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Delito de Opinião

Segunda de manhã

Paulo Sousa, 06.06.23

Comecei a manhã de ontem antes das 8.

As encostas mais próximas do Parque Natural de Serra d’Aire e Candeeiros (PNSAC) são íngremes, especialmente para serem subidas de bicicleta. Ali, os nevoeiros são frequentes. O manto branco que ontem se abatia sobre o seu relevo, criava uma penumbra que abafava quase tudo. Quase tudo, excepto o grasnar dos corvos, que embora invisíveis, continuavam a ouvir-se. É um ambiente estranho, que não deixa de surpreender.

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Naquela sequência de trajecto, as antenas da Protecção Civil e o Arco da Memória são os pontos de passagem que se seguem. À memória vem a proverbial pergunta que já alguém colocou durante uma outra subida, porque é que raio não colocaram as antenas lá em baixo no vale?… visitávamo-las mais vezes.

Mais à frente fica o Arco da Memória, outrora marco divisório entre o termo de Porto de Mós e os Coutos de Alcobaça, já foi um distinto monumento feito num calcário branco que contrastava com a escura vegetação que o rodeia. Agora, não passa de um anão rodeado de gigantescas torres eólicas, que com elas trouxeram um largo estradão que quase o atropelou.

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Uns quilómetros mais adiante, começa a longa descida até aos Moleanos, povoação que vive entalada entre as gruas que retiram pedra, com o mesmo nome, do interior da serra e os camiões do IC2. Estes, que como formigas gigantes em fila, transportam várias vezes o seu peso em mercadorias, seguem em direcção às prateleiras onde nos abastecemos.

De seguida, já a acusar falta de combustível, parei no Restaurante “A Dulce”. O corpo aspirava pelo maior bolo de pastelaria da casa e por uma cafezada. Ali servem-se refeições, bifanas e demais acepipes. O dia gastronómico de quem trabalha por ali perto funciona à volta daquele espaço. A meio da manhã pára-se, para queimar um cigarro, beber uma bica e encher uma garrafa de água (a que vi era das pequenas) com um palmo de tinto, que segue dali para fora disfarçada dentro de uma algibeira. O conceito da economia circular já chegou aos recantos mais improváveis.

Folheei o Correio da Manhã que descansava no balcão. A secção de crimes nunca desilude. “Traficante em cadeira de rodas mata pianista por herança”. Bastava acrescentar-lhe um detective que fosse anão e celíaco e teria tudo para inspirar uma série vencedora na Netflix.

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De regresso à berma da estrada, comecei por procurar o cruzamento para a Ataíja, que fica junto ao antigo lagar de azeite dos Coutos de Alcobaça. Pelo caminho, lá estavam as senhoras que vêm cedo de Lisboa para ali pendurarem roupa colorida a secar. Já me disseram que, tal como nas praias com vigilância, há para ali uns códigos de cores, mas são reservados a entendidos.

Já com a chaminé de casa quase à vista, cruzei-me com um amigo que não via há uns anos. Falamos uns minutos. Disse-me que mudou de vida. Constituiu família e desfez-se de um negócio que tinha. Explicou-se que decidiu fazê-lo quando reparou que se tinham invertido os papéis. Era o negócio que o tinha a ele e esgotava-se a trabalhar só para o conseguir manter. Está feliz com a decisão.

Com esta volta terminada, depois de enxaguados os suores e da farda mudada, segui para um almoço marcado há bastante tempo com um grupo de amigos. A data foi escolhida com detalhe. Os 12 anos que nos distanciam da derrota eleitoral que livrou o país de Sócrates merecem sempre um dúzia de brindes. Um balão de CRF depois de almoço ajuda a distrair do facto dos portugueses não terem mandado os seus correligionários para um aterro sanitário. Raios partam a economia circular.

Pelas quotas étnico-raciais

Paulo Sousa, 31.05.23

Este episódio já descrito como miraculoso, que foi  descoberto no distante e rural Missouri, noutros tempos seria suficiente para uma beatificação meteórica, elevação de um templo e romagens devotas.

A incorruptibilidade de um corpo inumado não é coisa com que se brinque, ainda mais por se tratar da fundadora de uma congregação beneditina.

A diocese de Kansas City pede calma e orações aos fiéis. Há que dar tempo ao tempo.

A madre Cecília, actual superiora da congregação, afirma tratar-se da primeira afro-americana a ser encontrada incorrupta nos EUA.

Aguardam-se reações da vanguarda woke. Por cada dia a mais, que a Congregação das Causas dos Santos demore a elevar a Madre Wilhelmina, no mínimo a figura venerável, só confirma o poder do patriarcado (neste caso literal) que governa o Vaticano.

Vitaminas para o autoproclamado quarto pastorinho

Paulo Sousa, 30.05.23

Depois de, por afirmações de João Galamba (ministro que merece toda a confiança do PM), termos ficado a saber que o mesmo contactou o secretário de estado adjunto do PM para solicitar a intervenção do SIS, continuamos a aguardar pela confirmação disso mesmo por parte de António Costa ou por Mendonça Mendes. Esta dupla de governantes recusa-se ferreamente a qualquer declaração sobre este assunto.

Eu gostava de lhes perguntar o seguinte:

- Têm V.exas. consciência de que, ao optarem por não prestar explicações sobre a vossa actuação no já tão debatido episódio da intervenção do SIS estão a alimentar o desapontamento de quem quer acreditar nas instituições, de quem quer acreditar na responsabilidade política e na lisura de procedimentos, e dessa forma estão a promover as abordagens mais radicais que ameaçam a saúde da democracia?

Os símbolos da JMJ

Paulo Sousa, 26.05.23

Ontem, na sequência de um pedido impossível de não atender, acompanhei a chegada dos símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude à minha Freguesia.

Os símbolos estão circular por todo o país, diocese a diocese e quase paróquia a paróquia. Passamos pelo quartel dos Bombeiros Voluntários que, depois de uma bênção especialmente dedicada à época dos incêndios que se aproxima, os operacionais disponíveis escoltaram a pé a carrinha que transporta os referidos símbolos até à igreja matriz.

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Ali, estavam à espera alunos desde o pré-escolar até ao ensino secundário. Alguns, apenas para aproveitar a borla para faltar às aulas, a contar com esta, terá sido a primeira vez que entraram numa igreja. Nem todos, mas alguns. O ambiente era de festa. Muitas palmas com o hino das JMJ em loop sempre em altos decibéis, acompanhado pela coreografia comandada pelo Zé Luís, um empresário do ramo das telecomunicações que nestes dias cedeu à diocese a carrinha com que habitualmente transporta postes das linhas telefónicas.

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Soube de alguns pais que, avisados do evento, proibiram a escola de expor os seus resguardados filhos de tal tormento. Coitados, no futuro, num debate em que alguém queira falar sobre a importância do cristianismo na nossa cultura, no que designamos como ocidente, por desconhecimento, nem saberão o que dizer. E já nem falo dos símbolos do nosso país.

Os símbolos da JMJ, de que já aqui falei, são compostos por uma cruz de madeira, com quase quatro metros de altura, e por um ícone de Nossa Senhora, que parece ser de inspiração ortodoxa. Esta cruz específica foi construída de acordo com a vontade de João Paulo II em 1984 e, além de todos os países onde já se realizaram as JMJ, já visitou mais de 90 países e já foi tocada por milhões de pessoas. Eu próprio vi crianças, jovens e idosos, alegres, a querer tocar-lhe.

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Passamos também por três empresas que solicitaram que os símbolos por ali passassem. Em duas delas, a laboração foi interrompida para que os trabalhadores pudessem assistir ao breve evento.

Paramos ainda num lar de idosos, onde a passagem dos símbolos foi o motivo para interromperam as suas, imagino, monótonas rotinas.

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Em cada uma das paragens, o Padre António explicou brevemente o significado destes símbolos, fez uma pequena oração e repetiu que a cruz representa Cristo ressuscitado e por isso representa a paz. Em cada paragem, foram distribuídas bênçãos e, sem excepção, vi que atrás da caravana dos símbolos, deixamos pessoas satisfeitas e alegres.

Já sabemos a resposta

Paulo Sousa, 24.05.23

"O novo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito foi Secretário de Estado do PS.
A presidente do Conselho de Fiscalização das Secretas foi Ministra do PS.
O marido da Secretário Geral do SIRP foi Secretário de Estado do PS.
O governador do Banco de Portugal foi Ministro do PS.
O novo presidente do Tribunal Constitucional foi assessor de um Governo do PS.

Há alguém a fiscalizar o PS, que não seja do PS?"

Sebastião Bugalho, CNN

"Blogue da semana"

Paulo Sousa, 21.05.23

Um blogue não é um podcast. Será que faz sentido nesta rubrica de “blogue da semana” divulgar um podcast? Reconheço que à volta desta questão é possível lançar um debate, onde ninguém se atreverá a afirmar que são coisas idênticas.

Ambas se tocam na democratização do acesso à criação de conteúdos que poderão ter um acesso muito alargado. Desconhecendo o detalhe histórico dos podcast, tive conhecimento deles enquanto suporte digital complementar aos programas de rádio.

Desde que experimentei ouvir o primeiro que me tornei regular consumidor e desde logo entendi que estes acrescentavam um enorme alcance ao trabalho dos radialistas.

Pouco depois, descobri alguns podcast completamente desligados da radio, cada vez mais temáticos e dirigidos a nichos do público cada vez mais específicos.

Na actualidade da era da informação, da internet, dos telefones inteligentes, da comunicação total, sou um consumidor fiel e consistente de diversos podcast.

Por isso, dentro do espírito de liberdade do Delito de Opinião, atrevo-me a usar esta rubrica semanal para divulgar um podcast.

“A História repete-se” é um programa semanal feito por Henrique Monteiro e Lourenço Pereira Coutinho. No último episódio debruçaram-se sobre o Caminho de Santiago – “O apóstolo que pregou na Galiza: a história de Santiago e do seu caminho.” Recomendo.

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Verdade feita a martelo

Paulo Sousa, 19.05.23

Vivemos numa época frequentemente designada como de pós-verdade. Pouco a pouco, com o avançar dos anos, a verdade deixou de ser uma entidade objectiva e estanque para se tornar numa construção nunca terminada. Talvez a verdade nunca tenha sido absolutamente objectiva, mas a plasticidade que lhe tem sido imposta aproxima-nos assustadoramente de uma distopia orwelliana.

Recordando aquele dizer infantil em que se devolve uma acusação com um poderoso “quem o diz é quem o é!”, chegamos a um ponto que “quem afirma é que domina a narrativa”. Perante muitas afirmações em simultâneo, o vencedor será o mais convicto. E assim, ficamos reféns dos mais convictos manipuladores.

Na história do século XX encontramos vários momentos, sempre associados a regimes hediondos, em que a verdade esteve efectivamente sob coacção, em que foi torturada e despida, tendo as suas vestes sido usadas pelo entrudo da mentira. 

Ontem, na comissão de inquérito à TAP, assistimos a mais um episódio que encaixa na triste trajectória que caracteriza os tempos que vivemos.

 

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Foto Expresso

“Reconstruir a verdade dá trabalho”

João Galamba, 18 de Maio de 2023

Enquanto decorre a novela

Paulo Sousa, 18.05.23

A novela da CPI sobre a TAP vai batendo recordes de audiência. Mesmo quem não costuma acompanhar os assuntos políticos, anda pregado ao écran. Cá em casa, até já se sugere que se encomendem os serviços da Daenerys Targaryen, e de um dos seus dragões, para tratar deste governo.

Ao mesmo tempo, António Costa observa, silencioso e incógnito, os combates de vida e de morte entre diferentes membros do seu governo. O mote do mestre dos analgésicos é “doa a quem doer”, desde que não olhem para ele.

O ruído mediático é tanto, que facilmente passará despercebido os números divulgados sobre o SNS. O número de utentes sem médico de família aumentou 29% num ano.

A IL propôs uma alternativa ao colapso do actual SNS e os beneficiários da ADSE desataram-se a rir.

Imaginemos que as banais e frequentes análises ao sangue, realizadas por privados que competem entre si pelo serviço, dependiam também de um qualquer centro de saúde, ou hospital. Alguém acredita que receberia por email os resultados, meia-dúzia de horas depois da recolha de sangue? Agora imaginemos que o mesmo se aplicava a uma normal consulta médica.

O enquistamento ideológico das forças conservadoras não lhes permite imaginação para tal. Eles, os ditos humanistas, estão bem e os outros que se amanhem. Os números confirmam que Portugal é dos países onde a as despesas com saúde privada mais pesa no bolso das famílias, o que mostra como é deficiente o Serviço Nacional de Saúde e como se banalizou a lógica de que uma assistência médica eficaz depende da capacidade financeira.

Hoje, o walking dead Galamba vai ser ouvido na CPI sobre a TAP. Continua a novela e por isso esqueçamos as centenas de dias necessários para se conseguir uma consulta no SNS.

Quiz anti-capitalista

Paulo Sousa, 12.05.23

Um teste para os nossos prezados leitores. Quem disse esta frase?

“A economia liberal, que nos deu o supercapitalismo, a concorrência desenfreada, a amoralidade económica, o trabalho mercadoria, o desemprego de milhões de homens, já morreu.”

 

A – Vasco Gonçalves, 1976

B – Bernie Sanders, 2008

C – António Salazar, 1934

D – Josip Tito, 1948

E – Benito Mussolini, 1936

F – Joana Mortágua, 2011

A ameaça fascista

Paulo Sousa, 04.05.23

"Portugal caiu para nono lugar no ‘ranking’ mundial da liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e passou a liderar o grupo de 44 países com “uma situação satisfatória”, foi hoje anunciado.

Em 2022, Portugal ficou em sétimo lugar e no grupo de oito países com uma “situação muito boa” para a liberdade de imprensa.

Segundo a 21.ª edição do ‘ranking’ mundial da liberdade de imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), publicado hoje por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e com 180 países e territórios avaliados, este ano à frente de Portugal e no grupo de oito países numa situação muito boa para a liberdade de imprensa ficaram, por ordem decrescente, Noruega, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Países Baixos, Lituânia e Estónia."

Mais detalhes em +M

Ler os outros

Paulo Sousa, 02.05.23

António Barreto regressa ao espaço público com regularidade, onde acrescenta uma clareza de pensamento que aprecio escutar. No seu último artigo de opinião no Público, fala sobre várias aspectos da actualidade de que aqui partilho um excerto.

"Entre as fraquezas da democracia está a mais citada: é o regime de todos, incluindo os não democratas e os antidemocratas. Além desta, outras fragilidades mostram bem como, mais do que imperfeita, a democracia tem vícios, alimenta vícios e premeia vícios. O regime democrático inclui corruptos, mentirosos, exploradores, ladrões e os representantes das várias cáfilas conhecidas. A democracia coexiste ainda com cunhas, droga, machismo, assédio sexual e tráfico de influências. Muitos destes vícios e defeitos têm de ser tratados com civilização. Outros, com a Justiça e o Estado de direito. Quando estes últimos falham, perde a democracia.

Os últimos episódios “mediáticos” revelaram o papel crescente do partido Chega e os receios, igualmente crescentes, dos que se dizem defensores da democracia. E que talvez sejam, em título, pelo menos. Mas convém olhar melhor para este confronto que parece simples, mas não é. Na verdade, os provocadores do Chega, ridículos, mas eficazes, são tão perigosos quanto os prevaricadores do PS e do PSD. Os oportunistas do Chega são tão ameaçadores quanto os que não são capazes de gerir a democracia. Sem falar naqueles que se querem aproveitar da democracia."

O artigo na sua totalidade pode ser lido também no seu blog.

Ainda sobre a arbitrariedade do tipo disfarçado de árbitro

Paulo Sousa, 28.04.23

Depois da revelação e apagamento do vídeo sobre o qual já aqui escrevi, Augusto Santos Silva (ASS), Presidente da Assembleia da República em funções, acusou o toque e já anda à procura de alguém para crucificar. Tentou explicar-se dizendo que “o aconteceu foi uma violação gravíssima de direitos e liberdades individuais e desrespeito da AR com outros órgãos de soberania.”

Nas horas de aperto tem de haver sempre um culpado, pode ser o motorista ou senhor que envia emails. Os responsáveis nunca têm qualquer responsabilidade. Esses estão lá para receber os louros e as bajulações.

Este é um método da escola soviética, que se baseia no princípio de que o estado, ou o partido, nunca falha. Se alguma coisa corre mal, manda-se executar o traidor e nesse meio tempo a viúva já chegou à Sibéria. É um método que, temos de reconhecer, permite seguir em frente mesmo após às piores partidas urdidas pela realidade. E bem sabemos como a realidade pode ultrapassar a ficção.

ASS já ordenou a abertura de um processo de averiguações. As gravações e a respectiva divulgação de conversas feitas sem o conhecimento de um político são ilegais e, dirá ASS, profundamente ilegítimas. O aproveitamento político que se possa fazer desse tipo de registos é igualmente ilegítimo e revelador de uma absoluta falta de integridade política.

Hoje, o Miguel Pinheiro na Rádio Observador lembrou um episódio em que Vítor Gaspar foi filmado, sem que disso tivesse conhecimento, enquanto conversava informalmente, com o Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schubel.

Perante tal devassa da privacidade, o PS mostrou-se também profundamente indignado e recusou-se a comentar imagens captadas sem o conhecimento dos envolvidos.

Será mesmo que foi assim?

A arbitrariedade do tipo disfarçado de árbitro

Paulo Sousa, 27.04.23

Em jeito de rescaldo da agitada cerimónia do 25 de Abril, o canal do Parlamento transmitiu diversas imagens sobre o decorrer das mesmas. Numa delas ouvimos o Presidente da Assembleia da República a falar num círculo de outras figuras do regime, onde se inclui o Presidente Marcelo.

O teor e o modo da conversa de Santos Silva fez-me lembrar um daqueles espertalhões da escola, do café ou do emprego, que se gaba de um qualquer feito perante alguém que se pressupõe lhe ser adverso.

Não é descabido que sua função de PAR possa ser comparável à de um árbitro. Este caso mostra a sua vontade de entrar nas jogadas para favorecer uma das equipas. Entende-se que está satisfeito pelo seu desempenho. Comporta-se como quem relata, e repete o relato, da forma como acha ter sido o melhor jogador em campo. E foi tanta a sua parcialidade na partida que acabaram de jogar, que, conta ele satisfeito, um jogador da sua equipa favorita chegou ao ponto de o tentar acalmar: “Deixe estar, deixe estar.” E no balneário ecoam as risadas.

Num ambiente aberto, a conversa poderia servir para tentar avaliar a reacção dos demais e daí tentar entender o que é que realmente acharam sobre o seu desempenho, mas isso só seria possível num espaço onde críticas livres e francas fossem possíveis. Ali, essa lógica não existe. O seguidismo e a risada por imitação são a regra. Para o bem e para o mal, somos animais gregários.

No vídeo é possível ainda ver a leviandade com que distribui carimbos de “falta de integridade política” que, entretanto, quer corrigir para “falta de maturidade política”, a todos os que não são da sua equipa. Acredito que esse detalhe irá ser o filão que ele próprio e a imprensa irão explorar, o que disse ou não disse ou queria dizer. Cada uma das facções em que o PS vai dividindo o país, irá acreditar na versão que lhe for mais apelativa.

Numa tentativa de eliminar da memória dos que assistiram às imagens, já mandaram eliminar as imagens do canal do Parlamento. Certamente que os partidários do árbitro, que se gaba de ser parcial, irão dizer que uma conversa informal não deve transmitida, mas isso só sublinha o incómodo que, mesmo negando, sentem pela divulgação do ocorrido.

Os donos do regime estão rodeados de figurantes que imitam os cãezinhos que decoravam as chapeleiras dos automóveis dos anos setenta, que pachorramente acenavam a cabeça na direcção que a inércia lhe indicasse. Estão decadentes, velhos de espírito e comportam-se como caciques.

Mais do que um árbitro parcial, o que vi nestas imagens foram dois tipos (a conversa do PR também é enjoativa) que se comportam como quem confunde a pessoa que é, com a função que desempenha. Cada um deles, à sua maneira, sente que pertence à restrita elite que domina o estádio. Para além das homilias declamadas no seu púlpito, mostram-nos como é perene a natureza humana, como é inebriante a vaidade e, sem darem por isso, mostram-nos como é bela a democracia, que não retira humanidade aos seus actores, mas permite que, quando enjoados, os eleitores possam correr com os que acham ser o centro do universo.

Não há planeta B

Mas há burros no planeta

Paulo Sousa, 22.04.23

Talvez sensibilizados pela manifestação pelo clima que decorreu durante a cerimónia do 50º aniversário, o PS pôs a mão, não na manifestação, mas na consciência.

Urgia fazer algo mais para salvar o planeta. Até porque não existe um planeta B.

A ideia surgiu numa agitada sessão de brainstorming. Para além de ser uma boa ideia, pois obterá os resultados pretendidos e permitirá olharmos para o futuro com mais optimismo, tem as características necessárias para calar os críticos que sempre repetem a conversa de que este governo é incapaz de fazer reformas estruturais.

Assim, aqui vai:

A partir de 1 de Julho, os voos em jactos privados, com capacidade até 19 passageiros, passam a pagar uma taxa de carbono de 2 (dois euros) por passageiro.

Quem é que não é visionário?

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O umbigo do eleitor

Paulo Sousa, 20.04.23

Almocei há dias com um amigo que vive nos EUA. As conversas circularam por diferentes assuntos. Os que mais lhe interessam, e que o levaram a ir tentar a sorte fora daqui, são os negócios. Por cá não é de bom tom alguém se assumir como material e financeiramente ambicioso, mas esse não é o registo dele nem dos americanos. O optimismo corre nas veias dos empreendedores dos EUA.

Há uns tempos, numa visita que lhe fiz, reparei no detalhe da resposta habitual à coloquial pergunta “Como vais?/How are you?”. Na esmagadora maioria das vezes ouvi a resposta “Great!”, que não podia ser mais díspar do nosso tradicional “Vamos andando”. A diferença de atitude que estas duas respostas encerram é bem maior do que o Atlântico que nos separa.

Depois de esgotar a primeira ronda de assuntos, tornou-se inevitável abordar o tema Trump. Logo desatou a elencar todas as vantagens que quem tem negócios sentiu no seu mandato e de como agora, com Biden, se sente claramente a diferença e para pior. É do senso comum do círculo onde ele se desloca, associar-se o crescimento económico à diminuição do desemprego e por essa via espera-se, e verificou-se, uma diminuição da criminalidade. Pelo contrário, explicou-me, os apoios sociais distribuídos pelos democratas estão por de trás do aumento do desemprego e, simetricamente, do crime.

Quando lhe falei no assalto ao Capitólio, que em muito pouco se distinguiu de uma tentativa de golpe de estado, e na gravidade que isso encerra numa democracia, fez uma pequena pausa, e logo regressou ao relambório do crescimento económico.

Dei por mim a pensar como é que tanta gente faz por desprezar questões de princípio nas suas escolhas eleitorais, preferindo centrar-se nos seus interesses materiais.

Nesta conversa com este meu amigo emigrado nos EUA, senti que ao falar-lhe do assalto ao Capitólio, tive a mesma reacção que teria de um eleitor socialista se lhe lembrasse todos os escândalos do PS, o nepotismo, a endogamia, a tomada do estado pelo partido, o consulado do engenheiro Sócrates, a terceira insolvência, os incêndios de 2017, a TAP, a Efacec, os emails para as embaixadas, o financiamento do partido via contratos com Joaquim Morão e tantos e tantos outros. Engolem igualmente em seco, abdicam de decência democrática e a escapatória da conversa passa sempre pelo seu respectivo umbigo.

Setas amarelas até Santiago

Paulo Sousa, 13.04.23

Uns dias antes da Páscoa, com um amigo, deslocamo-nos até Coimbra onde iniciamos uma ida de bicicleta até Santiago de Compostela. Era um projecto antigo que só agora conseguimos concretizar. Para chegar até à Praça de Obradoiro foi necessário pedalarmos um pouco mais de 400 quilómetros, durante um acumulado de quase 30 horas, distribuídas por cinco etapas, no final das quais pernoitamos nos albergues de peregrinos de Albergaria-a-Velha, Porto, Ponte de Lima, Redondela e finalmente Santiago de Compostela.

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Podia aqui começar a desenrolar detalhes histórico-culturais deste caminho, classificado como património imaterial da humanidade, mas esse não é o propósito do postal. Para os interessados sobre o Caminho, existe muita informação disponível por essa internet fora. Basta procurar.

Sendo difícil escolher o que merece ser escrito e por que ordem, aqui falarei principalmente de algumas das pessoas com que me cruzei.

Antes de mais não posso deixar de sublinhar o respeito pela atitude do meu companheiro desta viagem. O João tem 67 anos, está reformado há pouco tempo e apesar de uma queda dois dias antes da partida, que lhe acrescentou três pontos no nariz, escoriações várias e uma dor na cervical, não cedeu e cumpriu com o objectivo a que se tinha proposto. Sem surpresas, foi uma excelente companhia para as muitas horas de conversa que partilhamos. Que venham mais quilómetros para rolarmos juntos. Continência ao gajo.

Dito isto, e recuando um pouco até à preparação da viagem, logo que contactei com o primeiro albergue para saber da disponibilidade e da necessidade de reserva, tropecei no título de “hospitaleiro” que é atribuído a quem toma conta de cada um dos espaços que fazem parte da rede de albergues de peregrinos. Além de uma qualquer formação exigida, destaco o efectivo sentido da palavra “hospitaleiro”. Cada qual à sua maneira, os “hospitaleiros” com quem nos cruzamos incorporam o serviço prestado a quem por ali passa. Nos idos medievais, quando o Caminho foi instituído, as necessidades dos peregrinos não seriam rigorosamente as mesmas, mas arrisco-me a dizer que o seu sentido de serviço, de querer dar sem nada esperar, se manteve ao longo do tempo. Nós e todos os que por ali pernoitam, sentem e têm a percepção disso.

Após uma recomendação recebida no Albergue do Porto, tentei fazer uma reserva num albergue que, não pertencendo à rede oficial, é gerido por alguém totalmente identificado com a hospitalidade e com o espírito do Caminho. Refiro-me à Casa da Fernanda no lugar do Corgo, freguesia de Vitorino de Pião. A lotação é reduzida, mas a hospitalidade é tremenda. Pelo telefone a Fernanda, dona não é para aqui chamada, disse-nos que estava lotada, mas que ficava a contar com a nossa paragem para trocarmos um dedo de conversa e para nos oferecer um copo de vinho verde. Acabou por ser mais do que um dedo de conversa e também mais do que um copo (ou taça) de vinho. A origem dos hóspedes que ali encontramos era muito diversa e a língua portuguesa era apenas uma de entre várias que por ali se ouviam. Sem dúvida, foi um dos momentos do Caminho a recordar.

E aqui tenho de acrescentar a referência à surpreendente diversidade da origem dos peregrinos. À entrada do Albergue de Ponte de Lima estavam afixados os dados estatísticos relativos ao ano de 2022 onde se pode confirmar que por ali passaram peregrinos oriundos de 57 países diferente, sendo alguns verdadeiras surpresas. Marrocos, Líbano, Irão, Egipto, Turquia, Indonésia, Malásia, Israel e Japão, países onde o cristianismo, sobre o qual assenta o Caminho, não é maioritário, confirmam também as dimensões cultural, histórica, paisagística e também vínico-gastronómica, que se podem extrair desta experiência.

Recordo-me do professor italiano com quem jantámos em Albergaria-a-Velha. Falámos das invulgarmente longevas fronteiras portuguesas, do ensino primário como fábrica de produzir italianos (dada a diversidade de dialectos aquando da reunificação), do motivo não colorido que justifica chamar verde a um vinho que pode ser branco, tinto ou rosé e também da revolução alimentar que a introdução da cultura do milho motivou e não se pode desligar dessa explicação. Ele tinha começado o Caminho em Lisboa e contava demorar duas semanas para o terminar.

No albergue do Porto jantámos e conversámos com uma estudante universitária brasileira, ali voluntária, e que um dia também irá fazer o Caminho. A conversa alargou-se, e a nós juntou-se uma italiana que tinha vivido no Brasil e que por isso não nos obrigou a mudar de idioma. Falamos da Giorgia Meloni, de Bolsonaro e Lula, das invasões Francesas, da fuga da Família Real para o Brasil e de como isso pode explicar a sua tão precoce independência. Esta italiana já tinha feito também o Caminho Francês que lhe exigiu quase um mês. Falámos também da muito afamada e difícil passagem pela Serra da Labruja, que nos esperava logo depois de Ponte de Lima e de como o Caminho pode ser uma metáfora da vida, pois todos nos deparamos com muitas Serras da Labruja no nosso dia-a-dia.

Em cada cruzamento há sempre uma seta amarela a apontar a direcção certa e todos nos saudamos com o cumprimento  "buen camino".

Com o acumular dos quilómetros, com as inúmeras subidas e descidas, as etapas, as estórias, as pessoas com que nos cruzamos, é improvável aproximar-se de Santiago de Compostela sem sentir um crescendo emocional. Isso também aconteceu connosco. Nos metros finais, as muitas horas de conversa esgotaram-se e ficámos quase sem saber o que dizer.

Pôr os pés ao Caminho é o oposto a ficar resignado, ou reduzido, ao conforto do sofá. O Caminho exige entrega e disponibilidade, física e mental. Cada um dar-lhe-á o significado que entenda, mas ninguém o poderá fazer com indiferença, nem regressará dele igual ao que partiu.

A resposta é sempre a mesma

Paulo Sousa, 06.04.23

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É aceitável deixar mais de duzentas pessoas penduradas em Maputo, como resultado de um voo adiado por motivos políticos?

É aceitável acabar com as PPP na saúde, mesmo sabendo que nesse modelo de gestão se consegue prestar melhor assistência aos cidadãos e com menor custo para o contribuinte?

É aceitável empurrar, sem qualquer planeamento, o SEF para um limbo de incapacidade apenas para tentar defender um ministro de uma situação indefensável? 

É aceitável consumir 1/3 do orçamento do Ministério da Educação para salvar uma empresa “estratégica” (as caravelas do Sec. XXI !!) para que, logo depois de se saber que esse valor foi perdido para sempre, se opte pela sua re-privatização?

É aceitável virar portugueses contra portugueses, inventando culpados para tudo o que corre mal, mesmo tendo governado em 70% do tempo desde 1995? Os culpados vão variando ao longo do tempo. Podem ser os turistas, o alojamento local, os senhorios, os supermercados, as empresas ou os partidos que não estão no poder.

É aceitável atacar as escolas com contrato de associação, dizendo defender a ”escola pública”, quando se tem os filhos no Colégio Alemão?

É aceitável anunciar grandes dotações orçamentais para tudo e mais um par de botas, para depois, além de não cumprir com o prometido, se recuar para os valores de há muitos anos atrás?

É aceitável que membros do governo se reúnam para combinar estratégias com Oliveira e Costa, Dias Loureiro, João Rendeiro ou Ricardo Salgado, na véspera destes terem sido inquiridos em comissão parlamentar de inquérito? (A reunião com Christine Ourmières-Widener é em tudo comparável a estes meus exemplos).

A resposta é sempre a mesma:

- Se isso for do interesse do PS, é óbvio que sim. Os interesses dos portugueses e o asseio democrático são variáveis que não pertencem à equação do poder do actual PS.

Deixei muitas outras perguntas por fazer. Alguém me pode ajudar a completar o postal?