Leituras
«Numa casa de verdade, uma pessoa nunca se sente só.»
Eugene O'Neill, Jornada Para a Noite (1956), p. 88
Ed. Cotovia, 2003 (3.ª ed). Tradução de Jorge de Sena
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«Numa casa de verdade, uma pessoa nunca se sente só.»
Eugene O'Neill, Jornada Para a Noite (1956), p. 88
Ed. Cotovia, 2003 (3.ª ed). Tradução de Jorge de Sena
De repente, muitos desataram a chamar «migrantes» em vez de imigrantes aos estrangeiros que procuram Portugal para aqui viverem e trabalharem, enquanto os nossos compatriotas acolhidos em países estrangeiros continuam a ser emigrantes. Que raio de critério levará a usar a vogal nuns casos e a omiti-la noutros?
Este pensamento acompanha o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
L. Rodrigues: «Os aumentos de produtividade que as novas tecnologias proporcionam servem apenas para tornar redundante uma grande parte da população, em vez de servir para com uma melhor distribuição dos seus proventos, dirigir as economias mais avançadas para um modelo de sociedade com mais tempo para a criatividade, o lazer, a família, etc. O futuro poderá dizer que esta foi uma época de extraordinária mudança, isso concordo, mas apenas se este contra-movimento de regresso a uma espécie de feudalismo for atempadamente parado.»
Luís Naves: «O fracasso do liberalismo implica o avanço dos populistas em todos os países, da Frente Nacional ao UKIP, da Alternativa para a Alemanha ao Syriza grego. Em Portugal, teremos provavelmente o partido republicano de Marinho e Pinto. Todos eles concentram o discurso em pequenas causas e franjas do eleitorado. Todos eles constituem uma ameaça ao Tratado Orçamental e à zona euro. Se não querem acabar com a Europa, todos querem, no mínimo, acabar com a Europa que existe. A crise financeira deu origem a uma crise política global e esta alimenta-se de formas de descontentamento que, não sendo iguais em todo o lado, parecem anunciar um longo Inverno.»
Going, Going, Gone, Bob Dylan
(Álbum: Planet Waves, 1974)
Alba Baptista
Luís Naves: «O poder é demasiado transitório e há muitos exemplos de homens poderosos que quase chegaram aos píncaros da glória, perdendo tudo num único momento em que a sorte conspirou contra eles. Estes casos deviam ensinar que todos os projectos políticos contêm a semente do seu eventual fracasso e que a ambição tem um lado ilusório e, normalmente, uma relação próxima com a futilidade.»
Teresa Ribeiro: «Era um serial lover. A cada amor que lhe morria nascia um outro, ainda mais forte, não pelas mulheres, mas pelo seu insuperável poder de as seduzir. Ninguém lhe resistia, nem mesmo ele. Jamais se trocaria por outro.»
Hosanna, Charles Aznavour
(Álbum: Visages de l'Amour, 1974)
«Quem invadir a minha casa, leva um tiro.»
Kamala Harris, em entrevista a Oprah Winfrey (19 de Setembro)
Luís Naves: «A reforma do Estado não se poderá fazer sem reduzir ainda mais o número de professores, de polícias ou de profissionais de saúde (que constituem o grosso do efectivo de funcionários). Como se concretiza essa redução? É preciso definir o que se fará com empresas como RTP, CGD ou TAP, antes que um segundo resgate decida pelo País. A informatização mudou a forma de trabalhar e tornou desnecessárias inúmeras funções, mas a burocracia estatal tem sido lenta a adaptar-se e basta entrar numa repartição pública para o compreender.»
Eu: «Série ininterrupta com maior longevidade da blogosfera portuguesa, que assinala o início de cada dia aqui no DELITO DE OPINIÃO, As Canções do Século surgirão em Novembro com um formato especial: todos os temas musicais terão nomes de mulher. É uma forma de homenagear as nossas leitoras, que muito colaboram com sugestões, comentários e palavras de incentivo.»
Pezzo Zero, Lucio Dalla
(Single: Anna Bellanna, 1974)
Finalmente sabemos o nome dele. Durante mais de uma semana, era apenas «o motorista da Carris». Sem direito a identidade, vítima indefesa de um cobarde bando de encapuzados quando desempenhava o seu trabalho: transportar pessoas para as periferias pobres de Lisboa. Servia a comunidade, cumprindo o dever profissional, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).
Não abriu telejornais.
Ninguém indagou o seu tom de pele.
Ninguém o louvou, ninguém o enalteceu, ninguém se lembrou sequer de mencioná-lo pelo nome de baptismo: Tiago.
Tem 42 anos, permanece internado na unidade de queimados do Hospital de Santa Maria. Aparentemente com lesões no aparelho respiratório que lhe ficarão para o resto da vida - consequência do brutal ataque com cocktails Molotov quando transportava os últimos passageiros na última paragem da última viagem daquela fatídica madrugada que terminou com a destruição total do veículo. Alegadamente a pretexto de «vingar» a trágica morte do comerciante cabo-verdiano Odair Moniz, vítima de um deplorável disparo policial no bairro do Zambujal (Amadora).
O agente da PSP está já indiciado por homicídio. Quem atacou Tiago com selvajaria, quase o condenando à morte, permanece impune.
Dos 23 suspeitos detidos e identificados por alegado envolvimento em 155 actos de fogo posto, dano e resistência à polícia de que resultaram quatro autocarros carbonizados, pelo menos 36 veículos ligeiros destruídos e centenas de contentores e ecopontos incinerados, nem um ficou em prisão preventiva. Alguns foram libertados com a solene advertência de estarem proibidos de usar isqueiros, o que já gera anedotas a nivel nacional. Pondo a justiça a ridículo.
«Se o barril de pólvora estourar com maior intensidade, estamos muito longe de conseguir aplicar com rigor, celeridade e eficácia, a boa receita que Keir Starmer utilizou no Reino Unidos, nos tumultos de 2007 e agora, já este ano», observava ontem Eduardo Dâmaso numa lúcida nota editorial no Correio da Manhã.
Aviso feito: convém levá-lo a sério. E pôr fim à indecorosa prática da indignação selectiva. Que pode tornar-se num extremismo tão pernicioso como outro qualquer.
Leitura complementar:
O direito ao nome do assassinado (Delito de Opinião, 16 de Dezembro de 2020)
Ana Lima: «Quando, aqui há uns anos, Lili Caneças pronunciou a frase "estar vivo é o contrário de estar morto", não houve quem não gozasse com tal tirada. Afinal, vemos agora que, para alguns, essa distinção não é assim tão clara. Mas depois de os profissionais do Hospital de Aveiro, durante algum tempo, não saberem se deveriam dar alta, dar baixa ou dar em doidos, parece que o assunto lá se resolveu...»
Luís Menezes Leitão: «Acho tão ridícula esta história de o ministro da Defesa andar a dizer que andamos a "interceptar aviões militares russos" como o foi há cem anos a captura dos navios alemães que estavam pacificamente no porto de Lisboa. O problema é que é com estas bravatas que nós nos metemos em guerras a que somos totalmente alheios. Por isso, preparemo-nos para cantar: "Contra os russos, marchar, marchar".»
Marta Spínola: «O problema não são as gordas. Não são as magras. O problema é, como sempre, estarem mal resolvidas. O problema são os preconceitos, o não conseguirem mostrar pele por ideias pré-concebidas ou não receberem um elogio ou piropo de vez em quando. Mesmo que o recebessem não saberiam o que fazer com ele, ficariam trapalhonas com ele nas mãos como quando o telemóvel quase se nos escapa, quase quase, mas afinal não chega a cair. O problema é também, admito, a convenção à escala mundial de que o magro é que é perfeito. Mas isso é secundário perto da mesquinhez das pessoas.»
Sérgio de Almeida Correia: «Há muito que deixara de ser uma promessa para se tornar num dos mais consistentes desportistas da elite de surfistas nacionais. Depois de Tiago Pires está assegurada a continuidade no sector masculino - porque quanto ao feminino elas falam por si - do surf português no topo mundial. Espero que não lhe faltem os apoios - privados - para que possamos todos continuar a festejar os sucessos do novo campeão mundial de surf júnior. O Vasco Ribeiro transformou as ondas de Ribeira d'Ihas numa passadeira vermelha para as cores nacionais. Estou-lhe grato, tal como todos os portugueses, pelo seu feito.»
Honey Bee, Gloria Gaynor
(Single: Honey Bee, 1974)
«Uma morte é sempre lamentável. A precipitação das instituições sobre os acontecimentos, a mitigar, ou, de quem investigava, a acicatar os ânimos, com afirmações preliminares para os media, é um inaceitável comportamento incendiário.»
António Galamba, no i
Afirmar - como já li nestes dias - que "a Polícia cometeu um erro grave" na morte de um cidadão cabo-verdiano residente no bairro da Cova da Moura, concelho da Amadora, é algo totalmente sem sentido. Confunde árvore com floresta. Como dizer que "a Medicina cometeu um erro grave" num caso de negligência médica.
Não há culpas colectivas.
Há culpas singulares, decorrentes do livre arbitrio e da responsabilidade individual.
Pode até nem ser apenas erro, mas crime. Sem que se abdique um milímetro do princípio lapidar da presunção da inocência e do apuramento rigoroso de todos os factos.
Lamento se navego demasiado contra a corrente nestes dias de rastilho curto, mas nunca deixarei de sublnhar isto: a justiça não deve confundir-se com turbas incendiárias. Seja nas ruas, seja nas redes sociais.
Luís Naves: «Existe, de facto, um clima de medo, e acredito que na sociedade francesa isso seja particularmente forte: não é por acaso que, à medida que aumentam as clivagens religiosas, a Frente Nacional tem votações crescentes. O contemporâneo medo económico, ou seja, o medo de perder o emprego, o que levará a prazo a um sentimento de humilhação, é uma das forças que criam o contexto necessário para a histeria. O outro vector pode ser a fragmentação dos media e o aparecimento de informação não filtrada por profissionais e que prolifera nas redes sociais, sobretudo no Facebook. Ontem, circulou uma notícia falsa, que os autores reclamavam ter sido sancionada pela NASA, e que provocou certo pânico. (...) Não é preciso muito esforço para criar um clima eficaz de fim de mundo iminente. Não sei se os palhaços são um sinal do mal-estar civilizacional que acompanha as grandes mudanças, mas atrevo-me a pensar que vivemos num desses momentos: a aceleração do mundo excita as imaginações e o medo pode ser a ferramenta mais útil para travar certas mudanças.»
Eu: «Repare-se na linguagem tantas vezes adoptada para descrever os bárbaros assassínios de jornalistas, decapitados a sangue-frio depois de serem forçados a confessar aquilo que não pensam e noutras circunstâncias jamais diriam: foram "executados", proclamam vozes neutrais na televisão, sem um assomo visível de indignação cívica. Fosse outro o contexto, fossem outros os algozes, falar-se-ia em crime, chacina, massacre. "Execução" tem uma conotação burocrática, quase legal, quase consentida, quase compreensível. O primeiro erro, aliás, é chamar Estado Islâmico a um movimento inorgânico que utiliza a bandeira do islão como mero pretexto para dar largas ao mais básico instinto sanguinário. Um bando de pistoleiros, mesmo vasto e bem armado, não pode confundir-se com Estado algum. E nenhuma religião deve caucionar a violência homicida, aliás cometida em larga medida, neste caso, contra os próprios irmãos de fé.»
You Just Can't Stop It, The Doobie Brothers
(Álbum: What Were Once Vices Are Now Habits, 1974)
Luís Naves: «A força económica da Alemanha, o desenvolvimento da união bancária e o rigor do Tratado Orçamental alteraram profundamente o equilíbrio de poder, retirando influência ao árbitro do sistema e privilegiando as equipas mais fortes. Embora de forma relutante, a Alemanha é agora a grande potência europeia e, quando se trata de dinheiro e cheques, como aconteceu durante toda a crise, os governos resolvem directamente o assunto, sem intermediários e sem ouvirem os países que não pagam as contas. No jargão comunitário, isto implica a supremacia do método intergovernamental sobre o método comunitário.»
James Dean, Eagles
(Álbum: On the Border, 1974)