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Delito de Opinião

O resumo da conferência de Munique

João Pedro Pimenta, 17.02.25

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Uma das fotos oficiais da Conferência de Munique: o representante da potência anglo-saxónica apazigua a potência ameaçadora de leste, clamando uma "paz duradoura", não se importando muito que aquela ocupe alguns territórios que não lhe pertencem, e trocando algumas impressões com o líder da extrema-direita alemã.

Só não sei precisar se a foto é de 1938 ou 2025.

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 16.02.25

Um dos melhores guias na blogoesfera em língua portuguesa para darmos uma volta por Espanha vem curiosamente de um brasileiro há muito a viver no país vizinho, Roberto Antunes de Paiva, que há quase dez anos descreve as suas voltas pelas muitas Espanhas - julgo que só faltarão as Canárias. Monumentos, costumes, arquitectura, gastronomia e um pouco de tudo o que de bom vem do país ao lado, contrariamente aos ventos e casamentos, pode ser encontrado aqui.

Um brasileiro na Espanha é o blogue da semana.

O precavido Camilo

João Pedro Pimenta, 13.01.25

O meu confrade JPT, num artigo que se aconselha, sobre a ida - e a cerimónia - de Eça para o Panteão Nacional, exprime no último parágrafo o receio de que Camilo Castelo Branco, ao completarem-se duzentos anos do nascimento, poss sofrer igual sorte. Mas desse destino está o autor de A Queda de Um Anjo a salvo. Por sua expressa e perpétua vontade (antes de se matar?), repousa no Cemitério da Lapa, no Porto, perto da escola onde Ramalho instruiu Eça e o coração de D. Pedro está guardado, sem receio de que o venham incomodar. Não fosse isto e já teria andado em bolandas entre o Porto, Samardã, Seide e o tal Panteão de Santa Engrácia, a não ser que os descendentes e órgãos deliberativos actuais sejam de tal forma insensíveis que não hesitem em violar esta sua vontade sagrada. É pouco provável, mas não impossível, se houver quem ligue mais aos restos mortais como "património cultural da nação" do que como pessoas (s)em carne e osso.

Pode ser uma imagem de monumento

Pode ser uma imagem de monumento e a texto que diz "Jazigo da Familia Freitas Fortuna, séc. XIX Capela com catacumbas, ao estilo neoclássico e com carneiro ao ar livre. Aqui repousam os restos mortais do escritor portugués Camilo Castelo Branco (1825-1890) 1825- Foi com seu fiel amigo, João António de Freitas Fortuna, que autor de Amor de Perdição partilhouo o desejo de ser aqui sepultado, implorando-lhe que nenhuma força ou consideração 0 demovesse de conservar nesta capela, ad perpetuam, as suas cinzas. A morte emenda todos os atos da vida. Camilo Castelo Branco"

Glória póstuma

João Pedro Pimenta, 31.12.24

O fenómeno é curioso, mas já sobejamente conhecido: José Pinhal, cantor romântico de "música de baile", usando normalmente um fato branco, um bigode afirmativo e um penteado à Rudi Voeller, frequentador dos circuitos musicais sobretudo no Norte do país, despareceu num acidente viário com pouco mais de 40 anos e ficou esquecido alguns anos até as suas cassetes serem encontradas no escritório do seu agente, digitalizadas e depois colocadas no Youtube, onde se começou a gerar um pequeno culto. Surgiu um grupo de tributo para recriar em palco as suas músicas, o José Pinhal Post -Mortem Experience, e desde então Pinhal conheceu postumamente a popularidade de que nunca gozou em vida, sendo mesmo objecto de um artigo do Guardian

Celebridade após a morte: o obscuro cantor popular português que é notícia  em Inglaterra – NiT

Vi a banda-tributo há meses, por alturas dos Santos Populares. Uma enorme multidão cantava de cor as músicas, para mim até então quase desconhecidas, transformando Pinhal numa autêntica estrela pop de além-túmulo e os músicos ali presentes nos seus mensageiros. Aí consegui ver o verdadeiro fenómeno em que se tornou este músico pouco conhecido no seu tempo e fora de moda para os parâmetros actuais e o culto que se gerou. Nos meses seguintes tornei a ouvir as músicas e a ver gente a trauteá-las de cor e salteado, sobretudo da meia-idade para baixo.

Toda essa descoberta inevitavelmente levou-me a pensar: e se Pinhal tivesse sobrevivido? Teria continuado nos seus circuitos de baile e ficado meramente conhecido nas festas de verão e em algumas danceterias (sim, ainda as há), com algumas cassetes editadas, daquelas que se vendem nas roulottes? Ou teria aproveitado a onda "pimba" que se gerou depois e alcançado o sucesso, sendo chamado regularmente para programas de tarde de fim de semana da TVI e SIC? Não tenho a menor dúvida de que não teria o êxito actual, sobretudo entre os mais novos. A sua morte, o seu relativo desconhecimento em vida, a descoberta do seu espólio e o crescimento paulatino da sua música criaram este culto, o de um homem que não conheceu a fama em vida e que por vicissitudes várias se tornou famoso postumamente. Não é caso único, o de encontrar sucesso muito tempo após a morte (e recorda também um pouco o de Sixto Rodriguez, que o teve em vida mas ainda a tempo de o saber), mas falamos de um conjunto de factores que permitiram que um homem relativamente desconhecido, com imagem ultrapassada e música fora de época gerasse este fenómeno de popularidade. Para isso permitiu também um certo revivalismo dos anos oitenta e noventa e o crescente interesse e consumo de música portuguesa, aliados a algumas tendências hipsters (também elas agora um pouco em baixo). Mas não haja a menor dúvida: a morte de José Pinhal, desencadeando todos estes passos, é que lhe deu o passaporte para a glória póstuma. Paz à sua alma, que a obra não a tem e continua a circular por esses palcos fora. 

 

Bom 2025 a todos. O possível.

Notre Dame de Paris

João Pedro Pimenta, 10.12.24
A look at 5 years of restoration work at Notre Dame cathedral in Paris
 
 
A restored Notre Dame cathedral is unveiled days before its official  reopening : NPR
 
Uma semana depois das autoridades e dos trabalhadores a poderem visitar, o interior da Catedral de Notre Dame reabriu, enfim, em dia da Imaculada Conceição, e voltou a rezar-se missa. Cinco anos depois do incêndio que quase a consumiu, a "igreja mãe dos franceses" está mais sólida do que nunca, reconstituindo-se sem concretizar alguns projectos inovadores mais duvidosos, (felizmente).
 
 
Este momento tão simbólico e grandioso acontece numa semana em que o governo de França caiu e desencadeou nova crise política, agravando a orçamental e financeira. A fuga para a frente de Macron levou a que a Assembleia Nacional ficasse espartilhada entre um bloco de esquerda que vai desde anticapitalistas declarados a socialistas de centro-esquerda, com a tutela dessa mistura de Robespierre com Mitterand que é  Mélenchon, um de direita radical (outra amálgama de desiludidos da política, neo-pétainistas inconfessos, legitimistas fora de prazo, ex-esquerdistas desesperados e gaulistas "contratados"), o que resta da direita tradiconal e o próprio bloco de centro macronista. Um governo que levou dois meses a formar-se durou apenas três e o seu chumbo, bem como do orçamento obrigatoriamente austeritário mergulha a França numa crise financeira.
 
Mas isto é uma reprodução fiel da personalidade de França: um país que quando atravessa graves crises consegue sempre reinventar-se e dar a volta por cima. Apesar de problemas internos, só este ano organizou uns Jogos Olímpicos, uma das maiores montras de tudo o que quer ser potência, e reabriu a catedral da capital, não por acaso conhecida em todo o mundo. Um pouco como depois da humilhante derrota na guerra Franco-Prussiana e da revolta da Comuna, em que em poucos anos pagou-se a dívida de guerra, reconstruíram-se os edifícios destruídos pelos communards (excepto as Tuilleries) e ainda se organizou uma enorme feira mundial, para dar conta da pujança do país, ou como a Paris do pós-II Guerra, em austeridade e carência, voltou a ser o farol para meia intelectualidade mundial.
 
Aquando do rescaldo do incêndio, Macron prometeu que em 5 anos a catedral estaria reaberta. Passaram-se 5 anos e meio e eis a promessa concretizada, com empenho político e o grande trabalho de engenheiros, operários, artesãos e todos os trabalhadores que contribuíram para este dia. E penso naqueles que, ao anoitecer daquele dia de Abril em que as chamas ameaçavam destruir Notre Dame, oravam e rezavam nas margens do Sena. As suas preces foram atendidas.
 
PS: compareceram inúmeros chefes de estado e de governo na cerimónia. O Papa mandou saber que não poderia ir, a única verdadeira nota dissonante. Portugal estava representado pela Secretária de Estado da Cultura. Um tal acontecimento numa das cidades com mais portugueses e luso-descendentes não mereceria representação de mais altas instâncias?
 

O fim de um regime que já ninguém apoiava

João Pedro Pimenta, 09.12.24

Ontem os rebeldes sírios tinham tomado Homs e estavam literamente, na "estrada de Damasco". Hoje acorda-se com a notícia da tomada da capital, quase sem resistência, e com a queda do regime e fuga do clã Assad e estado maior (tiveram mais sorte que Saddam e Kadhafi). De há uns anos para cá ficou a ideia de que o regime baathista/assadista tinha ganho a guerra e dominado os seus inimigos, pelo menos em boa parte do país. Em poucas semanas o jogo virou e o regime caiu. O que vem aí pode não ser bom; o que acabou não era de certeza absoluta.

Mas isto serviu para uns tira-teimas: o regime de Assad, que muitos garantiam ser imensamento apoiado pelo povo sírio, caiu quase sem ninguém que o defendesse. Viu-se o "apoio popular": uma enorme farsa, mantida pela violência. Só era sustentado pela ajuda iraniana e pelo Hezbollah, que severamente macerados por Israel não lhe puderam agora acudir, e pela Rússia, que virada totalmente para a guerra na Ucrânia também se viu impotente. É a confirmação de que a Rússia, como já se tinha visto ao falhar à Arménia pelo Nagorno Karabakh, não tem capacidades reais para acudir em vários tabuleiros e que é uma potência com pés de barro. Aliás, depois dessa guerra com a Arménia (que por causa disso se virou para ocidente), é o segundo triunfo dos proxys da Turquia sobre os da Rússia.

Os turcos são os grandes vencedores do momento, mas Israel também colhe os louros. O Irão e a Rússia são os grandes derrotados. Veremos o que ganhará ou perderá o Ocidente, já que os curdos, que apoiam, serão com certeza hostilizados pelos pró-turcos, apesar de também eles terem conquistado território e material militar.

Tudo isto, curiosamente, num dia de grande significado para a França, antiga potência administrativa da Síria. Fica-se com a dúvida se o pais se manterá ou se é mesmo para dividir, como aliás era o plano em 1920.

Pode ser uma ilustração de 1 pessoa e a texto

Um rei debruçado sobre a lama

João Pedro Pimenta, 05.11.24
Ainda sobre a recepção violenta às autoridades espanholas em Valência, parece claro que se deveu sobretudo aos membros do governo regional e a Pedro Sánchez. Seria ridículo assacar culpas aos soberanos que não têm a tutela da protecção civil e que estavam lá a prestar solidariedade.
 
Mas pelo arremesso de algumas pedras e lama, houve certamente reacções dirigidas ao Rei e à Rainha. Não é de espantar assim tanto. Naquele desespero, naquela impotência de se acudir aos vivos e desenterrar os mortos da lama, qualquer vislumbre de autoridade pode transformar-se no bode expiatório das desgraças à vista. Acresce que em Espanha há alguns elementos anti-monárquicos profundamente radicais, cuja motivação ideológica (ou niilista) transcende a do desespero do momento. É bem possível que lhes tenha dado para a selvajaria, ao ver ali o objecto máximo do seu ódio.
 
Certo é que Sánchez e o presidente do governo regional se puseram a andar, talvez para ruminarem as suas rivalidades partidárias, e Filipe e Letizia ficaram, cumprindo o seu dever como soberanos: consolando as vítimas e representando o Estado e a solidariedade do povo espanhol para com elas, também visível pelos milhares de voluntários que para lá se deslocaram, muitas vezes antes da própria ajuda estadual.
 

La prensa monárquica europea se pronuncia sobre la visita de los Reyes a  Paiporta: este es su veredicto

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 27.10.24

Um blogue discreto e inconstante, este, mas que até por isso apetece vasculhar. Ainda que de longe, na sua carreira jurídica pós-universitária em paragens anglo-saxónicas, Joana Ribeiro de Faria nem por isso deixa de voltar a terras lusas em busca da sua cultura e do que delas disseram os seus cronistas, como Agustina e Ruben A. (cujo percurso gastronómico chega a refazer), ou até de traçar curiosos paralelos e coincidência felizes e involuntárias entre Jorge Luís Borges e as Festas de S. Bartolomeu da Foz do Douro (não se dando imediatamente conta de que o escritor argentino tinha nascido precisamente no dia desse santo, tal como o que escreve este post). Nota negativa: lamenta-se apenas que não seja mais assíduo. Façamos figas por posts mais regulares.

Tezentas Léguas a Sobrevoar é o blogue da semana.

Livros de cabeceira (12) - série II

João Pedro Pimenta, 12.10.24

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Nem sempre dormi ao lado de uma mesinha de cabeceira. Como preciso, em 98% dos casos, de algo para ler antes de dormir, encontrar um sítio para pousar as leituras era sempre complicado, e à falta de melhor acabavam no chão. Por isso, tenho para mim que, além de todas as utilidades domésticas, a mesa de cabeceira serve para acomodar as leituras do dia, da semana ou do mês, além de outros objectos prioritários (a chave de casa, por exemplo, para que não me esqueça dela).

A fotografia supra data já do Verão, do período de férias, mas tirando um caso, ainda são os livros cuja leitura está em curso ou agendada para breve. A disposição não é a melhor, mas serve o propósito da sua identificação.

Ali no canto superior esquerdo lobriga-se a Biografia do Esquecimento, de Diogo Leite Castro - pseudónimo literário de Diogo Leite DE Castro - que, tenho de confessá-lo, é um velho amigo mas já com livros de contos e outro romance publicado. Destes todos é o único que li até ao fim. Sinopse: um homem dos seus setentas, absolutamente banal, pede a um jornalista de obituários que lhe escreva a biografia, mesmo se à primeira vista não tem absolutamente nada de digno de nota nem de registo. A busca de material para a obra leva ao encontro de um crime e a uma torrente de acontecimentos passados, cada um mais intrigante que o outro. E entre paisagens do Porto, Paredes de Coura (com um cameo de Mário Cláudio), Vila do Conde e Coimbra, a biografia impossível desenrola-se até ao fim do novelo.

A meio, Paris após a Libertação, do grande historiador de guerra Anthony Beevor. Este é daqueles livros que tinha há muitos anos na prateleira e que queria muito ler, mas que por razões várias fui adiando. Decidi-me finalmente a pegar nele, e não sendo o melhor livro para praia, também dá para ler entre dois mergulhos. Depois de um breve resumo dos acontecimentos que levaram ao armísticio de 1940 entre a França e a Alemanha, do estranho regime de Vichy e da ocupação alemã, segue-se um relato emocionante da Libertação de Paris propriamente dita (fiquei a saber que os primeiros soldados franceses entraram ainda no dia 24 de Agosto, dia dos meus anos, embora a data oficial da rendição alemã seja 25) e dos quatro anos seguintes, com a febre da liberdade, o desejo de novidades, a carestia de vida e o confronto político, numa cidade que mesmo em austeridade voltou a ser um dos faróis culturais do mundo, como se comprova pelas personalidades que lá viveram ou por lá passaram, com De Gaulle à cabeça, pois claro, mas ainda Churchill, Coco Chanel, Edith Piaf, Sarte, Beauvoir, Camus, Prévert, Picasso, Hemingway, George Orwell, Yves Montand, Marlene Dietrich, Cocteau e tantos outros. Ainda me falta um pouco, porque a enormidade de pormenores e de petite histoire não permite uma leitura acelerada, mas cumpre todas as expectativas que tinha depositadas no livro.

Em cima, à direita, Roteiro Afetivo de Palavras Perdidas, uma das heranças escritas de António Mega Ferreira. Este é daqueles livros para ir lendo interpolado com outros, uma espécie de mini-dicionário de palavras ou expressões quase em desuso que povoaram a infância e juventude de Mega Ferreira. Ficamos a saber o que é a "baquelite" ou uma "gloríola", de onde vêm termos como "bota de elástico" ou "espampanante", recordamos os "espadas" e os "anis", tudo com grande "fineza" mas auxiliado por um "cartapácio" de velhos e bons dicionários.

Ali à esquerda, quase escondido, vê-se o autor, Joseph Roth, mas não totalmente o nome da obra, Hotel Savoy. Está ali para o ler brevemente, como introdução à obra de Roth, que só conheço de recensões. O resumo de contracapa promete: um jovem vienense judeu, que regressa a casa depois de três anos prisioneiro num campo siberiano depois da Grande Guerra, hospeda-se no Hotel Savoy. O resto só a leitura do livro me dirá, mas percebe-se que estão presentes alguns elementos da obra de Roth, ele próprio um judeu vienense que narra as glórias e a nostalgia do Império Austro-Húngaro.

Por fim, cá em baixo, Pequeno Almoço à Beira do Apocalipse, de Wladimir Kaminer, também por ler. Já tinha lido o seu Viagem a Trálálá, da colecção de viagens da Tinta da China, meio autobiográfico, meio picaresco, deste judeu russo naturalizado alemão, que vive em Berlim há mais de trinta anos e que se tornou uma das figuras gradas da cultura pop e boémia da capital alemã. Aqui dá-nos o relato das sensações e receios de um germano-russo muito pouco apreciador de Putin perante a invasão da Ucrânia, falando de assuntos sérios num tom quase espirituoso, impossivelmente optimista e decididamente irónico, que a espaços nos remete para um Kusturica mais contido. 

 

Hesitei noutros para leituras próximas, mas ficarão para depois. Até lá, acho que a minha mesa de cabeceira - que já é outra, por razões sazonais - não está mal servida.

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 04.08.24

Confesso que fiquei surpreendido, apesar de lá haver um breve aviso de encerramento, ou suspensão, não percebi bem, de "actividades", depois retirado. Em quase 19 anos de blogue, raro era o dia em que António Estrela Teixeira não deixava um post, e por vezes mais do que um diário, sendo que a média anual era superior aos dias do ano. Debruçando-se sobre assuntos internacionais e nacionais, versando sobretudo sobre história e política, com muitos mapas, fotos e links, usando muitas vezes a BD como auxiliar e com ironia q.b. por vezes acompanhada por alguma acidez, o blogue era (espero que volte a ser) um manancial de leitura inteligente e informativa. Ficou parado a 16 de Julho. Permanentemente? Veremos. Mas volte ou não, e como há lá posts actuais ou que valham pela sua leitura intemporal, fica aqui a sugestão, também à laia de homenagem.

 

O Herdeiro de Aécio é o blogue da semana.

Discordâncias perigosas

João Pedro Pimenta, 16.05.24

Do que conheço, não tenho qualquer boa impressão de Robert Fico, uma espécie de Orbán de esquerda e putinófilo confesso. Espero obviamente que sobreviva ao atentado à bala, coisa que tudo indica que vá acontecer, porque isto de disparar sobre governantes não é lá grande método de os tirar do poder (e crime é crime, seja lá contra quem for). Para mais, o atirador confessa que disparou contra Fico por "discordar dele", um argumento muito abalável e digno desta época de discussões desbocadas e intolerantes nas redes sociais. Parece que é membro de grupos literários, o que altera de forma perigosa a máxima de José Mário Branco "a cantiga (neste caso a literatura) é uma arma"

Mas, e já sabendo que Fico fica mesmo entre nós, há uma certa ironia nisto tudo: é que um seu anterior governo caiu em 2018 precisamente por ligações perigosas ao assassínio de um jornalista de investigação e da sua noiva e as coisas nunca ficaram completamente claras, uma coisa chocante mesmo em democracias algo imaturas e a tender para o iliberal. Obviamente que o jornalista discordava do governo. Discordar tem vindo a ser uma coisa perigosa na Eslováquia dos nossos dias.

Notre Dame recordada e reconstruída

João Pedro Pimenta, 18.04.24
Esta semana revi um filme de há apenas dois anos sobre um acontecimento ocorrido há cinco: Notre Dame Brûle, no original. Na altura não me lembrei logo que passavam 5 anos do pavoroso incêndio da igreja-mãe dos franceses. O filme assou discretamente nas salas, apesar de ser de um cineasta consagrado, Jean Jacques Anaud, e é pena. Com emoção e adrenalina q.b., mostra todo o processo do incêndio e as dinâmicas dos intervenientes: dos bombeiros para apagar as chamas sem provocar o colapso de todo o edifício, embora não evitando a destruição da flecha central, dos responsáveis de conservação para salvar as relíquias lá guardadas (com algumas cenas burlescas, como a vinda desesperada do curador para apanhar um comboio suburbano para Paris), das autoridades e das decisões difíceis a tomar, dos parisienses e a sua angústia e dos fiéis e a sua fé, reunidos em vigília e orando frente à catedral.
 
Lembro-me de, quando se abriram as portas, a nave central estar coberta de escombros, cinza e água, mas de se ver nitidamente a cruz do altar-mor. Ainda pairou o receio de as estruturas cederem e a fechada colapsar, e, optimisticamente, esperava-se uma reconstrução possível para quase dez anos. Macron prometeu que seriam cinco. Entretanto, o desastre deu origem ao filme descrito supra e até uma série francesa na Netflix.
 
E a verdade é que 5 anos depois as obras estão mesmo a ser concluídas e a abertura da catedral totalmente reconstruída está prevista para 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, com a presença do Papa. Os cinco anos cumpriram-se e até já há nova "flecha" a substituir a erguida por Violet le Duc. Houve projectos de inovações no edificado, alguns de fugir, mas contra as previsões mais pessimistas e as sensações apocalípticas desse 15 de Abril de 2019, Notre Dame de Paris vai recuperar a imagem que tinha antes do incêndio, e espero, o seu coro magnífico e os sons do  Emmanuel (o enorme sino, não o Macron). Até parece milagre.
 
(Notre Dame em obras, Maio de 2022).
Pode ser uma imagem de barco e a Basílica do Sagrado Coração

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 14.04.24

Num dos mais venerandos blogues portugueses, Miguel Marujo mantém impressionante actividade regular, publicando muitas vezes os seus textos na página de assuntos religiosos Sete Margens. Concorde-se ou discorde-se com o que escreve, vale a leitura. Como brinde, quem quiser ainda poderá encontrar no fim o já inactivo mas muito saudoso E Deus criou a Mulher.

 

A Cibertúlia é o blogue da semana.

O Chega não é o PRD. Mas também pode ser.

João Pedro Pimenta, 21.03.24

Nas reacções aos elevados números alcançados pelo Chega nas legislativas veio logo à memória o PRD - que, em 1985, acabado de nascer, teve logo 18% e 45 deputados - seguido de numerosas negações das semelhanças, começando, como seria de esperar, por elementos do próprio Chega ou terceiras figuras do PSD que desejam a coligação com este último, mas também da parte de colunistas, como um recente artigo de João Miguel Tavares.

E, de facto, há inúmeras diferenças: o tempo é outro, a ordem internacional é completamente diversa, o PRD era uma organização muito personalizada no General Eanes (que aquando desse estrondoso resultado nem podia estar no partido por ser o Presidente da República em exercício), ideologicamente pouco consistente (andaria ali pelo centro-esquerda e muitos elementos vinham do PS) e surgiu em pleno governo do Bloco Central, que tinha de gerir mais uma intervenção do FMI e uma austeridade talvez pior que a dos anos 2011-2014. Além disso, o PSD entrou em ruptura com o dito governo, de que fazia parte, com um novo e disruptivo líder, Cavaco Silva.

Mesmo nos resultados há diferenças, já que o Chega teve números ligeiramente melhores. Além disso, o crescimento do Chega insere-se numa onda de partidos nacionais-populistas de direita, ainda que com objectivos e dinâmicas diferentes, coisa que os renovadores não tinham nos anos 80. André Ventura, antigo comentador de futebol, não tem a aura de Eanes, do militar que enfrentou e venceu o PREC, mas tem uma vantagem: a de querer conquistar mais votos e não se fazer de rogado. O General, quando finalmente liderou o PRD, como que se intimidava no apelo ao voto. Talvez por ser demasiado honesto para o fazer. O PRD podia talvez ser considerado radical, mas de centro, como mais tarde o seria o italiano Movimento Cinco Estrelas, hoje também em refluxo.

O Presidente que não quer ser biografado

Sim, vivemos num tempo e em circunstâncias diferentes e o Chega é programática e ideologicamente muito diferente do PRD. Mas também tem semelhanças óbvias. Começa logo na excessiva personalização do partido na figura do "líder", apesar das diferenças entre Eanes e Ventura atrás mencionadas. Depois, o voto de ambos é extremamente heterogéneo: no Chega cabem saudosistas do Estado Novo, adeptos de um sistema presidencialista à americana, exilados oportunistas do PSD e do CDS, elementos de "boas famílias" ligados a correntes mais conservadoras do catolicismo e aficionados aos touros, e muitos, muitos descontentes e muitas pessoas frustradas, sobretudo nas áreas suburbanas e no sul do país, que não olhando para Ventura como um salvador, votam mais por raiva, dizendo, nalguns casos mais lúcidos, que votam não para dar o poder ao Chega mas para pressionar os partidos do "centrão" à prática de melhores políticas.

No PRD votavam trânsfugas do PS ou ex-reformadores da AD, antigos esquerdistas, adeptos de um regime mais presidencialista e muitos descontentes com a terrível fase de austeridade e desesperança que se vivia. Ou seja, tirando as referências ideológicas, que aqui são as que menos contam, o tipo de eleitorado é muito parecido. Mesmo geograficamente não andam longe um do outro: se o Chega conseguiu lugares em Trás-os-Montes e na Beira Interior, ganhando no Algarve, o PRD, sendo mais fraco no interior Norte, tinha grande predominância no Ribetejo (como o Chega) e na Beira Baixa, de onde provinha o General Eanes, e ambos ganharam muitos votos nos subúrbios de Lisboa, do Porto e na Margem Sul do Tejo. 

Ou seja, o grosso dos votos vem por descontentamento das políticas seguidas e dos políticos que exercem o poder e menos por razões doutrinais. Vejam-se outras semelhanças, embora talvez mais por coincidência: o PS, antes no poder, é o que mais perde, vendo fugir boa parte do eleitorado; o PSD, agora em versão AD redux, ganha novamente com menos de 30% e terá de governar na corda bamba da minoria. E dizer-se que os eleitores já não prezam a estabilidade é uma falácia: há pouco mais de dois anos, quando o BE e o PCP chumbaram o orçamento do PS, deram-lhe uma inesperada maioria absoluta, perdendo inúmeros votos e lugares.

O apreço pela estabilidade e a "paga" em menos votos por quem derruba governos por perrice continua a ser norma. André Ventura sabe isso e por essa razão vem dizendo que tudo fará para conservar um governo estável e de quatro anos. Pedro Nuno Santos, embora na oposição directa, também dá mostras de não querer ficar com a culpa de um derrube precoce. Ainda assim, se o futuro governo se mostrar minimamente competente e Montenegro gerir a situação com habilidade, qualquer passo em falso vindo da oposição poderá ser fatal.

É por isso que não acredito que numas próximas eleições o Chega caia para os 4,9% e os escassos sete deputados que calharam ao PRD em 87, com Eanes na liderança directa, nem parece que Montenegro tenha o êxito de Cavaco (que colheu os frutos da austeridade e da entrada na CEE). Ainda assim, e com 50 deputados, alguns deles de duvidoso préstimo e comportamento, o Chega não só pode não subir mais como pode mesmo levar uma queda apreciável. Demasiado tacticismo e sede ao pote do poder conduzem a erros. Por isso, o Chega não é o PRD, mas também o é em parte.

Já agora, tecendo comparações com os partidos de meados de 80 e aproveitando a nova biografia de Francisco Lucas Pires, de Nuno Gonçalo Poças, recordo que o então líder do CDS foi o pioneiro do liberalismo político do pós-25 de Abril, e, depois dos mini-estados gerais da direita liberal que foram as sessões do Grupo de Ofir, viu o seu projecto diminuído e secundarizado pela entrada de rompante do PRD e, mais importante, de Cavaco Silva. Isto devia fazer pensar a Iniciativa Liberal, um pouco herdeira desse pensamento (embora Lucas Pires fosse mais liberal-conservador), que também estagnou nesta eleição e se encontra também ela num caminho incerto.

Sim, não estamos em 1985, mas 1985 não é assim tão completamente diferente.

 

Adenda: de qualquer forma, no lançamento do livro, estará um dos herdeiros políticos mais directos de Lucas Pires, Paulo Rangel, seu antigo assistente universitário em Ciência Política, e que me lembrou agora que no dia em que fiz o exame a essa cadeira, Pires, o seu regente, se filiou no PSD.

Napoleão ou Crimeia?

João Pedro Pimenta, 01.03.24

Em resposta aos avisos de Macron sobre a possibilidade de tropas da NATO poderem combater na Ucrânia, os "aliados" (ou seja, subalternos) de Putin já vieram comparar o presidente francês a Napoleão e recordar a desastrosa campanha da Rússia, de 1812.

Tem-nos surgido muitas vezes, da parte de russos ou de outros sectores putinófilos, a sempiterna chamada de atenção para os efeitos nefastos da invasão de 1812 e da Operação Barbarrosa pela Alemanha, em 1941. Mas a sua noção de história parece ser selectiva, que não vindo de quem vem não espanta. Primeiro porque Macron não propôs nenhuma invasão da Rússia. E depois porque se esquecem de outra campanha, essa desastrosa mas para a Rússia, que foi a Guerra da Crimeia, nos anos 1850, em que a França, o Reino Unido e o Império Otomano - hoje todos membros da NATO - impuseram aos russos uma pesada derrota, a devolução de alguns territórios e o seu enfraquecimento na zona do Mar Negro. Macron saberá certamente porque é que há o Boulevard de Sebastopol ou a zona de Malakoff, em Paris. Bem sei que os tempos são outros, mas isso vale para todos, e se é para fazer comparações históricas, vamos a todas.

A Guerra da Crimeia - RTP Ensina

Trump Carlson em Moscovo

João Pedro Pimenta, 08.02.24

Depois de se dizer que era mero boato, Tucker Carlson, que acabou despedido da Fox por confessar em privado que tinha dito disparates em notíciário, lá entrevistou Vladimir Putin, para "esclarecer os americanos da verdade", como se Putin não a tivesse divulgado em inúmeras ocasiões, embora nem sempre com a mesma base. Escolheu bem o dia: o mesmo em que a candidatura de Boris Nadezhin, o único contra Putin, acabou recusada, como acontece sempre que há um candidato contra o incumbente.

Entretanto, o Partido Republicano continua a recusar-se a enviar mais ajuda à Ucrânia, mas aprovou o envio de 16 mil milhões de euros para Israel.
 
Claro que não há qualquer ligação entre isto. Podia lá ser...

Cenas da pré-campanha

João Pedro Pimenta, 23.01.24

Estava a ver um apanhado das frases mais marcantes que foram pronunciadas na convenção da AD e entre proclamações, recados, exortações e anúncios (Santana de novo? O homem é mesmo de luas), deparo-me com uma de Paulo Portas que já me tinha passado pela cabeça nos mesmíssimos termos e que era mais ou menos assim: o PS tem de ir para uma cura de oposição; isso será bom para Portugal, para a política nacional e para o próprio PS.

Entretanto, o Chega revela ser um partido cumpridor dos seus intentos. Prometeu que ia "limpar o país" e está realmente a fazê-lo, ao aspirar os resíduos políticos de alguns ainda deputados do PSD colocados em lugares não elegíveis e que, descontentes com as posições, desertam tentando alcançar aquilo que já não iam manter. São todos contra o "sistema" desde pequeninos, como se comprova. Calculo que os elementos do Chega que presumiriam ir para as mesmas listas estejam a dar pulos de contentes com a adição destes novos "quadros".

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 14.01.24

Não é muito assíduo, é certo, e as suas últimas publicações datam de há uns meses. Mas sendo um blogue de fotografias, a maior parte acaba por ser intemporal, até porque muitas são de épocas mais antigas. É dos blogues que melhor e há mais tempo retratam o Porto, não só nos mais habituais percursos que hoje tanto sucesso têm no turismo, mas nos pormenores, nos elementos pouco visíveis e no particular ambiente que envolve a cidade, como as manhãs brumosas em que quase se pode ouvir o som das nuvens.

A Cidade Surpreendente é o blogue da semana.

In Memoriams

João Pedro Pimenta, 11.01.24

2024 começou como 2023 tinha terminado: frio, húmido e com numerosas mortes. Para além de algumas não públicas, mas nem assim menos dolorosas, registaram-se vários desaparecimentos entre o fim do ano que passou e o início deste.

Mesmo a terminar, e no mesmo dia, morreram Odete Santos, a inesquecível deputada do PCP, relembrada aqui pelo Pedro Correia, pelas suas tiradas e porque seguiu o sonho de uma carreira teatral (recordo-me de numa entrevista ter dito que os seus autores favoritos eram norte-americanos, acrescentando "eu gosto da cultura, não gosto é de quem lá manda"), Wolfgang Schäuble, o austero ministro das finanças alemão, talvez pelo atentado que o obrigou a mover-se numa cadeira de rodas para o resto da vida; e, sobretudo, Jacques Delors, o maior construtor europeu das últimas décadas, Presidente da Comissão entre 1985 e 1995, precisamente quando Portugal entrou na CEE (e a ele também o deve) e o verdadeiro fundador da UE e do Euro e de coisas hoje em dia normais, como o programa Erasmus. No fim do mandato europeu teve oportunidade de se tornar presidente de França, sucedendo a Mitterand, quando todas as sondagens lhe atribuíam a vitória, mas declinou numa entrevista em directo, abrindo caminho a outro Jacques, Chirac. Socialista católico, coisa pouco usual na França actual, teve direito a uma homenagem nacional, nos Invalides, à qual não faltou Marcelo Rebelo de Sousa.

Já em 2024 desapareceram, com 3 dias de diferença, Mário Lobo Zagallo e o Kaiser Franz Beckembauer. Eram dois dos três únicos homens que tinham sido campeões do Mundo de futebol por seleções tanto como jogadores como treinadores. O outro é Didiers Deschamps, que se queda assim como única pessoa viva com tal estatuto.

E no início desta semana, fui surpreendido pela notícia da morte de Arnaldo Trindade. tinha 89 anos e era bisavô, mas era daquelas pessoas que achava que viveria até aos cem. Tinha uma carreira de mais de sessenta anos que começou como normal empresário do negócio de família, uma loja de electrodomésticos no centro do Porto, mas quis ir mais além. Criou a editora Orfeu, gravando os autores declamando as suas próprias obras. Com alguns, como Miguel Torga, cujo desagrado em ler-se em voz alta era conhecido, teve enormes dificuldades, mas lá conseguiu. Seria ele a lançar e a editar os futuros músicos de intervenção, com Zeca Afonso à cabeça, seguindo-se Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Sérgio Godinho ou Jorge Palma. Com engenho e a aura de respeitável comerciante do Porto, recusando músicas demasiado "panfletárias", conseguia ludibriar a PIDE e a Censura. Projectou muitos outros músicos emergentes e de estilos diferentes, como José Cid (que escreveu algumas das suas mais conhecidas letras na sua casa), ou o Conjunto António Mafra, e quando Zeca lhe pediu um bom tocador de concertina para um disco de música popular, apresentou-lhe um jovem Quim Barreiros. Cantigas de intervenção, rock progressivo, música popular: Arnaldo Trindade lançou vários estilos que ficaram para a história musical portuguesa do Século XX.

A Orfeu, como editora, acabou nos anos oitenta, mas Arnaldo Trindade manteve o projecto que reúne a sua discografia. Dedicou-se ele próprio à poesia, tinha editado alguns livros de poesia e todos os dias escrevia um poema que publicava na sua página de Facebook. Era um conversador nato e uma prodigiosa memória da vida cultural portuense e portuguesa das últimas sete décadas, ele que estivera no centro de alguns dos projectos mais arrojados. Não deixava de recordar a viva impressão que tinha tido ao visitar pela primeira vez os Estados Unidos, antes dos vinte anos, para onde viajou de navio e que lhe pareceram tão diferentes e tão mais grandiosos e avançados do que o Portugal dos anos 50. Ouvi-o em encontros passados referir isso e muito mais (algumas coisas podem ser comprovadas aqui) e testemunhei a sua forma serena e nada histriónica de declamar poesia. Era convidado frequente de lançamentos, programas de televisão ou rádio e entrevistas. Julgava sinceramente que ainda o veríamos por uns bons anos e que voltaria a encontrá-lo. Nada é eterno, e mesmo aqueles que parece que vão estar aqui permanente e intemporalmente acabam por ir.

 

Cinefilia pouco eficaz

João Pedro Pimenta, 13.12.23

Antes do filme propriamente dito começar, desenrola-se cerca de meia hora de trailers, anúncios publicitários, entre os quais aqueles longuíssimos das operadoras de redes móveis, anúncios "institucionais" e, para acabar, mais outro a apelar para que as pessoas vão ao cinema. Isso antes de uma fita de mais de duas horas e meia.

Percebo a necessidade de publicidade, mas com tanto preliminar, dispensava ao menos o anúncio de apelo às ida às salas de cinema, uma coisa supérflua e redundante, e já agora que as redes telefónicas pusessem anúncios um bocadinho mais curtos. Se assim for, ao menos reinstituam essa nobre tradição cinéfila que é o intervalo entre filmes (pedir um bar à antiga em lugar dos postos de venda de pipocas e refrigerantes já me parece demais).

Já agora, o filme era o tão esperado Napoleão, de Ridley Scott. As cenas de batalha são boas, mas impunha-se mais veracidade histórica, como já tinham avisado, e a coisa resultaria melhor num díptico, um Napoleão com parte I e II. Assim sendo, fica um semi-épico de cadência irregular, um trajecto difícil de perceber e partes saltadas de forma inexplicável.