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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Zélia Parreira, 14.05.23

"The past was erased, the erasure was forgotten, the lie became truth."

1984 / George Orwell

Durante a semana que passou, decorreu em Faro o 14.° Congresso da BAD - Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Profissionais de Informação.

Na palestra de encerramento, Richard Ovenden, da Bodleian Library, em Oxford, exibiu esta frase de Orwell a propósito da sua intervenção.

Autor de "Queimar livros: uma história da destruição do saber", Ovenden conduziu-nos pelos desastres, tantas vezes intencionais, que provocaram a destruição de bibliotecas e sublinhou a importância destas instituições na salvaguarda e consolidação da Democracia, através da garantia de acesso ao conhecimento.

Numa época em que as bibliotecas - nos EUA, Canadá e Irlanda,  por exemplo - enfrentam verdadeiras comissões de censura e brigadas revisionistas, vale a pena relembrar que, há exactamente 90 anos, a 10 de Maio de 1933, a queima de livros "indesejáveis" precedeu o holocausto, dando razão às palavras premonitórias de Heinrich Heine (1820): "Onde se queimam livros, acabam por se queimar as pessoas".

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Blogue da semana

Zélia Parreira, 05.06.22

Já o tive na ponta dos dedos várias vezes, para o trazer aqui. É delicioso, mas inconstante. Ultimamente está mais activo no Facebook, onde tem uma página com o mesmo nome, que também sigo. Diz que é uma casa cheia de livros e de pessoas, com a porta sempre aberta. Eu confesso: sinto-me lá muito bem.

O blogue desta semana chama-se Senhoras da Nossa Idade e espero que este destaque encoraje as Senhoras a mais partilhas connosco!

Liberdade

Zélia Parreira, 25.04.22

Que elas existiam no antigo regime, já sabemos. Que elas tiveram um papel preponderante na formação de um espírito crítico, do inconformismo, do saber que existe algo mais para além do muro e que esse algo mais é a liberdade, não tenho dúvidas.

As Bibliotecas.

Instrumento privilegiado, lugar máximo de democracia e de liberdade.

Só nelas todos cabem, sem distinção. Só nelas todos se sentem acolhidos. Só nelas todos encontram o caminho para a superação, para romper ciclos de pobreza económica e social, progredindo ao seu ritmo, de acordo com os seus interesses. Só nelas encontram lazer, informação, conhecimento e cultura, sem ter que pagar por isso. Só nelas, em igualdade de direitos e deveres. Só elas, espalhadas de forma homogénea e coerente por todo o território, têm a capacidade de estar próximas dos cidadãos, disponíveis, numa linguagem de vizinhança, numa relação de confiança.

As bibliotecas que hoje conhecemos são também uma conquista de Abril. Filhas de outras que, tal como os nossos pais, fizeram um longo caminho em surdina, sem perder a esperança, contribuindo a cada dia, em cada pequeno gesto, a cada livro emprestado e lido, para iluminar modestamente a escuridão. As bibliotecas que hoje conhecemos são, por isso, das instituições mais desprezadas e desrespeitadas por aqueles que ontem à noite e hoje colocam a mão no peito ao lado do cravo, em cerimónias solenes, para celebrar Abril. As palavras e os discursos deste dia 25 não correspondem aos actos de quem desinveste, desacredita, menoriza ou fecha bibliotecas com indiferença.

No longo caminho destas casas de liberdade e democracia, este é apenas mais um dia, porque este é o dia em que todos falam do que fazemos sempre, todos os dias: Liberdade.

Sempre 25 de Abril. Vivam as Bibliotecas!

Festa dos pequenos leitores

Zélia Parreira, 02.04.22

Dias especiais em instituições muito especiais.

A digna e nobre Biblioteca Nacional de Portugal, do alto dos seus 226 anos, abriu a porta à pequenada para celebrar o Dia Internacional do Livro Infantil e os pequenos Leitores aí estão, a ocupar o terreno. Um dia serão Grandes Leitores e no seu percurso estará este momento, em que vieram à BNP e parquearam a bicicleta ao som dos Toca a Rufar.

É a Festa dos Pequenos Leitores, mas é um grande, grande dia!

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Festa dos Pequenos Leitores: hoje e amanhã,  no relvado da Biblioteca Nacional de Portugal. 

Das práticas culturais

Zélia Parreira, 16.02.22

Do
INQUÉRITO ÀS PRÁTICAS CULTURAIS DOS PORTUGUESES 2020
(https://www.ics.ulisboa.pt/.../brochura_online_pt...)

"Digno de registo é também outro aspeto: apesar de os dados mostrarem que quanto mais jovem se é, e quanto mais elevadas as qualificações académicas dos pais, maior será a probabilidade de se ter usufruído, na infância e adolescência, de experiências de aproximação ao mundo do livro e da leitura espoletadas pelos pais ou por outros familiares, importa destacar que a maioria dos portugueses raramente ou nunca desfrutou, até aos 15 anos de idade, da leitura de histórias e da oferta de livros por parte da família ou, inclusivamente, de um conjunto de práticas exodomiciliares como idas a feiras do livro, livrarias ou bibliotecas.

Sublinhe-se, porém, que no escalão etário 15-24 são em maior número os que tiveram pais ou outros familiares lendo-lhes histórias frequentemente ou algumas vezes do que raramente ou nunca. O mesmo é válido quanto à oferta de livros, com idêntica manifestação no escalão dos 25-34 anos. Entre outras razões, estes resultados, permitindo entrever um potencial sinal de mudança, podem explicar-se pelo facto de os jovens de hoje terem pais mais escolarizados do que os de gerações mais velhas e, por consequência, mais sensíveis ao valor cultural da leitura.

No que toca à frequência de bibliotecas ou arquivos (gráfico 4.6), e tendo por referência os 12 meses anteriores ao início da pandemia, assinale-se que 80% dos portugueses nunca os visitaram nesse período."

Conclusões:
1. O parágrafo do meio mostra que, apesar de tudo, há um caminho a desenhar-se. São políticas de longo prazo, que não apresentam resultados imediatos e que só políticos com visão conseguem desenvolver, implementar. Comparar isto com políticozinhos com responsabilidades na área da cultura que dizem que não percebem para que serve uma Biblioteca aberta, é anedota. Mas que os há... há.
2. Há muito trabalho por fazer para os profissionais nesta área. Não podemos perder um só dia, porque há um mundo do tamanho do nosso país, ou vá, da terrinha de cada um, para mudar.

O Estado das coisas

Zélia Parreira, 12.01.22

A 24 de Dezembro um dos meus filhos fez um teste rápido,  em casa, cujo resultado era duvidoso. Em menos de 2 horas, graças ao contacto imediato com o médico de família, já tinha realizado teste PCR na Área de Doenças Respiratórias e um teste antigénio na farmácia local, que confirmou a positividade à covid19 e reportou ao SNS. Em consequência dessa notificação, o SNS contactou o paciente, por mensagem de telemóvel,  pedindo que identificasse, no portal do SNS, as pessoas que se encontrassem na mesma habitação. Assim fizemos e fomos todos identificados.


Família fechada em casa, cuidados preventivos para os restantes membros da família, acompanhamento quotidiano do médico de família. Pensei "isto está muito bem organizado!".


No primeiro dia útil seguinte (27 de Dezembro) avisei a minha entidade patronal. O mesmo fizeram os meus filhos. Comprometemo-nos a enviar o comprovativo da necessidade de isolamento profiláctico logo que ele nos fosse facultado.

Perante a total inoperância da linha SNS24 durante vários dias (só conseguimos contactar a 1 de Janeiro) e corroborando os esforços do meu médico de família,  contactei a Unidade de Saúde Pública, por email e por telefone, no dia 29 de Dezembro. Desde aí,  insisti e insisti. Zero resposta. Zero declarações.

Sou funcionária pública. Tenho 5 dias úteis para apresentar a justificação da ausência ao trabalho, sob pena de me serem aplicadas sanções que podem ir até à expulsão da função pública. Nesta data, já lá vão 13 dias úteis.

Felizmente, tive o cuidado de pedir para ficar em teletrabalho enquanto estava em isolamento profiláctico. Fi-lo por uma circunstância muito simples: porque podia. Nem todos têm esta sorte e para esses, que tiverem passado por esta situação, tratou-se efectivamente de uma ausência injustificada ao trabalho.

Ainda assim,  o pedido de teletrabalho teve como fundamento a necessidade de isolamento imposta pela saúde pública, mas que a saúde pública se recusa a atestar. Ou seja, neste momento, pode dizer-se que prestei falsas declarações porque não consigo fazer prova do fundamento que aleguei.

Eu sei que houve muitos casos nas últimas semanas,  mas estamos a falar de uma unidade de saúde local. Quantos casos terá havido aqui, diariamente, para impedir a emissão dos respectivos atestados?

A nódoa

Zélia Parreira, 24.12.21

O processo de exoneração do actual CEMA e consequente nomeação do Vice-almirante Gouveia e Melo faz-me lembrar alguém, aparentemente desastrado, que deixa cair um garrafão de azeite em chão poroso.

O azeite pode ser da melhor qualidade, "fino como o azeite de Moura". O chão pode ser daquele "marmre más fino que vem ali d'stremoz", como diz o barbeiro dos meus queridos Bonecos de Santo Aleixo. A nódoa fica para sempre, porque quem levava o garrafão fez tudo mal. Tão mal que até parece que foi de propósito. 

A Casa da Sabedoria

Zélia Parreira, 18.12.21

A 25 de março de 1805, Frei Manuel do Cenáculo fez registar no seu diário, para memória futura, o acto de ter colocado o primeiro livro nas estantes da “sua livraria”. Iniciava-se, com esse gesto, um caminho de mais de dois séculos para uma biblioteca extraordinária.

O propósito do então Arcebispo de Évora foi nobre e louvável: disponibilizar à cidade e à região o acesso ao saber disponível na época, materializado na sua vasta colecção, compilada ao longo de muitos anos e fruto de uma curiosidade e sede de conhecimento notáveis, próprias de um grande vulto do Iluminismo. Desta generosidade nasceu a Biblioteca Pública de Évora, a primeira “biblioteca pública” – no sentido de serviço público, aberto a toda a comunidade – em Portugal.

De então até aos nossos dias, tem sido incrível a viagem desta Biblioteca. Devassada pelas invasões francesas, enriquecida pelos fundos dos extintos conventos e transferida para a esfera estatal, veio a ser verdadeiramente organizada e a tomar uma forma próxima da que hoje conhecemos pela mão de dois grandes bibliotecários: Joaquim Heliodoro Cunha Rivara e Augusto Filipe Simões. O início do século XX trouxe modificações institucionais. O Gabinete de Curiosidades e a colecção de obras de arte de Cenáculo deram origem ao Museu de Évora e a Biblioteca passava a acolher o então criado Arquivo Distrital, do qual só viria a separar-se em 1997.

É de meados deste século a última obra de ampliação do edifício, com o objectivo de aumentar a capacidade de armazenamento exigida pela designação da BPE como uma das beneficiárias do depósito legal. Desde 1931, a BPE recebe a produção cultural e científica impressa no nosso país e dela faz usufruto em benefício dos seus leitores, através do serviço de leitura pública e empréstimo domiciliário.

Ao contrário das suas congéneres que viram as colecções patrimoniais e de leitura pública serem separadas, dando origem a instituições distintas, a BPE mantém-se una e indivisa, assegurando, numa só entidade, a biblioteca patrimonial herdada de Cenáculo e a leitura pública, alimentada pelas novidades editoriais que nunca param de chegar. Mantém-se igualmente na esfera estatal, enquanto unidade orgânica dependente da Biblioteca Nacional de Portugal, o que atesta bem a sua especificidade e relevância.

Na portaria da Biblioteca cruzam-se quotidianamente famílias com bebés de colo, investigadores eruditos, leitores mais ou menos compulsivos ou consumidores dos jornais diários. O que os move é o mesmo: entender o mundo. Uns descobrem-no através das histórias infantis, outros decifram as intrincadas caligrafias de outros séculos, outros procuram novas visões de um mesmo mundo, enquanto outros procuram estar a par da actualidade. Para todos, a Biblioteca Pública de Évora é uma bússola que os guia no caminho do conhecimento. Porque, como tão bem escreveu Cenáculo, “para se conseguir a sabedoria, nada há de tão útil como uma biblioteca pública”.

Texto originalmente publicado no Jornal Público de 16 dezembro, p. 31

 

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Nas imagens:
Visita de um jardim-de infância; Entrega ao domicílio de livros da colecção de empréstimo;
Entrada no diário de Frei Manuel do Cenáculo, com o registo da colocação do primeiro livro nas estantes;
Primeiro fólio do prólogo da mais antiga cópia conhecida do Esmeraldo de Situ Orbis

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Blogue da semana

Zélia Parreira, 14.11.21

Imagino-a a chegar a casa, abrir o computador, estender as mãos para o teclado e despejar o que a rua lhe trouxe. A mãe preocupada não é sobre uma personagem. É um universo, uma constelação de vidas, famílias, dramas que se cruzam e ganham ordem e sentido nos posts deste blogue. Fiquem a conhecer, desde já, os Pereira:

O que verdadeiramente desgosta o senhor Pereira é que o neto tenha sido nomeado como um lavrador. A Joaquim, diz, falta nobreza e estilo, há de trazer sempre à lembrança a ideia de couves, galochas, tratores, bosta de vaca, se me desculpa a indelicadeza da linguagem. Está acocorado junto do mercedes e tira as medidas ao risco que descobriu ainda agora na lateral traseira, perto da roda. E se dá na cabeça de alguém chamar-lhe Quim? Ou Quinzinho? Nem pense nisso, sou eu a tranquilizar o senhor Pereira, que leva o dedo indicador à língua e, com uma entrega comovente, quase terna, tenta devolver a perfeição à chapa metalizada do automóvel. Garanto-lhe: na zona da cidade onde são arquitetadas as regras da boa figura que, por imitação, vão alastrando até à ala oriental e aos subúrbios, têm nascido Joaquins. E nos colégios que monopolizam o topo dos rankings há cada vez mais assim chamados. Alguns brilham no quadro de honra, não só pela prova quantificada dos seus dotes intelectuais como pela obediência. Dê-lhes tempo, senhor Pereira, e os Joaquins hão de substituir a dinastia de salvadores e santiagos que destronaram a dos lourenços e bernardos, depois de estes terem acabado com a dos martins e tomás, esses implacáveis exterminadores de afonsos. Ele não me ouve. Esfrega ainda, e cada vez mais freneticamente, o risco na pintura. Com o esforço posto no vaivém do dedo, as feições dele crispam-se e os modos exaltam-se, até lhe sai um palavrão sem se dar conta nem pedir as desculpas de costume. Mas um risco destes não é coisa que se limpe ou disfarce com saliva. Uma aparência impecável exige um investimento muito mais trabalhoso.

Pensamento da semana

Zélia Parreira, 08.08.21

Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento circular, como os espojinhos que atravessam o campo levantando poeira, folhas secas, insignificâncias, que para mais não lhes chegam as forças, bem melhor seria vivermos em terra de tufões. Outras vezes uma palavra é quanto basta.

José Saramago, "A jangada de pedra".

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

Blogue da semana

Zélia Parreira, 01.08.21

Em Proença-a-Nova há um bibliomóvel. Percorre aldeias e montes. Vai onde houver alguém. As estatísticas importam pouco, porque onde há números pequenos, há almas isoladas, que precisam de companhia. Mesmo os que não sabem ler, devoram as palavras que o Nuno Marçal lhes leva. 

A amizade, o carinho e cuidado que estas pessoas nutrem pelo "menino Nuno dos livros" não é um acaso. É  fruto de 15 anos de percursos diários, à chuva e ao frio, ao calor sufocante ou em caminhos que cortam as terras feridas de morte pelos incêndios e pelo abandono do interior. Sem nunca desistir ou hesitar, o Nuno segue a sua cruzada, acompanha as vidas desta gente e regista, com tristeza, o desaparecimento dos que se cansaram do trabalho e da solidão. 

No bibliomóvel segue também um computador, ferramenta indispensável para matar saudades de quem está longe ou para cumprir as obrigações cívicas com o Estado. Há um terminal multibanco, para pagar as contas certas e incertas. De vez em quando há companhia especializada: monitorização dos valores da tensão arterial, da diabetes, distribuição de medicamentos. 

De tudo isto o Nuno nos vai dando conta, em palavras e imagens, no seu blogue O Papalagui e nas redes sociais (Facebook e Instagram). Vale a pena segui-lo, conhecer o interior e perceber a diferença que a vontade de um Bibliotecário que se recusa a ser indiferente pode fazer nas vidas que o rodeiam.

O Papalagui é o blogue desta semana. 

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Serviço (não muito) público

Zélia Parreira, 01.06.21

Os CTT, essa bela instituição que nos últimos anos nos tem falhado em quase tudo, lança agora uma nova parceria com a CUF para a realização de teleconsultas nas suas instalações. Por partes:

1. Dispõem os CTT de um espaço  onde o paciente possa usufruir da privacidade necessária a uma consulta?

2. As consultas na CUF não são privadas e pagas? Mas esta medida destina-se às "populações mais envelhecidas, assim como a menor literacia digital" (sic), sem capacidade de mobilidade. Ou seja, aos que não têm meios - também económicos - para se dirigir a uma consulta presencial. Então, servem a quem?

3. Vamos lá à questão da menor literacia digital: os velhotes não percebem nada de computadores, por isso vamos colocá-los à frente de um para terem uma teleconsulta. Teleconsultas gerais e de todas as especialidades médicas! Quem os apoia? Os funcionários dos CTT? Com que tempo e com que respeito pela privacidade?

4. Nós já sabíamos que os CTT não levam essa coisa da privacidade muito em conta, desde que fecharam os postos nas localidades pequenas e obrigam as pessoas a deslocarem-se ao supermercado, onde o operador de caixa lhes anuncia logo à entrada: "já chegou o aviso da luz, para pagar, que está em atraso!" ou  "A sua reforma já veio, veja lá onde a gasta!"

5. Mas se fecharam os postos nas localidades pequenas, afinal aquilo das dificuldades de mobilidade para as populações mais envelhecidas... ah! Não se aplica. Até porque nas localidades onde vai ser implementado - Bragança, Mem Martins, Seixal, Beja, Funchal e Viana do Castelo - até há hospitais (Mem Martins está perto do Amadora Sintra).

6. Depois de livrarias, lojas dos 300, temos agora os CTT transformados em postos médicos. Enviar e receber correspondência é que não está no seu ADN. Por exemplo, e já que se fala em correios e saúde, este é o estado em que um exame médico me chegou às mãos, cortesia dos CTT. Reclamei, mas não tiveram tempo de me responder. Estão ocupados a planear disparates.

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Em Portugal, ao primeiro dia do mês de Maio

Zélia Parreira, 01.05.21

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Portugal descobriu, esta semana, os trabalhadores ilegais. Camaratas com dezenas de pessoas, sem condições mínimas de higiene, sem distanciamento social, alimentação inenarrável, horários de trabalho esticados até ao limite da resistência física. Indigno, desumano, cruel.

É irónico que este assunto seja discutido quando se assinala mais um Dia do Trabalhador, essa “festa” da “esquerdalha”, que os críticos do sofá afirmam servir apenas para passeios, piqueniques e compras, com a desculpa das manifestações. Esse dia anacrónico, fossilizado, de uma luta que, dizem, já não se justifica e que é só uma desculpa para não trabalhar.

Mas não é, pois não? Se dúvidas havia, os trabalhadores ilegais do sudoeste alentejano aí estão, evidentes, impossíveis de ignorar, a demonstrar que há ainda tanto por fazer, tanto por que lutar.

A crueldade maior – e a hipocrisia de tudo isto – é que se não fosse a Covid, permaneceriam “arrumados” nas suas camaratas, invisíveis de segunda a sábado, fugazes na carrinha que os leva a fazer as compras ao domingo e os traz de volta ao alojamento. Em Odemira, no cultivo dos frutos vermelhos, mas também nas estufas entre Pegões e o Montijo, ou no Alentejo interior, no tempo da azeitona. Fazem o que os portugueses não querem fazer. Ou melhor, corrijo: fazem o que os portugueses fariam, se recebessem salários compatíveis com a dureza do trabalho, em horários decentes e com condições de alojamento minimamente dignas.

A Covid, que não distingue ricos e pobres, trouxe-os para a ribalta, exibiu-os aos olhos de todos. Eis a podridão do sistema. Eis o que todos sabiam, mas sobre o qual nunca falavam. Eis o que se permitiu que acontecesse, com a conivência do silêncio, dos suspiros ligeiros para o lado, enquanto se murmura “coitados!”.

Este “coitados” não são mais do que os portugueses que nas décadas de 60, 70 e 80 limparam prédios e escritórios, trabalharam na construção civil e nas fábricas de França, Suíça ou Alemanha. Mas a esses, aos nossos, não os víamos, estavam longe dos olhos. Só lhes conhecemos os carros, os modos estrangeirados e o português transfigurado, com os quais rapidamente fizemos piadas de mau gosto.

A estes, aos que nos produzem os frutos que saboreamos, não os podemos ignorar. Estão aqui e são um problema que se alimentou de um silêncio insuportável. Do nosso silêncio insuportável.

 

(imagem retirada daqui.)

23 de Abril: Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor

Zélia Parreira, 23.04.21

A lenda de S. Jorge e o dragão serve de mote às comemorações catalãs que motivaram a escolha deste dia como Dia Mundial do Livro. De acordo com tradição de Sant Jordi, é dia de oferecer rosas, vermelhas como o sangue do dragão, e livros. Eles oferecem rosas, elas oferecem livros.

Nenhum pretexto é fútil para oferecer um livro, por isso, esta é uma das mais belas tradições que eu adorava importar para Portugal.

Nesta data, em 1616, assinala-se também a morte de dois dos mais relevantes escritores universais: William Shakespeare e Miguel de Cervantes. No mesmo dia. Que grande coincidência! Demasiado grande, segundo nos informa o Professor Marco Neves, que cito: "Na verdade, os dois países tinham calendários diferentes e, embora a data fosse a mesma, os dois escritores morreram com duas semanas de diferença. A coincidência continua a ser espantosa — ou talvez nem por isso, se tivermos em conta que Cervantes, na verdade, morreu no dia 22 de Abril, embora o óbito só tenha sido registado no dia seguinte."

Com ou sem rosas, compre um livro hoje. Para oferecer a alguém ou para si. Várias livrarias oferecem descontos nesta data, aproveite. Dia mais lindo, não há!

 

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(Dia da festa de Sant Jordi, em Barcelona, num 23 de Abril de outro ano)