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Delito de Opinião

As marés vão e vêm

Paulo Sousa, 21.05.25

Lembro-me bem da comédia que foi a geringonça para os socialistas. Então vocês não sabiam que o nosso regime é parlamentar? Não se vota para escolher o primeiro-ministro! Ah, vocês não sabiam! Mas pronto, agora já sabem. Cumprir as regras não escritas do regime? Para quê? O António Costa é que sabe andar nisto. Agora têm de amochar na oposição. É assim! Chama-se democracia. Embrulhem!

Escarnecer do adversário derrotado em democracia é muito mais civilizado do que o desmanche em postas em voga na Idade Média ou o fuzilamento como no caso da Fatah, mas as tradições de uma democracia decente devem ser respeitadas.

O apoucamento a que nos idos de 2015 a direita foi sujeita fez parte do jogo democrático, mas foi acrescido de uma taxa de arrogância razoavelmente elevada. Quantos dos que agora votaram Chega fazem parte dos que então tiveram de assistir à petulância dessa esquerda perante o montar da geringonça?

O algoritmo do Facebook de então ainda não o tinha tornado na rede social dos velhos. Lembro-me bem dos emojis sorridentes por todo o lado. O Passos para aqui, o Vítor Gaspar para ali, o escurinho até se portou bem, o irrevogável já foi, acabaram-se as maldades e a página da austeridade foi virada. Os resultados no estado dos serviços públicos e no estado do regime estão à vista

Não podemos despir ninguém da sua natureza humana, mas devíamo-nos lembrar que o pêndulo da história pode ser lento, mas é tão certo como a baixa-mar que se segue à maré cheia. Ventura e os seguidores da seita religiosa que fundou deviam lembrar-se disso. Importa saber perder, mas também é preciso saber ganhar, e isto não é exclusivo da política.

O espalhafato a que temos assistido nos últimos dias já está a render. Não sabemos quanto tempo durará a maré deles, mas lá chegará o dia em que os que agora escarnecem ficarão sem saber o que dizer às câmaras.

Confesso que também me alegrei com os afrontamentos do PS, não tanto pela menopausa em que parece ter entrado, mas pelo esbardalhamento do macho-alfismo que há muito exibiam - o wokismo que tanto proselitavam permite-me este jogo de palavras. É como se tivessem levantado voo no tempo de José Sócrates, conseguido fingir que iam em velocidade de cruzeiro com Costa e agora tivessem espetado os queixos no chão pela mão de Pedro Nuno Santos. Os resultados do dia 18, entre outras coisas, mostraram-nos que ripas a fingir que são tábuas nunca serão asas e as vacas nunca serão capazes de voar.

O caminho que o centrão agora enfrenta é muito estreito. Os erros acumulados durante décadas, em especial nos últimos anos, retirou-lhe qualquer margem de erro. Sem reformas substantivas e em prazo curto, tudo parece apontar para que o Chega venha a ser poder. Depois de Ventura mostrar que é tão incompetente como os outros e quão incapaz é o seu grupo parlamentar, rapidamente regressará à expressão que merece. Gostava de saber quem é que têm para preencher um Conselho de Ministros? É o tipo das malas para a Administração Interna? O Tânger Correia para os Negócios Estrangeiros? A Maria Vieira para a Cultura? O outro que angariava prostitutos menores on-line para a Educação? Espero estar enganado, mas cheira-me que aqueles que hoje batem com a mão no peito contra a privatização da RTP, um destes dias poderão ficar muito preocupados com o poder discricionário que o seu Conselho de Administração tem.

Esse dia chegando, o estrondo será inevitavelmente grande, mas já cá andamos vai para 900 anos e se já aguentámos (tivemos de aguentar por escolha de muitos) com José Sócrates, também aguentaremos com o “Escolhido por Deus para Salvar Portugal”. Livrar de isso coincidir com uma guerra.

E é assim que escolhem em quem votar

Paulo Sousa, 15.05.25

Uma amiga publicou no Facebook um artigo do Henrique Raposo que apouca André Ventura. Num dos comentários, surge um indignado com tal afronta e que, entre inúmeros outros alertas, afirma que “o país está à beira de daqui a 4 anos o Partido Eslâmico Português (que já está legalizado e estãoa trabalhar nesse sentido) ter a segunda maior bancada na assembleia da República”.

Deixou-me curioso e dei por mim a perguntar-lhe em que é que se baseava para poder dizer tal coisa. De imediato, garantiu-me que iria publicar um vídeo onde isso estava bem explicado. Como o tempo passou e vídeo não apareceu, achei que poderia ter sido uma troca de letras e respondi-lhe: “Não terá sido uma gafe? Talvez quisesse dizer “Partido Esmólico” porque o partido das esmolas, o PS, já tem a segunda bancada da AR...”

Continuo à espera de um esclarecimento.

O novo pároco da minha terra

Paulo Sousa, 12.05.25

Soube há dias que o pároco da minha terra ia mudar. Dada a há muito diagnosticada falta de padres, a Diocese de Leiria tem tentado ultrapassar esta limitação de várias formas. Já há uns anos que cada pároco deixou de estar atribuído exclusivamente a uma única paróquia. Isso eu já sabia. Mas confesso que fiquei surpreendido quando soube que alguns padres originários de latitudes longínquas prestavam os seus serviços também nesta zona do país. Assim, e desde há algumas semanas, o conjunto das três paróquias do Juncal, Pedreiras e Aljubarrota passará a ser servido por dois padres, um indiano e outro brasileiro.

Quando soube disso, e antes de qualquer outra consideração, saltou-me à ideia o conceito do retorno nos ciclos longos. Noutra época histórica, foram os portugueses, abundantes então em clérigos, evangelizar outras latitudes, sendo incapazes de imaginar que muitas gerações depois, quando fossem escassos de sacerdotes, de lá viria quem os acudisse em tais necessidades.

Entretanto, e já depois disso, travei conhecimento com o novo pároco que é indiano. O que foi atribuído a Aljubarrota é brasileiro.

O Pedro Correia já aqui tinha trazido uma reportagem da SIC sobre outros padres indianos que vêm para Portugal para terminar os seus estudos teológicos, mas o Padre Sebastien José já foi ordenado há mais de quinze anos e já esteve ao serviço em diferentes Dioceses do país. Pertence à Congregação missionária do Verbo Divino e tanto podia ter sido colocado em África ou na América Latina como acabou por ser colocado aqui.

Numa conversa informal disse-me que quando os portugueses chegaram ao subcontinente indiano, já lá existiam cristãos. Hã!! Como assim? Era capaz de teimar o contrário... É bem feito para não teres a mania que sabes bastantes coisas sobre vários assuntos! Vai buscar.

Contou-me que, na primeira diáspora cristã, o apóstolo São Tomé viajou até ao que agora conhecemos por Índia e por lá andou a converter os locais à sua fé. Como resultado disso, na actualidade existem apenas três templos cristãos construídos sobre o que se aceitou serem os túmulos de apóstolos de Jesus. Um em Roma, de São Pedro, outro em Santiago de Compostela (de São Tiago) e um outro em Chenai (de São Tomé). O Padre Sebastian é da região de Cochim, onde também existem vestígios dos portugueses do séc. XVI e seguintes.

À data da chegada dos portugueses à Índia, este culto cristão da Igreja de São Tomé obedecia ao Patriarcado do Oriente, também conhecido como Igreja Nestoriana. Era por isso independente de Roma ou de Constantinopla, e desde o Concílio de Éfeso, em 431, era considerada uma igreja herética. No séc. XVI, pela força da fé, acompanhada certamente pela força da pólvora e do chumbo, os portugueses conseguiram que alguns destes cristãos adoptassem o rito latino e reconhecessem a obediência papal. Alguns não aceitaram tal exigência, o que criou entre eles algumas divisões. Os dois principais grupos que resultaram desta cisão foram a Igreja Jacobita/Sírio Ortodoxa e a Igreja Sirio-Malabar, sendo que esta última mantém o rito siríaco mas obedece a Roma. Quem se quiser debruçar sobre detalhes históricos e teológicos destas igrejas de São Tomé encontrará informação sem fim.

Regressando ao relato do Padre Sebastien, depois de ter vindo para cá para aprender a língua de Camões, completou os seus estudos de Teologia na Universidade Católica em Lisboa. Retornou à Índia para ser ordenado sacerdote de acordo com seu rito e só depois se estabeleceu em Portugal onde, como disse, já está há uns anos.

Confesso que achei toda esta situação muito curiosa e interessante. O regresso a Portugal destes descendentes dos evangelizados pelos portugueses de outrora é como o fechar de um ciclo, e daqueles muito longos. Perante tal invulgaridade, não posso deixar de guardar tudo isto na prateleira cerebral que etiquetei como “a magia do mundo”.

"onde nem tudo tem de ser perfeito para ser bom"

Paulo Sousa, 02.05.25

Existe uma empresa familiar sediada em Alcobaça cujos sócios são norte-americanos e que se dedica à promoção nos EUA do destino Portugal como sítio para passar a reforma. Já tive contacto com a mesma e posso descrevê-los como competentes, sérios e profissionais. Por não se tratar de publicidade, não revelarei o seu nome.

O apagão do dia 28 foi um factor de ansiedade para os portugueses, mas também para os que nos escolheram como destino. Achei interessante a forma como explicaram aos seus seguidores nas redes sociais esta invulgaridade, pelo que a passo a partilhar:

Depois de uma rara queda da energia eléctrica, estamos felizes por dizer que estamos de regresso à normalidade! Quando estás habituado à vida noutro lugar, em momentos como este, ficar sem fornecimento de electricidade sem saber quando irá voltar, pode-se facilmente entrar em pânico. É a natureza humana. Mas aqui em Portugal a reacção foi completamente diferente. Sem pânico, sem drama. Os cafés ficaram abertos enquanto puderam e as pessoas verificavam como estavam os seus vizinhos. A maioria aproveitou a oportunidade para abrandar e aproveitar a luz do sol. Viver em Portugal significa habituar-se a um ritmo diferente, onde a comunidade importa, onde as pessoas olham umas pelas outras e onde nem tudo tem de ser perfeito para ser bom. Ontem recordamos novamente porque escolhemos construir uma vida aqui e porque continuamos a ajudar os outros a conseguir o mesmo.”

Uma sugestão ao BE

Paulo Sousa, 17.04.25

O Bloco de Esquerda, que para tudo procura culpados, para lhes apontar o dedo, para denunciar a sua perfídia e para, nunca esqueçamos, para exibir a sua própria virtude, pode desde ontem acrescentar um novo grupo como alvo do seu desprezo e até do seu ódio. Quando o assunto forem os elevados preços dos imóveis, para além dos vistos Gold, pode também acrescentar o efeito "filhinhos dos papás".

História totalmente ficcionada

Paulo Sousa, 15.04.25

Se tivesse veia de ficcionista, escreveria uma história passada à volta do Departamento de Obras Particulares de uma Câmara Municipal de média dimensão. Eu assumiria o papel de narrador. Sabia o percurso de cada uma das pessoas que ali trabalhava, as suas paixões, ambições, ilusões e desilusões. Para colorir uma personagem, acho que é da combinação entre as ilusões e as desilusões de cada uma, que surge o melhor efeito. A dinâmica dentro do Departamento seria também interessante e com potencial para uma história à volta das relações humanas, sem descuidar atenção ao facto de todos os envolvidos serem funcionário públicos.

É fácil de imaginar que, havendo vagar e vontade, a história ganharia vida própria e num de repente já íamos na página trezentos, ou mais. Garantem-me que when there are a will, there are a way, mas é muito mais fácil dizer, do que fazer. Por isso, essa história não irá avançar.

Mas, só para fazer o gosto ao dedo, imaginemos que nesse Departamento de Obras, uma arquitecta que lá trabalhava há uns bons anos, tinha, desde tenra idade, entendido que aquela quimera do homem essencialmente bom de Rousseau era uma treta. Acreditava muito mais na visão hobbesiana, de um mundo de gente egoísta, que vive permanentemente no “mata-mata”, que o popular filósofo brasileiro, Filipão Scolari, introduziu no jargão nacional. Por isso, não confiava em ninguém. Cada projecto que lhe chegasse à secretária, não passava de uma elaborada tentativa de alguém a tentar enganar. Com o empenho que colocava em cada processo, a Inspecção-Geral da Administração do Território nunca teria nada por onde pegar. Ela sim, poderia fazer reparos à falta de zelo do IGAT.

Quando, ainda tenrinha, ali começou a trabalhar, ouviu dizer que antigamente quando o Departamento achava que uma obra era feia e não a queria aprovar, o então Presidente da Câmara, que para além de ter voz grossa, era nortenho, entrava por ali a dentro a falar de rijo e a dizer palavrões. Quando enquanto alguém lhe tentava mostrar, por A mais B, como o projecto era horrível, ele abria a goela, subia a voz duas oitavas na escala diatónica, e com dois murros na secretária, arrumava o assunto. Mas isso, foi num tempo em que um Presidente da Câmara podia armar-se em defensor dos interesses dos manhosos dos munícipes. Agora a música tinha mudado. Nem era preciso deslocar-se à Secção, pois bastava o Presidente telefonar a perguntar como estava um determinado processo, que um técnico já podia fazer uma participação ao IGAT pelo condicionamento na forma tentada. Prevaricação de titular de cargo público, abuso de poder ou até mesmo corrupção, havia bastante por onde avançar. E ela também já tinha entendido que em toda a Secção, só havia um arquitecto que não ligava à política e todos os outros tinham votado no candidato autárquico derrotado. Aquele arrivista, Presidente de turno, até podia agradar a muitos papalvos, mas se elas apertassem um bocadinho a torneira na aprovação dos projectos, todo o município se iria arreliar com a Câmara e todas as energias negativas iriam acertar no Presidente. Estavam por isso numa posição “à prova de bomba”. Tomara a oposição poder atazanar assim o poder. Mesmo que alguns promotores de projectos lhe argumentassem que elas só estavam ali para fazer cumprir as leis e não para avaliar a estética, não ligavam. Ainda se riam.

Pelo caminho, deveria acrescentar uns episódios em que aquelas arquitectas trouxessem para a história as suas realidades. Uma mais velha, sentia que a vida, cada vez mais ágil, lhe fugia por entre os dedos, cada vez mais engelhados. Para a obra pudesse ser um romance de época, deveria fazer referência à pandemia. Nessa época tinham embirrado menos com os projectos e com os munícipes. Para começar, enquanto o confinamento durou, ninguém quis investir em imóveis. Depois, durante o tempo em que tudo tinha de andar com máscara, os fregueses desdentados pareciam mais dignos e os bonitos incomodavam muito menos. Foi um tempo que deixou saudades, parecia quase um sonho.

Há falta de casas? As casas estão muito caras, também porque os processos são muito demorados e perder tempo é perder dinheiro? Quero lá saber!, pensava. Podia ser demasiado frágil e submissa na vida pessoal, mas era satisfatório sentir-se entrincheirada entre as alíneas do RGEU, esse nobre regulamento do tempo do fascismo, que nem Abril, nem Bruxelas conseguiram domesticar. Era uma existência pequenina, é verdade. Ali sentada naquela sala escura e esconsa, mas sentia-se bem. Ali mandava ela. E não lhe venham falar da síndrome do pequeno poder ou de agressividade deslocada, que o número das denuncias ao IGAT é o que tem memorizado no telemóvel como número de emergência.

Imberbe, talvez incapaz, mas tudo isto é a mais pura das ficções.

Trumplundering

Paulo Sousa, 11.04.25

Dow Jones Trump.jpg

Talvez um dia no futuro seja possível entender tudo o que tem acontecido nos últimos dias à volta de Donald Trump. Se o plano do POTUS é deixar o mundo sem saber o que vai acontecer na próxima meia hora, então está a ser bem sucedido. Esta incerteza é tudo o que os mercados financeiros não gostam. Quando os investidores ficam nervosos, biliões mudam de mãos, alguns ganham e outros perdem.

O senso comum leva-nos a acreditar que quando os mercados descem, todos perdem. A realidade é outra. Mesmo para quem não conhece os instrumentos de cobertura de risco, mas já viu e se recorda do filme A queda de Wall Street (The Big Short) sabe como isso não é assim. Sem querer entrar em grandes detalhes técnicos, quando um investidor tradicional compra um título, de dívida ou de capital, com a expectativa de que venha a valer mais no futuro, está no que se descreve numa posição longa. A sofisticação dos mercados financeiros levou a que fossem criados instrumentos de cobertura de risco (que podemos comparar a um seguro) que permite ter ganhos se as cotações dos activos em causa caírem. Essa é a posição curta. É possível também explicar isso como se um investidor, convicto de que um activo irá descer, entrasse no mercado como vendedor ao preço desse momento, para mais tarde fechar a sua posição, comprando ao preço verificado após a queda. Mas mesmo com todos esses instrumentos, a incerteza é sempre inevitável. É impossível saber o que vai acontecer a seguir. Excepto para Donald Trump. Sabendo o que vai acontecer nos próximos momentos bolsistas, é possível ir mudando de posição curta para longa de modo a ganhar em qualquer cenário.

Great Time.jpg

Quando o membro da administração de uma empresa tira partido de informação privilegiada que detenha, fazendo compras ou vendas, antes de isso ser informação pública, está sujeito a pesadas penas de prisão efectiva. Resta saber se isso se aplica ao presidente. 

Como dizia no início, talvez tudo o que se tem passado nos últimos dias, e refiro-me às históricas amplitudes de descidas e subidas dos mercados financeiros, venha a ser revelado no futuro. O que é certo é que Trump, e os seus sequazes, podem ter tirado partido de todas estas manobras. Pode ser apenas mais uma teoria da conspiração, mas repito a pergunta que já fiz neste postal. Se fosse esse o seu propósito, o que é que Trump teria feito de diferente?

Os rankings das escolas*

Paulo Sousa, 08.04.25
Volta não volta, quase com a regularidade das andorinhas, somos confrontados com os resultados dos rankings das escolas. Existe quem sofra com os pólens primaveris, mas muitos mais são os que sofrem com a divulgação destas comparações. E é quem mais directamente está envolvido no ensino quem mais se incomoda com isso. É normal que quem fique embaraçado com os resultados comparativos do seu trabalho não o assuma, mas antes argumente contra o método em si. Os argumentos para se ser contra estes indicadores nunca se afastam da realidade social de onde são originários os respectivos alunos. Os filhos dos licenciados e de quem tem mais meios para pagar explicações são quase invariavelmente melhores do que os demais.

Mas graças aos rankings também conseguimos saber que existem escolas localizadas em áreas socialmente menos favorecidas, que conseguem contrariar a probabilidade de terem maus resultados. E é aí que reside a surpresa e é também aí que se revela a utilidade dos rankings. Não precisamos de rankings para saber quais as regiões desfavorecidas, mas sim para encontrar os bons exemplos. Com uma gestão objectiva, estes exemplos deveriam ser divulgados e copiados para repetir a fórmula noutras paragens.

A escola pública, com todas as suas virtudes e conquistas de que não duvidamos, sofre de vários empenos dos quais já deveria ter livrado há demasiados anos.

Um deles é a instabilidade do quadro docente. Não faz o mínimo sentido que um professor tenha de mudar de escola, e até de residência, todos os anos. Quem após muitos anos e muito esforço consegue finalmente a sua colocação não aceita que os que chegaram mais tarde à carreira sejam dispensados do mesmo tormento. É como uma praxe imposta por um DUX e funciona na mesma lógica das guildas medievais.

Outro grave empeno resulta da instrumentalização dos professores pelos seus sindicatos e pelas respectivas prioridades partidárias e ideológicas. Se fizermos uma recolha das vezes em que o ensino é notícia, é fácil de concluir que o “freguês” do ensino, os alunos, está longe de ser prioritário. Ora são as carreiras, ora os salários, ora os auxiliares, ora as greves, o que o ministro disse ou a resposta do sindicato. Os alunos, os seus interesses, queixas ou aspirações ficam em quarto ou quinto lugar, o que não deixa de ser perverso.

E termino com as seguintes perguntas, quão pública é uma escola pública, que a todos quer servir, que encolhe os ombros quando os seus alunos sentem necessidade de recorrer a explicações pagas fora do âmbito escolar? E como se pode justificar todo o investimento que o país faz na escola pública quando os alunos que não têm meios para pagar explicações acabam sempre por ficar em desvantagem?

 

*Publicado no Região de Cister

Hiperalgesia pós-anestésica

Paulo Sousa, 04.04.25

Impostos.png

Imagem ChatGPT

Os milionários que em Portugal trabalham por conta de outrem e que recebam mais do que o Salário Mínimo Nacional, sabem que a respectiva entidade patronal tem de lhe reter uma parcela do salário a título de adiantamento de imposto, e que é entregue depois pelo empregador às Finanças. Esta operação é chamada a Retenção na Fonte. No final de cada ciclo fiscal, é então aplicada a taxa de imposto e se o valor já adiantado for superior ao montante devido, a AT devolve-o ao contribuinte. Se, pelo contrário, as retenções acumuladas forem inferiores, o contribuinte terá de pagar o valor em falta.

Um professor de Fiscalidade explicou-me uma vez que quem inventou este método de cobrança foram os italianos. Para além das estradas pavimentadas, do betão, das cúpulas, dos aquedutos, do vidro soprado, do Direito Romano, das pizzas, do café expresso, do sistema de injecção Common Rail, e sem esquecer à Máfia, o Fascismo e, o pior de tudo, o Fiat Multipla, o incrível povo italiano inventou ainda esta maravilha que é a retenção na fonte. Tivesse sido inventada no norte da Europa, por um povo com menos jogo de rins e menos amante dos floreados linguísticos e o invento seria conhecido pela sua exacta função e chamar-se-ia Anestesia Fiscal. É até ternurento ver a alegria de alguns contribuintes quando recebem o reembolso do empréstimo de imposto que fazem ao Tesouro.

Este ano as taxas de IRS estão mais baixas e, por isso, na cobrança acumulada, a AT arrecadará menos IRS. Esta parte importa repetir. Os portugueses vão pagar menos IRS. Acontece que como durante alguns meses de 2024 a dita retenção na fonte foi inferior aos anos anteriores, os reembolsos em 2025 serão menores, nulos ou negativos, ou seja, contribuintes que habitualmente recebiam um reembolso, poderão ter de agora entregar imposto em falta.

Num país onde a iliteracia financeira não andasse a galope estendido, esta mudança seria apenas um não-assunto. Cá, dará pano para mangas. Para partidos que não se acanhem em tentar tirar benefícios políticos do desconhecimento dos contribuintes, será fácil usar este assunto como arma de arremesso político contra o governo. E fazer isso, não será intelectualmentente desonesto? Para a maior da oposição, e como estamos em Abril, isso será um outro nome para a Primavera.

Diz-me o melhor anestesista que conheço, o Chat GPT, que o nome clínico do período de tempo em que a anestesia perde o efeito é “fase de recuperação anestésica" e, acrescenta, quando a recuperação é acompanhada de dor intensa, designa-se por "hiperalgesia pós-anestésica". É nisso que estamos.

Qual o contrário de federar?

Paulo Sousa, 28.03.25

A Federação Portuguesa de Atletismo entrou há dias nas notícias, após ter inventado uma licença a ser cobrada a quem se inscrever em provas de atletismo. O saldo negativo com que têm fechado as contas nos últimos quatro anos justifica tal medida, dizem.

Esta nova “pagazana” (era isto o que a minha avó chamava a tudo o que não fosse uma compra e tivesse de ser pago) agitou a tribo do atletismo amador. Ninguém se incomoda com a existência da Federação, nem ninguém se deu ao trabalho de investigar a respectiva estrutura de custos, mas como sempre nestes organismos ditos sem fins lucrativos, em caso de dúvida (dívida neste caso) em vez de se consumir energias acumuladas, opta-se pelo mais fácil que é aumentar a absorção de energia.

Eu acho que o que a Federação deveria fazer, era apostar numa prática idêntica ao que se procura no próprio atletismo amador, consumir energias em excesso e de caminho ter uma vida mais saudável.

Soube de tudo isto por conta de uma tomada de posição de um evento meu vizinho. Já aqui escrevi sobre o Cross Laminha, a mais antiga prova de trail do nosso país, que longe de ser um evento de massas, daqueles que faz alterar o trânsito das grandes cidades, é para mim um exemplo do melhor que se pode fazer em prol do desporto, atraindo pessoas para a natureza, tudo simplesmente pela alegria de fazer coisas positivas. Por isso transponho aqui o comunicado da sua organização.

O evento Cross Laminha é a prova de Trail mais antiga de Portugal.
Somos uma Organização totalmente amadora nascida no ano 1999.
Todo o trabalho desenvolvido é voluntário, feito por várias pessoas em voluntariado.
O Cross Laminha tem das inscrições mais baratas, apenas o suficiente para cobrir as despesas organizativas do evento.
O evento Cross Laminha não oferece prémios monetários.
O Cross Laminha está limitado à participação de 300 participantes anualmente.
99% dos participantes do evento Cross Laminha são amadores, e destes, 90% são "não filiados".
O lucro do evento Cross Laminha é proveniente do apoio municipal e reverte totalmente para a igreja local.
O evento Cross Laminha dedica-se ao divertimento sadio de todos os seus participantes.
O evento Cross Laminha promove a prática da Corrida em meio florestal e fora de estrada.
O evento Cross Laminha limpa e promove a limpeza de trilhos na natureza, visando a prática desportiva da Corrida e caminhada nestes locais.
Por estes motivos, a Organização não se revê e não concorda com a posição da FPA, que "obriga" a uma taxa injusta e injustificada para quem apenas quer fazer da corrida um passatempo saudável.
Não sendo viável fazer o evento para apenas participantes filiados ou federados, que seriam entre 10 a 30 participantes, tomámos a seguinte decisão:
A manter-se a posição atual da FPA, que será prejudicial para o Atletismo amador português e para a esmagadora maioria das organizações, informamos que a edição do Cross Laminha 2026 não se realizará!
Sem participantes não existimos.
Obrigado pela compreensão

Cross Laminha.png

Geralmente afasto-me com a agilidade possível de tudo quanto sejam turbes, mas deste vez recomendo mesmo que se assine esta petição pela para a Revogação da Licença Obrigatória nas Competições de Atletismo.

À organização do Cross Laminha sugeria apenas que na imagem que adoptaram para este evento, fardassem o bode com o emblema da Federação que não federa.

E se as pensões em Portugal fossem geridas por um sucedâneo da dona Branca?

Paulo Sousa, 25.03.25

Charles Ponzi foi um vigarista italiano que ficou famoso por criar um esquema financeiro fraudulento. Nascido em 1882 na Itália, emigrou para os Estados Unidos no início do século XX. Em 1919, lançou um “modelo de negócio” que garantia o reembolso total do valor investido em 90 dias, continuando depois disso a gerar rendimentos. Em vez de investir o dinheiro, os fundos arrecadados aos novos "investidores" serviam para pagar os antigos, criando a ilusão de ser um negócio lucrativo. Não demorou muito até as autoridades descobrirem que ali não existia qualquer investimento, mas apenas uma fraude. Depois de condenado, Charles Ponzi foi preso e mais tarde deportado para a Itália. Ao longo dos anos, muitos casos idênticos foram surgindo, provando que é infinita a capacidade dos crédulos em serem enganados. Por cá, ficou bem conhecido o caso da senhora "muito séria" que dá o nome ao postal.

O sistema de financiamento das reformas em Portugal é designado como sendo contributivo, uma vez que as pensões dos reformados são financiadas pelas contribuições dos trabalhadores activos e assim como pelas respectivas entidades empregadoras. A alternativa seria um sistema de capitalização onde cada indivíduo acumularia uma poupança própria para a sua reforma. O modelo português depende por isso do que é designado por solidariedade intergeracional, uma vez que os trabalhadores actuais financiam as pensões dos aposentados, esperando que no futuro, as próximas gerações façam o mesmo.

Tal e qual como no esquema Ponzi, o sistema contributivo da Segurança Social em Portugal depende da entrada contínua de novos participantes para sustentar as reformas aos mais antigos. Tivéssemos nós uma pirâmide etária efectivamente em forma de pirâmide, ou seja com bastantes mais jovens do que idosos, e o Ponzi poderia respirar fundo durante muitos anos. Como isso não se verifica, não faltarão muitos anos até que o vigarista seja desmascarado.

Os mais crédulos poderão considerar como certas as garantias de António Costa em que a sustentabilidade da segurança social está assegurada por muitos e muitos anos. Mas apesar destas promessas, o Tribunal de Contas, no seu Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social apresentado em Dezembro de 2024, afirma que “a diferença entre as receitas futuras e responsabilidades futuras do sistema de pensões em Portugal é negativa em mais de 228 mil milhões de euros”.

De forma a adiar o dia em que o senhor Ponzi será desmascarado, é inevitável que a idade de reforma seja cada vez mais tardia e os rendimentos auferidos sejam cada vez menores. Segundo a Comissão Europeia, até 2045, os pensionistas portugueses passarão a receber menos da metade do seu último salário!

Este será o legado da geração que instituiu o actual regime aos já nascidos depois daquele dia inicial inteiro e limpo. Setenta anos depois de Abril, a miséria a que os reformados serão relegados envergonhará o país e, não duvido, abalará o regime.

É necessário reformar o sistema de pensões. Em 1999, a Suécia e a Polónia implementaram sistemas mistos, que combinam a vertente de contribuição e de capitalização. Existem outros exemplos internacionais, com diferentes combinações destas duas vertentes, mas antes disso é necessário enfrentar-se o problema e deixar de tratar os portugueses como crianças incapazes de entender a realidade.

Gostaria de ver este assunto debatido na próxima campanha eleitoral. O que pensa cada partido sobre a necessidade de reformar o sistema de pensões? Só se conseguem entender sobre a desagregação de freguesias?

Esse dia chegou. Foi ontem.

Paulo Sousa, 21.03.25

"No dia em que alguém seja violentamente atacado, ou morra, na sequência de um ataque de cães errantes, estaremos mais perto da pacificação que defendem.

Em 2021 terminei assim um postal aqui no DO. Infelizmente esse dia chegou. Foi ontem.

A lei que impossibilita abate de cães errantes levou a que os canis municipais estejam a abarrotar e a que os cães errantes sejam cada vez mais. Segundo o artigo do Observador, “um homem com cerca de 60 anos morreu nesta quinta-feira, após alegadamente ter sido atacado por cães errantes, em Nogueira da Regedoura, Santa Maria da Feira.

Como as leis que regulam a vida dos humanos nos obrigam a que nestes casos se recorra à palavra “alegadamente”, não irei incumprir e por isso afirmo que um cidadão português foi morto de forma cruel e violenta, alegadamente, em consequência da lei animalista que impede o abate de cães errantes.

O "sistema"

Paulo Sousa, 15.03.25

"Em pouco mais de um ano, dois governos caíram por suspeitas graves sobre a conduta do primeiro-ministro. Ora, essas suspeitas não resultaram de casos sem relação entre si. Os incidentes não são obviamente iguais, mas ambas as situações derivam do mesmo problema: a maneira como a classe política da actual democracia usa um Estado hipertrofiado para exercer um poder muito pouco democrático e extrair rendas em proveito pessoal. O que transparece nas operações Marquês, Tutti Frutti, Influencer e agora neste caso de Luís Montenegro não é a idiossincrasia desta ou daquela personagem, mas um “sistema”. É talvez mais claro agora que as reformas em Portugal, isto é, a liberalização da economia e a reestruturação do Estado e dos serviços públicos, não são apenas uma questão de equilíbrio e de eficiência, mas uma questão de democracia e de ética. O regime nunca deixará de sujar-se enquanto os políticos forem tentados a tirar partido das “influências” que o estatismo lhes dá. É essa, neste momento, a principal fonte da instabilidade política em Portugal."

 

Rui Ramos, Observador

Patrícios e Plebeus*

Paulo Sousa, 14.03.25

Há dias no site do Município de Alcobaça preenchi o formulário do Livro de Elogios, com o seguinte texto:

“É maravilhoso viver num município que exige 500€ pela ligação de uma casa de habitação à rede de águas e que envia a factura pelo correio sem nenhuma forma de pagamento alternativa que não exija uma ida presencial aos serviços municipalizados. O facto de o país e os portugueses terem de governar a vida trabalhando todos os dias da semana e de se depararem com esses mesmos serviços encerrados numa segunda-feira de carnaval será falha exclusiva do país que não tem o pedigree suficiente para alcançar a graça de ser funcionário público. Viva o funcionalismo, abaixo a ralé. Muito obrigado, Senhor Presidente.”

Agora mais calmo, reconheço que exagerei. Exagerei no valor que tenho a pagar, que não é de 500€ mas de apenas 479,70€. E exagerei igualmente quando escolhi o Presidente da Câmara como sendo o alvo deste elogio.

Dizem-me que o igual tratamento dos cidadãos perante a lei está plasmado na Constituição da República Portuguesa. Eu olho à minha volta e não vejo isso. Assume-se sem qualquer pudor, que os funcionários públicos podem alcançar a reforma mais cedo que os trabalhadores do privado; o conceito do Salário Mínimo Nacional tem igualmente um significado diferente, e mais favorável, para quem trabalha para o Estado; a ADSE funciona como um SNS Premium, os seus beneficiários argumentam que não, dizendo que têm de pagar por ele, mas eu insisto nisso pois estou excluído dessa possibilidade; as famigeradas 35 horas de trabalho por semana, em comparação com as 40 dos demais, também não deve ser esquecidas; a impossibilidade prática de despedimento é mais um peso sempre do mesmo lado da balança. Como se tudo isto fosse pouco desequilibrado, a tolerância de ponte no Carnaval, e outros feriados, são dias de descanso reservados aos “servidores públicos”. A tudo isto, o Município de Alcobaça acrescenta a segunda-feira gorda.

É nesta altura que me lembro da sociedade do Império Romano, em que os Patrícios e os Plebeus sabiam o que eram, aquilo a que tinham direito e o que nunca poderiam alcançar. Mas pelo menos assumiam-no sem se darem ao trabalho de fingir que todos somos iguais perante a lei.

De facto, exagerei no meu elogio, a culpa não é do senhor Presidente da Câmara de turno, mas apenas dos portugueses que mansamente aceitam tal cabresto.

Sobre a despesa cobrada pela ligação do contador da água, e como a casa será para colocar no mercado, a seu tempo tal custo será transferido para o comprador da mesma. As casas estão caras, não estão? Quanto do seu custo são alcavalas ferradas pelo Estado Português?

 

PS: Depois de terminado o texto, voltei a fazer as contas e com o pedido de orçamento e outras despesas de serviço o valor aproximou-se dos 520€.

 

* Publicado no jornal Região de Cister

Farto de tácticas

Paulo Sousa, 12.03.25

A crónica de uma queda do governo anunciada, concretizou-se ontem e foi custoso de ver.

Ao longo dos últimos dias temos assistido a manobras da mais pura, e crua, táctica política. É óbvio que política sem táctica não é política, mas quando a política se esgota na táctica, perde-se o propósito da política. Recorrendo a uma imagem futebolística, é como um jogo embrenhado em fintas que se esqueceu da baliza.

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Como é que os protagonistas de ontem conseguirão explicar ao país a necessidade de um novo processo eleitoral? Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país? Basta olhar para as mudanças que decorrem no concerto dos países, para que a questão anterior deva ser repetida. Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país?

Na conversa com um amigo, fui confrontado com uma forma alternativa de ver os principais partidos do regime. Segundo ele, funcionam como marcas diferentes detidas pelo mesmo dono. Existe uma aparente concorrência, mas que se destina a alargar a oferta e a alcançar mais mercado. Publicidade à parte, podemos constatar isso mesmo nas marcas automóveis da VW, Skoda e Seat, ou também da Peugeot e Citroen. Partilham infra-estruturas, motores, peças, projectos e até a rede de assistência. Os vendedores têm objectivos que os colocam em concorrência directa, mas o patrão é o mesmo. Eu discordei. Basta observar o que se passou nas primeiras décadas do regime, para ver como se defendiam coisas bastante diferentes, disse eu. Então e se olharmos para os anos mais recentes? Já fiquei com mais dificuldade em responder. As medidas que o PSD tomou neste curto mandato foram rigorosamente as mesmas que em condições idênticas o PS teria tomado. Como o Pedro Correia aqui bem trouxe à conversa, o Centrão quase que faz lembrar o Partido Republicano da Primeira República. Só eles é que podem governar.

O país precisa de reformas mas o Centrão, o dono das várias marcas do mercado, não quer reformas nenhumas. As campanhas publicitárias garantem-nos que essas várias marcas são todas muito diferentes e por isso estas são impossíveis. E é nessa altura que assistimos à quase unanimidade da recente aprovação na desagregação das freguesias. Em que é que ficamos? Afinal é só isso que os aproxima?

Muita coisa já foi dita sobre o deprimente espectáculo ontem transmitido a partir do Palácio de São Bento, mas não pude deixar de concordar que quando se insiste em que as Jotas devam ser a base de recrutamento para a vida política, acaba-se por transformar a Assembleia da República numa reunião para a Associação de Estudantes. Quando se exige que apenas políticos gerados em laboratório possam exercer cargos de responsabilidade, acabamos a ser governados por gente sem mundo e sem outra vida que não seja a das fintas e reviengas. Quando não se aceita pagar salários decentes aos nossos governantes, temos de nos contentar com as terceiras ou quartas escolhas do que de bom tem o país.

Mesmo tendo ficado ontem sem voz, ou sem pio, André Ventura sabe tudo isto e é isso que tem tentado explorar com relativo sucesso. No entanto, e para que pudesse alguma vez ser uma alternativa, o líder espiritual da seita religiosa em que o Chega se tornou sofre de um problema insanável. Não é a falta de ambição de um dia vir a ser ministro de qualquer coisa, nem que não saiba qual a finta mais vistosa para cada momento, mas apenas por não querer mudar o país. O que ele gostava era de um dia vir a dominar esse mesmo Centrão, que agora tanto critica. A sua abstenção na proposta da desagregação de novas freguesias pode parecer apenas um detalhe, mas tem um enorme significado. Para além disso, está enfermo daquele mal incurável da não-confiabilidade. A confiança pode demorar uma vida inteira a conquistar-se, mas como bem sabemos, pode esfumar-se numa fracção de segundo. Basta imaginar o que seria se Montenegro não tivesse proferido o famoso “não é não” e que, até ontem, éramos governados por uma coligação de direita. Ventura, constante e solidamente, fez do Chega um parceiro político tóxico, que serve para protestar, mas que não serve para resolver. E que se encolhe os ombros perante a proposta de criação de mais “tachos” autárquicos. Pode até vir a conseguir mais mandatos para a Assembleia da República, mas para os preencher terá de ir recrutar bandidos já presos e malucos já internados.

Por tudo isto, e ainda mais que a seu tempo poderei aqui trazer, nas próximas legislativas não irei votar estrategicamente. Tenho votado PSD devido ao chamado voto útil. Graças ao método de Hondt a democracia em Lisboa, e nos grandes círculos eleitorais, é diferente da do resto país. De forma a evitar a perda de votos não tenho votado na IL, mas desta vez essa será a minha escolha.

Precisamos de governantes com mundo, com maturidade, com uma ideia de país que ultrapasse aquelas lógicas que só quem cresceu e viveu a militar nas Jotas entende.

Por serem necessários resultados diferentes, desta vez não irei votar nos mesmos.