Desigualdades da pandemia
Os trabalhos precários foram os primeiros a ser extintos, começa a falar-se de fome. Os que tinham posições bem remuneradas continuam a ter empregos bem pagos, os outros vão passar dificuldades. Na desigualdade da pandemia, há dados sobre o que se passa na América e não deve ser diferente da nossa realidade. Sabe-se que muitas pessoas deixaram de conseguir pagar comida, rendas, escola ou contas de electricidade. Em contraste, os milionários que se confinaram nas suas fortalezas enriqueceram, pois desta vez a crise não atingiu a riqueza em bolsa. A massa salarial total anterior à pandemia ficou mais ou menos na mesma, mas o número de desempregados aumentou em sete milhões (chegaram a ser mais 18 milhões nos EUA). Ao mesmo tempo, entre Março e Outubro, os 644 bilionários americanos enriqueceram 931 mil milhões de dólares, mais um terço do que tinham. Sozinho, Jeff Bezos ganhou 90 mil milhões com esta crise, quase metade do PIB português. Em resumo, está a decorrer uma gigantesca transferência de riqueza, semelhante à que ocorreu após a crise de 2008, mas muito mais rápida. Isto soma-se a um processo profundo e inquietante. Entre 1940 e 1970, nos EUA, houve um paralelismo exacto entre os aumentos de produtividade e o aumento dos salários. Depois, começou uma estranha divergência. Entre 1979 e 2018, a produtividade americana cresceu 69,6%, mas os salários apenas 11,6%. Esta parece ser a origem do descontentamento contemporâneo e a notícia é que vem aí uma nova vaga: o mundo está a partir-se entre confinados e desconfinados, entre consumo de luxo e consumo intermitente, entre os que têm voz e os que não têm.