

 

Luís Menezes Leitão: «A subserviência e a falta de sentido de Estado dos nossos políticos perante a troika é algo que brada aos céus. António José Seguro anuncia uma moção de censura no Parlamento, mas antes mesmo de a apresentar escreve uma carta à troika, justificando que a moção é apenas dirigida ao Governo e explicando que nunca porá em causa o memorando. O Parlamento só debaterá assim a moção de censura depois de a troika sobre a mesma se pronunciar, o que leva a uma total menorização do Parlamento português perante instituições estrangeiras. Há efectivamente muitas razões para censurar o Governo mas, depois desta carta que escreveu, António José Seguro deveria era começar por censurar-se a si próprio.»