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Delito de Opinião

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 20.03.25

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Hoje lemos Lawrence Durell, "O Quarteto de Alexandria"

Passagem a L' Azular: -"[...] só aí, nos silêncios do pintor ou do escritor, a realidade pode ser reordenada, retrabalhada e refeita para mostrar o seu lado significativo. As nossas acções comuns na realidade são simplesmente a cobertura de serapilheira que esconde o tecido de ouro — o significado do padrão. Para nós, artistas, espera-nos o alegre compromisso através da arte com tudo o que nos feriu ou derrotou na vida quotidiana; desta forma, não para fugir ao destino, como as pessoas comuns tentam fazer, mas para o realizar no seu verdadeiro potencial — a imaginação.”

Mais do que todas as alegrias da vida, são os infortúnios, os desalentos e os desesperos que trazem  à tona o melhor de nós, na força, na convicção, na imaginação sem grilhões convicta de que o amanhã sorrirá. Mesmo que a paisagem seja água, uma linha de terra e o céu.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 15.03.25

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Hoje lemos Luis Zueco, "O Mercador de Livros"

Passagem a L' Azular: “- Escusado será dizer que o talento não está relacionado com a fé, nem com a bondade, são coisas muito distintas. Por isso, há que ser prudente na hora de julgar um homem; o mais tonto pode ser um artista habilidoso ou o mais cruel ser um bom governante, o ser humano é assim... contraditório e incompreensível na sua história.”

Como se tem vindo a comprovar, os tontos são uns artistas pródigos em habilidades disparatadas, e os cruéis governam como sempre govenaram: gerem "bem", mas quase sempre  em seu proveito e em proveito daqueles a quem devem favores. 

Mas não podemos excluir nunca que os cruéis podem ser uns habilidosos palhaços e os artistas de comédia podem ser homens de bem, eleitos democraticamente por sufrágio universal. É  tudo uma questão de mão. Embaralha, volta a dar, faz bluff, cara de pedra, abre a boca, sai asneira e sempre quero ver o que acontece quando os trunfos começarem a desaparecer, e não tiverem na mão as tais cartas com as quais esperam ir a jogo e arrebatar uma vitória incondicional.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 12.03.25

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Hoje lemos Curzio Malapart, "A Pele".

Passagem a L' Azular: "O preço da liberdade é elevado — muito maior do que o da escravatura. E não se paga em ouro, nem em sangue, nem nos mais nobres sacrifícios, mas em cobardia, em prostituição, em traição e em tudo o que há de podre na alma humana.”

Onde é que pára a... liberdade? Sim, porque as promessas de liberdade são muitas, mas são todas vãs.

A única e verdadeira liberdade, aquela à qual ninguém corta as raízes é, como disse Camões e muito bem, a do pensamento. Mas (porque tem sempre de haver um mas) quantos se crêem livres e tornitruantes da sua condição, quando têm o pensamento manietado por ideias e ideais retrógrados, podres e até ridículos de publicitar. Por serem donos daquela verdade que pensam que os liberta, cada vez mais se afundam e se embrenham no torvelinho das calúnias. São felizes assim, benza-os Deus, desde que a sua felicidade nunca impeça a felicidade dos demais.

Blogue da semana

Maria Dulce Fernandes, 09.03.25

Em havendo disponibilidade, vontade, passe para transportes públicos e umas dicas do S. Pedro sobre a meteorologia, aconselhamo-nos no Cultura de Borla sobre os eventos em agenda, seleccionamos os que nos agradam e até ver nunca ficámos desapontados.

O Cultura de Borla fornece excelente e detalhada informação sobre eventos culturais e é de consulta obrigatória. É por isso que o escolhi para o Blogue da Semana. 

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 08.03.25

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Hoje lemos Julio Cortazár, "O Jogo do Mundo ".

Passagem a L' Azular: "Começamos a caminhar com o passo lento de um filósofo ou de um clochard, à medida que gestos cada vez mais vitais se reduzem a meros instintos de preservação, a uma consciência mais alerta para não ser enganada, do que para compreender a verdade.”

E o que é a verdade? Normalmente é o que muito poucos aceitam e o que demasiados não querem ver. As realidades alternativas que ramificam da verdade de cada um, em vez de seguirem lado a lado em linhas paralelas são um novelo que poucos entendem, mas muitos tentam impingir. 

E vivemos todos enrolados na dualidade embrulhada deste labirinto contaditório, tentando seguir a meada sem encontrarmos ponta por onde lhe pegar.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 05.03.25

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Hoje lemos Manly P. Hall, "Ensinamentos Secretos de Todos os Tempos".

Passagem a L' Azular: "Quando a multidão governa, o homem é governado pela ignorância; quando a igreja governa, é governado pela superstição; e quando o estado governa, é governado pelo medo. Antes que os homens possam viver juntos em harmonia e compreensão, a ignorância deve ser transmutada em sabedoria, a superstição em fé iluminada e o medo em amor.”

Concordo: a multidão, a igreja e o estado nunca governaram nem governam para o bem comum, senão para seu próprio proveito, mas boa sorte com a transmutação. A primeira sílaba da palavra ainda me causa arrepios. Não sou perfeita nem acredito em transmutações ou transmigrações, mas acredito que muita gente que se comporta como um verme tem de ter qualquer ascendente  vermicular.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 01.03.25

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Hoje lemos H.G. Welles, "A Guerra dos Mundos".

Passagem a L' Azular:“Ora, sempre que as coisas acontecem de tal forma que muitas pessoas sentem que devem fazer alguma coisa, os fracos, e aqueles que se tornam fracos com muito pensamento complicado, criam sempre uma espécie de religião que não faz nada, muito piedosa e superior, e submetem-se à perseguição e à vontade do Senhor.”

Subentendendo de que senhor se trata, tudo se torna claro como cristal, água ou até mesmo vodka, dependendo das longitudes em referência. A espécie de religião que já nem expressão tem, a não ser no pensar de uns poucos loucos, tolos hipergrafistas que pretendem vencer pela quantidade em detrimento da qualidade e que em não alcançando o seu propósito, tratam de afogar os demais num caldo rançoso de letras sem propósito nem sentido.

Que não sejamos submetidos à sua vontade. Nunca. Nem à do senhor.

Vade retro. Nem vermelho nem sucedâneo.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 26.02.25

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Hoje lemos Ildefonso Falcones, "O Pintor de Almas".

Passagem a L' Azular:  “Os republicanos, uma vez no poder, agiram com a mesma firmeza e por vezes até, sob a mesma legalidade dos governantes monárquicos, naquelas leis obsoletas que sustentavam para tratar os humildes com dureza, ou seja, ditando leis ainda mais repressivas do que as que existiam, em desespero de quantos tinham lutado para manter a República.”

A história recorda, muitas vezes com pesar, que muitos movimentos, golpes de estado, revoluções, guerras e até vitórias eleitorais que se iniciaram por tudo, por nada e com muitas promessas declaradas e subentendidas, muitas vezes por uma causa justa, pela igualdade dos homens ou pela liberdade, acabaram por deixar o mundo muito pior do que estava. Nem sempre os homens perdiam as parcas possessões, mas perdiam a inocência, aquele dom tão puro, tão cristalino que nos vem da infância e nos faz acreditar. A falta de fé no próximo é o início do fim, porque perder a fieza nos outros é perder a fé em si próprio e nas suas convicções. 

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 22.02.25

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Hoje lemos Dan Brown, "O Símbolo Perdido".

Passagem a L' Azular:  "E não, "Google” não é sinónimo de “pesquisa.”

Nem é a fonte de todo o conhecimento.

Nem é a fonte de toda a verdade.

Nem é a fonte de toda a informação.

Nem é a fonte da juventude.

Nem é a fonte da medicina.

Nem é a fonte do jornalismo.

Nem é a fonte...

Em boa verdade, se não é, parece.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 19.02.25

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Hoje lemos Brian Daley, "TRON".

Passagem a L' Azular: "A grelha. Uma fronteira digital. Tentei imaginar os conjuntos de informação à medida que se moviam pelo computador. Como eram? Navios, motociclos? Os circuitos eram como autoestradas? Continuei a sonhar com um mundo que pensei que nunca veria. E então, um dia entrei...”

Ao contrário do programador Kevin Flynn, não aconteceu conseguirmos ser parte integrante de um circuito integrado, talvez porque nunca conhecemos um criador de um laser que digitaliza objectos reais do dia a dia e que os "materializa" num universo digital, mas em contrapartida conhecemos milhares, talvez milhões, de "materializações" digitais que nunca foram realidade. 

Com o quotidiano cada vez mais conectado, não precisamos fazer parte de um circuito integrado para estarmos ligados permanentemente ao digital. Não passa um dia em que a pegada digital não se manifeste na vida de todos nós. 

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 15.02.25

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Hoje lemos: Giovannino Guareschi, "D. Camilo e o Seu Pequeno Mundo".

Passagem a L' Azular: "Não te preocupes, Don Camilo", sussurrou Cristo. "Eu sei que ver homens que deixam a graça de Deus decair é um pecado mortal para ti, porque sabes que correram desenfreadamente para apanhar uma côdea de pão. Precisas perdoar-lhes porque sei que não o fizeram para ofender a Deus. Eles procuram desesperadamente a justiça na terra porque já não têm fé na justiça divina, e procuram desesperadamente os bens da terra porque já não têm fé na recompensa divina. E assim acreditam apenas no que tocam e vêem, e as máquinas voadoras são para eles anjos infernais deste inferno terrestre que tentam em vão transformar num Paraíso. É o excesso de cultura que leva à ignorância, porque se a cultura não for apoiada pela fé, chega a um certo ponto em que o homem só vê a matemática das coisas. E a harmonia dessa matemática torna-se o seu Deus, e ele esquece-se que foi Deus que criou essa matemática e essa harmonia. Mas o teu Deus não é feito de números, Dom Camilo, e no céu do teu Paraíso voam os anjos do bem. O progresso torna o mundo cada vez mais pequeno para os homens: um dia, quando as máquinas funcionarem a cem milhas por minuto, o mundo parecerá microscópico aos homens, e então os homens ver-se-ão como um pardal no cimo de um mastro muito alto e olharão para o infinito, e no infinito encontrarão Deus e a fé na verdadeira vida. E odiarão as máquinas que reduziram o mundo a um punhado de números e destruí-las-ão com as suas próprias mãos. Mas ainda vai demorar, Don Camilo. Por isso, fica descansado: a tua bicicleta e a tua scooter não correm perigo neste momento.”

No rescaldo do maior conflito da história da humanidade, Guareschi  põe o pensamento e os temores de quem viveu a impensável destruição, traduzidos nas palavras proferidas pelo Cristo crucificado com quem D. Camilo alterca sempre que a consciência o atormenta (mesmo sem se dar conta de tal), nas suas travas de razões com Peppone, um homem puro, mas pouco temente a Deus, pelo menos em fachada. 

Esta luta "entre o bem e o mal", escrita há mais de 75 anos, é fantasticamente actual e premonitória do nosso tempo, tempo este em que até os saca-rolhas, as escovas e os palitos para os dentes são mecanizados. Há uma maquineta para tudo. Até para lavar o cérebro.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 12.02.25

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Hoje lemos Mark Twain, "As Aventuras de Hucleberry Finn".

Passagem a L' Azular: “Não demorei muito tempo a constatar que estes mentirosos não eram reis nem duques, mas apenas impostores e impostores desprezíveis. Mas nunca disse nada, nunca deixei transparecer; guardei para mim; é o melhor caminho; assim não terei brigas e não me meterei em problemas. Se queriam que lhes chamássemos reis e duques, não tinha objecções, desde que isso mantivesse a paz na família; e não adiantava contar ao Jim, por isso não lhe contei. Se nunca aprender mais nada com este tipo de coisas, aprenderei que a melhor forma de conviver com este tipo de pessoas é deixá-las fazer o que querem.”

É.  

Tem sido assim desde o princípio dos tempos e, por ser sempre assim, nada muda para melhor, porque os reis e duques que vêm substituir os reis e os duques em exercício e que recebem uma herança degradada, não se interessam em recuperá-la, torná-la viável, fazê-la melhor. Fazem então o que querem: Espremem os poucos activos que subsistem para seu próprio proveito e deixam que a podridão avance e se instale definitivamente. 

Tem sido assim desde que existe humanidade e que esta deposita a sua confiança em alguns que crêem capazes de os conduzir ao reduto, onde possam viver tranquilos, seguros e em paz. Utopia é uma quimera, passe a redundância.

Pelos caminhos da Memória

Maria Dulce Fernandes, 09.02.25

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Não me lembro dos anos anteriores à Argentina, o que, pelos meus cálculos, faz com que a Argentina tivesse ido aprender costura com a minha mãe pelos seus 17 anos. Era assim que se fazia antigamente. Para muitos jovens, terminada a 4.ª classe, a classe era determinante.  Ou a sua  família era abastada o suficiente para poderem seguir os estudos, ou escolhiam um mister, aprendendo uma profissão sob os ensinamentos e supervisão de um Mestre ou de uma Mestra, que tinham percorrido o mesmo caminho, como tantos outros antes deles.

A Argentina completou 80 anos e foi dia de festa. Chegámos cedo e lá estava a igreja, imponente e muda, um marco de resistência, que nem houve raio que a partisse. 

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Para ser um verdadeiro passeio pela memória, decidimos fazer o passeio dos alegres, mas em modo inverso, e caminhar o “ caminho da escola”, pelas mesmas ruas e travessas que me levavam da casa dos meus pais até à Rua da Bica do Marquês e que eu percorria com todo o tino dos meus nove anos, tendo à minha guarda a Guida e a Cristina, quatro anos mais novas. Passávamos o Café Galvão, o Chafariz, descíamos pelas ”Terras” e virávamos à esquerda a seguir ao Salão Portugal, evitando assim o mal falado "Café das Meninas” na esquina da Travessa de Paulo Martins. Era curioso para mim o nome dado ao tal “antro” pois, sempre que por lá passava acompanhada, nunca vislumbrei qualquer menina através do vidro das montras.

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O “caminho da escola” está irreconhecível. As ruas, travessas, largos e pátios são os mesmos, têm o mesmo nome, mas a modernização pintou por cima das imagens do passado uma caiada de edifícios recuperados, transformados em condomínios privados.

O Salão Portugal, onde vi tantos filmes, muitos sem ter sequer idade para os entender (como por exemplo “Lágrimas e Suspiros”), é agora a sede do Comité Olímpico Português. Se olimpíadas por lá houve, foram seguramente cinematográficas.

A farmácia está onde funcionava o fotógrafo da Céu, que tantas fotos tipo passe nos tirou para as fichas escolares, no início de cada ano lectivo. A padaria acabou, a capelista da D. Augusta, onde se comprava os aviamentos e mandava forrar botões, também. A Sapataria Marilu e a Cá-Jor já passaram a memória há muito tempo.

A Memória não ajudou em nada as memórias que guardei.

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Deixámos as cogitações no ar ignoto e fomos  ao encontro da Argentina, porque afinal este era o seu dia, e foi uma festa dentro da festa. As minhas memórias eram também as suas memórias mais gratas de jovem aprendiz. E prodigiosas que elas são. Foi um desfilar de lembranças maravilhosas e sentimo-nos gratas por as termos vivido.

A Memória continua lá, mas apesar de ser sempre bonita, já pouco me traz à memória.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 08.02.25

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Hoje lemos Robert Louis Stevenson, "O Estranho Caso do Dr. Jeckyll e de Mr. Hide".

Passagem a L' Azular: "Este também era eu. Parecia natural e humano. Aos meus olhos, trazia uma imagem mais viva do espírito, parecia mais expressivo e único do que o semblante imperfeito e dividido a que costumava chamar meu. E até aí estava sem dúvida certo. Observei que quando usava a aparência de Edward Hyde, ninguém conseguia aproximar-se de mim sem uma visível convulsão da carne. Isto, segundo eu entendo, ocorreu porque todos os seres humanos, tal como os conhecemos, são uma mistura de bem e mal: e Edward Hyde, o único entre a humanidade, era o mal puro.”


Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 08.02.25

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Hoje lemos: Edmondo de Amicis, "Coração"

Passagem a L' Azular: "Lembra-te, Enrique: quando encontrares um velho, uma mulher com a sua criatura nos braços, um homem com muletas, um homem com carga nos ombros, uma família vestida de luto, cede-lhes a passagem com respeito. Devemos prestar especial atenção à velhice, à miséria, ao amor maternal, à doença, ao cansaço e à morte.”

É verdade sim. Devíamos nós povo, povos humanidade, governos a nível mundial, prestar mais atenção a quem sofre, porque é velho e sozinho, porque é doente e não pode pagar os tratamentos, porque vive num estado de pobreza e já desistiu de tentar reerguer-se, porque quer ter filhos mas não tem condições de os sustentar, ou porque tem filhos e não os consegue criar e depois é a miséria que se vê; porque devíamos reparar que há quem tenha quatro empregos só para pagar as contas, não sobra para comer e tem vergonha de ter fome; porque devíamos reparar que a morte social é mais doída do que a morte física. 

Não me considero melhor do que ninguém e sempre pensei que contribuo para mitigar algum desespero. Mas não. Não consigo reparar em tudo e acabo por não reparar em nada. A verdade é que quem  precisa, precisa sempre e quem dá, nem sempre consegue dar.  Nesta conjuntura, não podemos seguramente esperar muitos finais felizes.

Hidroginástica à 4.ª Feira

Maria Dulce Fernandes, 06.02.25

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Sete da manhã e estavam 6⁰ C. O calor é preguiçoso, mas era mesmo  preciso levantar. Depois vem o cafezinho e o sumo de laranja, toma-se a medicação da manhã e vamos ler as gordas e debatê-las à luz das tendências de cada um, porque num casamento de quase 45 anos é da discussão que a faísca alimenta o fogo.

- Então, vamos ou não? -Vamos... - Mas está frio. - Dentro de água  não se sente.

E fomos. Esperámos o autocarro da Carris Metropolitana e lá fomos, rumo ao CNA na Reboleira, para mais uma aula de hidroginástica.

Como habitualmente saímos na paragem do Supermercado e atravessámos o pequeno ajardinado do outro lado da estrada, que desemboca na Rua Pedro Del Negro junto à igreja. Foi por essa altura que ouvimos o que pensamos serem uns foguetes meio murchos. Já junto ao estádio vimos um colega de piscina que estugava o passo e nos disse meio afogueado “Ouviram os tiros? É um tiroteio entre gangues rivais. Vou-me embora!”

Ficámos sem saber o que fazer. Alguns populares corriam na direcção da entrada e só se ouvia ao longe o som de sirenes. “Olha, vamos lá. Estou a ver uma data de colegas de aula. Se não houver função, vamos embora.”

Nada acontecia na entrada das piscinas. O que quer que estivesse a suceder, passava-se mais ao lado, junto à entrada do ginásio. Chegou uma ambulância. Não fui ver. Estava muita gente e só se ouviam gritos. Entrámos, mudámos de roupa e fizemos a aula tranquilamente.

À saída, o circo estava instalado, com tudo o que era polícia, grupos de intervenção e comunicação social a incomodar toda a gente. Eu não vi nada. Não sei nada nem quero saber. Não posso comentar. 

Já em casa verificámos pelas notícias na tv que o dito “tiroteio entre gangues rivais” tinha sido uma cobarde execução de uma pessoa por outra ainda pior que se arvorou em juiz, júri e carrasco, num julgamento em que era tão ou mais culpado.

Seja qual for a sua origem, para esta gente a lei não existe. A pessoas que viram e viveram aqueles momentos de pânico, na sua maioria seniores (para não entrar no idadismo), sentem que a instabilidade e a insegurança que se vêm instalando na vizinhança reduzem cada vez mais a pouca qualidade de vida de que ainda podem usufruir.

Se há polícia, é porque há polícia. Se não há polícia, é porque não há, nem querem que haja. Para quê, se afinal os criminosos ministram a sua própria justiça sempre que lhes aprouver?

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 05.02.25

 

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Hoje lemos Cesare Pavese, "A Lua e as Fogueiras".

Passagem a L' Azular:  "O ignorante será sempre ignorante, porque o poder está nas mãos daqueles que têm interesse em que as pessoas não entendam, nas mãos do governo, dos negros, dos capitalistas...”

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 05.02.25

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Hoje lemos: Markus Zusak, "Nada Menos do que um Milagre".

Passagem a L' Azular: “Como se sentissem o teatro a aproximar-se, os pombos chegaram do nada e entrincheiraram-se nos fios eléctricos. Estavam empoleirados em antenas de TV e, valha-nos Deus, até nas árvores. Havia também um único corvo, com penas grossas e rechonchudo, como um pombo disfarçado com uma gabardina.”

É por demais evidente que o corvo era um espião. Eles andam aí. Tal e qual como se diz na missa de valores mais altos, "eles estão no meio de nós". Pergunto-me amiúde o que será que andam por cá a espiar e não encontro grande resposta. Talvez as muitas escorregadelas dos governantes. Nos últimos anos tiveram pano para mangas nessa matéria. Quem sabe não foi um funcionário da limpeza na Assembleia da República (que afinal é um espião disfarçado) que encontrou os 75800 euros no gabinete do chefe de gabinete do primeiro ministro, as 17 malas no gabinete do ex-deputado do partido da "única e verdadeira alternativa" ou os documentos das criações do ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território? Os tipos das diversas "inteligências" vêm em todas as formas, cores e feitios, por isso pouco me espanta. 

Por vezes fico a pensar se a minha gata, como o corvo, não será um espião. Tem um costume de muitos anos, de ficar a espreitar sorrateiramente à porta da casa de banho enquanto tomamos duche. É decididamente um espião ou então é grande fã de filmes de terror.

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 01.02.25

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Hoje lemos:G.K. Chesterton, "Hereges".

Passagem a L'Azular: “As ideias são perigosas, mas o homem para quem são menos perigosas é o homem das ideias. Conhece ideias e movimenta-se entre elas como um domador de leões. As ideias são perigosas, mas o homem para quem são mais perigosas é o homem sem ideias. O homem sem ideias verá a primeira ideia subir-lhe à cabeça como o vinho sobe à cabeça de um abstémio. É um erro comum, creio, entre os idealistas radicais do meu próprio partido e época sugerir que os financeiros e os empresários são um perigo para o império porque são demasiado sórdidos ou demasiado materialistas. A verdade é que os financeiros e os homens de negócios são um perigo para o império porque podem ser sentimentais em relação a qualquer sentimento e idealistas em relação a qualquer ideal, qualquer ideal que encontrem por aí, tal como um rapaz que não conhece muito bem as mulheres é capaz de muito facilmente tomar uma mulher por mulher, então esses homens práticos, desacostumados com causas, estão sempre inclinados a pensar que se uma coisa é provada como um ideal, então é provado que é o ideal.”

O perigo das ideias ultrapassa longamente o perigo dos ideais. Já dizia o Dr. Mário Soares, no seu francês de português expatriado - como se diz agora -, "nous avons toujours les mêmes ideaux". Como é sabido, a última palavra soou como "idiots", e ficou indelevelmente ligada ao partido que fundou e que nos tem governado interpoladamente de há 50 anos a esta data. O desgaste dos neurónios apagou os ideais, e sobraram os "idiots" com ideias sempre surpreendentes. Não faltará muito para que se juntem ao Clube das Malas, com a  exigência do respeito dos “valores” nacionais pelos imigrantes, que ficam informados que a partir de agora não podem entrar no país com sacos ou mochilas. Só malas de porão.