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Procure-se pelas melhores primeiras frases de livros e lá constará, com certeza, a frase inicial do The End of the Affair, do Graham Greene.
“A story has no beginning or end; arbitrarily one chooses that moment of experience from which to look back or from which to look ahead.”
Gosto deste começo, de me saber escritor, aqui também personagem, na decisão sobre o momento certo, o pretexto por onde começar, descobrindo afinal que somos uma extensão de momentos, sem princípio nem fim, porque a nossa história nunca começa ou acaba connosco, nem pode sequer ser lida de forma sequencial (o romance, precisamente, não é assim narrado). Esta percepção do tempo, apesar de me interessar muito, não é a razão pela qual escolho o The End of the Affair. Permitam-me que partilhe o parágrafo todo.
“A story has no beginning or end: arbitrarily one chooses that moment of experience from which to look back or from which, to look ahead. I say 'one chooses' with the inaccurate pride of a professional writer who - when he has been seriously noted at all - has been praised for his technical ability, but do I in fact of my own will choose that black wet January night on the Common, in 1946, the sight of Henry Miles slanting across the wide river of rain, or did these images choose me? It is convenient, it is correct according to the rules of my craft to begin just there, but if I had believed then in a God, I could also have believed in a hand, plucking at my elbow, a suggestion, 'Speak to him: he hasn't seen you yet.”
A razão pela qual escolho o The End of Affair está nesta continuação da primeira frase, a suspeição de que Alguém nos subtrai o livre arbítrio, se sobrepõe a nós nas nossas escolhas, ou pelo menos provoca as condições em que as fazemos. Terá sido Deus, mesmo um ateu se pergunta, a empurrar o protagonista para este momento inicial, para o primeiro diálogo, para o encontro com o marido da ex-amante? Foi Deus que me colocou aqui, neste país, nesta família, neste ambiente? E se o fez, porquê? E este é um tema que me interessa ainda mais.
Todo o livro nos confronta com esta omnipresença e omnipotência de Deus, de tal forma que o protagonista passa o tempo inteiro a querer provar justamente o contrário, que Ele não existe ou que, pelo menos, não exerce qualquer poder sobre ele, ainda que o apanhemos a rezar no final.
Neste sentido, há uma certa linha paralela com o Hazel Motes do Wise Blood, de outra escritora de que gosto muito, a Flannery O’Connor, nesta persistência em livrar-se de Deus, de uma autoridade que o anteceda e comande, sendo que aqui Deus exerce uma função rival, quase o antagonista sexual com quem Maurice compete por Sarah. Há por isso uma convicção de que Deus nos dificulta, nos perturba, sendo por isso mais fácil viver sem ele, mas há também uma noção de Deus enquanto nosso adversário, não apenas nosso arbítrio.
Volto várias vezes a este tema da nossa relação com Deus, quase sempre pela literatura, e talvez por isso goste tanto dos dois autores que refiro neste post. Não tenho por hábito partilhar reflexões demasiado pessoais na blogosfera, pelo que termino o post, sem sugestões, mas com a convicção de que há neste romance do Graham Greene um desenhar de combate que conheço muito bem.