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Delito de Opinião

Miss Merkel investiga

Cristina Torrão, 25.03.23

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Há ideias que uma pessoa nem sabe como classificá-las. Há dias, a RTL transmitiu um policial baseado na figura de Merkel. Depois de se reformar, a antiga chanceler retira-se para uma pequena povoação no Uckermark, uma região do Nordeste da Alemanha, perto da fronteira com a Polónia. E aborrece-se. Vem mesmo a calhar que uma importante personalidade seja encontrada morta, envenenada. A Polícia parece não ter muita pachorra para ir ao fundo da questão, conclui ter-se tratado de suicídio e encerra o processo. Miss Merkel resolve investigar de moto-próprio e a colagem a Miss Marple é óbvia. Para isso, até se ultrapassa o facto de Merkel ser casada e dá-se-lhe o tratamento de Miss.

Não vi este telefilme, mas, a julgar pela crítica, não perdi grande coisa. A redacção da revista só lhe dá uma bola vermelha, num total de três e, apesar de considerar a ideia simpática, diz que não tem pernas para andar. Não é, porém, de excluir que a Miss Merkel se transforme numa série. Este policial foi baseado num livro de David Safier, publicado em 2021, e teve muito sucesso, ganhou até um prémio (votado pelo público, depois de fazer parte de uma lista de trinta policiais, escolhidos por livreiros). E o certo é que o autor já escreveu a segunda aventura desta detective amadora.

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E em Portugal? Também teríamos vontade de ver ex-governantes transformados em detectives?

Cristãos, Judeus e Nazismo

Cristina Torrão, 21.03.23

Tive uma surpresa agradável, provocada pela minha série Resistência em alemão, iniciada a 22 de Outubro de 2022. Depois de ter escrito sobre o grupo “Rosa Branca”, passei a exemplos de sacerdotes (católicos e protestantes), que pagaram com a vida a oposição aberta ao regime nazi. Há um par de semanas, fui contactada pelo Professor Mendo Henriques, da Universidade Católica, ele próprio surpreendido pelos exemplos de coragem mostrada pelos padres.

Em colaboração com a Paulinas Editora, o Professor Mendo Henriques e a sua equipa preparam a tradução de um livro do filósofo austríaco Friedrich Heer, intitulado “O Primeiro Amor de Deus” (Gottes erste Liebe), publicado em 1967. Resumindo em poucas palavras, trata-se da falta de uma condenação oficial do nazismo, antes do fim da 2ª Guerra Mundial, por parte da Igreja Católica, nomeadamente em relação ao Holocausto. No seu livro, Friedrich Heer faz a análise do ódio dos cristãos pelos judeus, que, como sabemos, dura já há dois milénios.

O Professor Mendo Henriques tinha conhecimento de alguns exemplos isolados de resistência, como o de Dietrich Bonhoeffer, mas pensava que se resumiam a isso: casos pontuais. Por isso, o impressionaram os relatos sobre os Mártires de Lübeck, aqui descritos. E, através da nossa troca de mensagens, revelei-lhe ter havido um bloco reservado a padres, no Campo de Concentração de Dachau, por onde passaram 2720 sacerdotes, 95% dos quais católicos (Pfarrerblock im Konzentrationslager Dachau, ou, em inglês, Priest Barracks of Dachau Concentration Camp). Este é um tema que estou ainda a pesquisar e do qual falarei na minha série. Entretanto, descobri já ter sido publicado um livro (em alemão) sobre este bloco, em 2004, escrito por um sacerdote luxemburguês que lá esteve preso. Deu inclusive origem a um filme com o título Der neunte Tag.

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O Professor Mendo Henriques tem realizado uma Acção de Formação online sobre a relação problemática entre cristãos e judeus e considera tão importante a revelação destes casos, que teve a amabilidade de me convidar como oradora para a próxima sessão deste curso, na quarta-feira, dia 22 (visualização através de Zoom).

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Aqui fica a informação, para quem estiver interessado. A visualização é livre e qualquer pessoa pode pôr questões em relação às contribuições dos oradores. O link está na imagem, mas torno a pô-lo aqui, para ser mais fácil o acesso:

https://videoconf-colibri.zoom.us/j/82771955229

E, last but not least, agradeço ao Pedro Correia por me ter convidado, já há alguns anos, a escrever num dos mais lidos blogues portugueses.

Resistência em alemão (11)

Cristina Torrão, 18.03.23

Dietrich Bonhoeffer

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Imagem Daqui

Dietrich Bonhoeffer nasceu a 4 de Fevereiro de 1906, em Breslau, a sexta criança de oito irmãos, filho do psiquiatra e neurologista Karl Bonhoeffer e da professora Paula Bonhoeffer. Em 1912, a família mudou-se para Berlim, onde o pai se tornou director da clínica neurológica do complexo hospitalar Charité, assim como Professor na Universidade Friedrich-Wilhelm.

Segundo a sua irmã gémea Sabine, Dietrich Bonhoeffer começou cedo a ocupar-se de temas como a morte e a eternidade, na sequência do falecimento do seu irmão Walter, combatente na 1ª Guerra Mundial, e na dificuldade sentida pela mãe em superar o desgosto. Ainda no liceu, escolheu o hebraico como disciplina opcional e, já estudante de Teologia Evangélica, esteve em Barcelona, junto da comunidade alemã. Passou igualmente um ano no Union Theological Seminary, em Nova Iorque, onde contactou com a comunidade negra do Harlem. Regressado à Alemanha, tornou-se Assistente do Teólogo Wilhelm Lütgert na Universidade de Berlim e foi ordenado Pastor Evangélico Luterano.

Ao contrário do entusiasmo que se fazia notar entre os Protestantes alemães, a sua família viu com muita preocupação a tomada do poder pelo Partido Nazi, a 30 de Janeiro de 1933. Apenas dois dias depois, numa dissertação radiofónica intitulada “Metamorfoses do Conceito de Führer" (Wandlungen des Führerbegriffes), Dietrich Bonhoeffer alertava para os perigos do poder absolutista da chancelaria, alegando que o endeusamento de um líder governamental significava o achincalhamento do nome de Deus. Não pôde, porém, concluir o seu discurso, porque lhe interromperam a transmissão. Além disso, estando o seu cunhado Rüdiger Schleicher convencido da aproximação de uma guerra, Dietrich Bonhoeffer fez-se notar, no meio académico berlinense, por declarar que a guerra tornava os cristãos cegos à mensagem de Deus.

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Bonhoeffer com estudantes em 1932

Através do seu amigo Pastor Franz Hildebrandt e de um outro cunhado, Gerhard Leibholz, ambos de origem judaica, acompanhou de perto a perseguição nazi a este grupo étnico-religioso. Viu, no entanto, frustradas as suas tentativas de tornar a defesa dos direitos humanos num dever ecuménico. Protestantes, como Católicos, resistiam a defender os judeus de perseguições.

Depois de uma estadia de ano e meio em Londres, para onde tinham emigrado a sua irmã e o cunhado judeu, e onde Bonhoeffer se ocupou de duas comunidades luteranas de língua alemã, recebeu, de um amigo, um convite para leccionar no Harlem, oferecendo-lhe a oportunidade de se exilar nos Estados Unidos, à semelhança de outros intelectuais alemães que rejeitavam Hitler. Aceitando, num primeiro momento, Bonhoeffer acabou por recusar. Sentia ser necessário exercer oposição no seu próprio país. E, não encontrando apoio no meio clerical, resolveu actuar de própria iniciativa, aliando-se a outras formas de resistência, incluindo a dos meios militares.

Embora não participasse nos planos de altas patentes nazis para assassinar Hitler, sabia desses planos e conhecia as pessoas. Serviu mesmo de intermediário entre elas e apoiantes estrangeiros. Fez viagens à Noruega, Suécia e Suíça. No geral, porém, encontrou pouco interesse, por parte dos Aliados, por essas conspirações. Estes seus movimentos e contactos não podiam deixar de serem notados pela Gestapo e, a 22 de Agosto de 1940, foi proibido de falar em público (o que incluía as suas funções como Pastor Luterano) e, em Março de 1941, foi proibido de escrever e publicar.

Depois de dois atentados falhados a Hitler, a 13 e a 21 de Março de 1943, Dietrich Bonhoeffer e o seu cunhado Hans von Dohnanyi foram presos preventivamente em Berlim, mas funcionários da Justiça, incluindo o juiz Karl Sack, que mais tarde seria preso, conseguiram travar o processo.

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Placa de Homenagem na antiga residência da família, em Berlim - Foto de Axel Mauruszat.Tradução do texto: Casa paterna dos irmãos Klaus e Dietrich Bonhoeffer. Com eles, morreram, na resistência ao nacional socialismo, os maridos das suas irmãs Rüdiger Schleicher e Hans von Dohnanyi, em Abril de 1945

Depois do famoso atentado de 20 de Julho de 1944, perpetrado pelo conde de Stauffenberg contra Hitler (filmado com o título Operação Valquíria e tendo Tom Cruise como protagonista), Bonhoeffer foi interrogado pela Gestapo mas não se conseguiu provar o seu envolvimento. No entanto, tanto este, como a sua implicação noutros planos para derrubar Hitler, foram descobertos, no Outono daquele ano. A Gestapo encontrou, por acaso, papéis e documentos, preparados por Hans von Dohnanyi, descrevendo todas essas conspirações, assim como listagens dos crimes nazis. Dohnanyi organizara esses papéis com o intuito de, quando tivesse oportunidade, esclarecer a população alemã e os Aliados.

A 8 de Outubro de 1944, Bonhoeffer foi preso, junto com o cunhado Dohnanyi, os militares envolvidos nas conspirações (entre eles, o Capitão Ludwig Gehre, o Almirante Wilhelm Canaris e o General Hans Oster) e o juiz Karl Sack. Foram metidos nos calabouços da central da Gestapo em Berlim como “prisioneiros pessoais” de Hitler. A 7 de Fevereiro de 1945, foram transferidos para o campo de concentração de Buchenwald e, no início de Abril, para o de Flossenbürg. A 5 de Abril (a guerra estava quase a acabar), Hitler ordenou a execução de todos os conspiradores ainda vivos do atentado de 1944. Através do prisioneiro inglês Payne Best, que conhecera em Buchenwald, Dietrich Bonhoeffer enviou uma mensagem ao bispo de Chichester George Bell, com quem fizera amizade no seu tempo em Inglaterra:

«Tell him (he said) that for me this is the end but also the beginning. With him I believe in the principle of our Universal Christian brotherhood which rises above all national interests, and that our victory is certain – tell him, too, that I have never forgotten his words at our last meeting».

A 8 de Abril de 1945 foram condenados à morte por enforcamento o Pastor Dietrich Bonhoeffer, o Capitão Ludwig Gehre, o Almirante Wilhelm Canaris, o General Hans Oster e o juiz Karl Sack. Não se fez acta dessa sentença. Foi executada no dia seguinte, 9 de Abril. Nas execuções por enforcamento, os condenados eram obrigados a dirigirem-se nus para o cadafalso. Um médico presente encarregava-se de os reavivar, caso desmaiassem durante a estrangulação, a fim de ser aumentado o seu tempo de martírio.

Dietrich Bonhoeffer foi autor de vários livros de Teologia e Filosofia. Depois da sua morte, também se publicaram novos, recorrendo a vários escritos soltos por ele deixados, como correspondência, homilias e dissertações.

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Imagem Daqui

Tradução da frase da imagem: «A nossa existência cristã só se preservará através de duas formas: na oração e no praticar da Justiça entre os humanos».

Celibato - culpado, ou não?

Cristina Torrão, 12.03.23

Mal rebentou o escândalo da Igreja Católica, em relação aos abusos sexuais de crianças e jovens, logo se apontou o celibato como a causa de todo o mal. Considerei um disparate. O celibato, por si só, não faz de ninguém pedófilo. Há muitos pedófilos casados, com filhos, que não deixam de abusar de crianças, a maior parte das vezes, usando as que têm em casa.

No entanto, depois de alguma reflexão, considero de facto ser indirectamente responsável. A instituição Igreja Católica sempre foi apetecível para homens que não tinham tendências sexuais consideradas normais pela sociedade. Antigamente, havia preconceito em relação a homens que não levavam uma vida como deles era esperado: andar atrás de mulheres, casar, ter filhos. Quantos não teriam decidido tornar-se padres, a fim de acabarem de ser assunto de falatório e, com sorte, poderem dar asas às suas preferências sexuais?

Este era igualmente o caso dos homossexuais, noutros tempos, metidos no mesmo saco das "taras pecaminosas". Felizmente, a homossexualidade deixou de ser crime (não sei se na maior parte, mas em muitos países), desde, claro, que seja praticada de livre vontade, entre adultos. Calculo, ou espero, que isto evite, hoje em dia, muitos homossexuais sem vocação de se fazerem padres. Mesmo protegidos pela "sua" Igreja, eles levavam uma vida clandestina, propensa a comportamentos menos desejáveis (como sempre acontece, quando nos empurram para a marginalidade).

Mas isso seria assunto para um outro postal. O que me levou a escrever este foram os predadores sexuais, que sempre existiram e ainda existem: pedófilos, violadores, etc. Para esses, a vida eclesiástica é ainda apetecível: sabem que podem dar largas às suas práticas e ficarem impunes. Por isso, apesar de não estar directamente relacionado com o celibato, está-o por vias travessas.

O celibato pode bem continuar a existir, mas devia ser voluntário.

 

Nota: sem querer menorizar a gravidade da pedofilia, não esqueçamos que muitos padres usam o seu poder de manipulação, criando dependência espiritual, para violar e abusar de mulheres adultas, freiras ou outras, o que também devia ser alvo de investigação. Quantos podres esconde ainda a Igreja?

 

Blogue da semana

Cristina Torrão, 12.03.23

Hoje chamo a atenção para um blogue de fotografias. O seu conteúdo é a natureza: paisagens e animais. Não sei quem está por trás da designação Noz, mas parece morar no interior Norte.

Neste nosso mundo tão rápido, faz bem fazer uma pausa, descansar os olhos, admirando imagens maravilhosas. Gosto particularmente das fotografias de passarinhos. Mas são todas bonitas.

Noz é o meu blogue da semana.

Resistência em alemão (10)

Cristina Torrão, 04.03.23

OS QUATRO MÁRTIRES DE LÜBECK

4 - Karl-Friedrich Stellbrink

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Imagem daqui

O pastor luterano Karl-Friedrich Stellbrink é o mais polémico dos Mártires de Lübeck, pois começou por apoiar a política de Hitler e filiar-se no NSDAP (Partido Nazi).

Nasceu a 28 de Outubro de 1894 em Münster. Já depois de ter iniciado estudos de Teologia, com formação orientada para missões no estrangeiro, foi alistado, em Fevereiro de 1915, na 1ª Guerra Mundial. Devido a um ferimento grave, cerca de um ano mais tarde, que lhe paralisou a mão esquerda, foi dispensado do serviço militar e colocado em Berlim, a exercer serviço social ligado à Igreja Evangélica Luterana, enquanto concluía os seus estudos.

Casou a 5 de Março de 1921 com a professora Hildegard Dieckmeyer e, mês e meio mais tarde, foi enviado em missão para o Brasil. Exerceu funções pastorais junto das comunidades alemãs, em vários locais do Rio Grande Sul. O casal esteve oito anos no Brasil, país onde nasceram quatro dos seus cinco filhos. Depois de umas férias na Alemanha, no Verão de 1929, Karl-Friedrich Stellbrink resolveu ficar e foi colocado numa pequena comunidade do estado de Thüringen.

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Karl-Friedrich Stellbrink e família

Stellbrink apoiou efusivamente a subida de Hitler ao poder, acreditando numa simbiose vantajosa entre o cristianismo e o nazismo. Para isso, terá contribuído o facto de Hitler, numa primeira fase, sublinhar ser cristão e usar citações bíblicas na sua propaganda. Na Primavera de 1934, Stellbrink mudou-se para Lübeck, onde exerceu as funções de chefe da Igreja Evangélica Luterana daquela cidade. E aqui se deu a reviravolta na sua vida. As razões terão sido de várias ordens, como, por exemplo, as ondas anticlericais que se faziam sentir, tanto a nível do partido, como a nível estatal. Também se geravam conflitos entre a Juventude Evangélica Luterana e a Juventude Hitleriana, à qual os seus filhos pertenciam, mas que acabaram por deixar. E quando, no funeral de uma personalidade nazi de Lübeck, o crucifixo na parede da capela do cemitério foi coberto por uma manta, Stellbrink desligou-se definitivamente do NSDAP. Em 1937, começou a ser vigiado pela Gestapo.

A partir de 1941, tomando conhecimento da eutanásia praticada em relação a cidadãos considerados inúteis, Karl-Friedrich Stellbrink entrou em contacto com o capelão católico Johannes Prassek, envolvendo-se no movimento antinazi da Igreja do Sagrado Coração de Jesus.

Na noite de 28 para 29 de Março (Domingo de Ramos) de 1942, houve um ataque aéreo dos Aliados à cidade de Lübeck, no qual morreram 320 pessoas, ficando 700 feridas e 16.000 desalojadas. Nesse Domingo de Ramos, na missa da “Confirmação” dos jovens luteranos (o equivalente à segunda comunhão dos católicos), o pastor Stellbrink criticou duramente a política do regime. Segundo um relatório da Gestapo, ele terá considerado serem os ataques dos Aliados o castigo de Deus sobre a política nazi.

Passados dez dias, foi preso pela Gestapo. A sua remuneração foi cortada e a sua família isolada, sem qualquer ajuda da Igreja Evangélica Luterana. Junto com os três sacerdotes católicos da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Eduard Müller, Johannes Prassek e Hermann Lange), Stellbrink foi condenado à morte, num processo de três dias, presidido pelo Segundo Senado do Tribunal do Povo de Berlim, que se deslocara a Lübeck para o efeito. Os quatro prelados foram então transferidos para a prisão Holstenglacis, em Hamburgo, onde foram executados pela guilhotina, no espaço de três minutos uns dos outros, a 10 de Novembro de 1943. Só depois da guerra, a 18 de Junho de 1945, a Igreja Luterana decidiu conceder uma reforma por viuvez a Hildegard Dieckmeyer.

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Placa de homenagem aos quatro mártires de Lübeck, na prisão Holstenglacis de Hamburgo

O destino conjunto dos três prelados católicos e do pastor protestante representa, hoje em dia, um papel importante no ecumenismo alemão. Na cerimónia de beatificação dos padres Eduard Müller, Johannes Prassek e Hermann Lange, em 2011, o pastor Karl-Friedrich Stellbrink foi igualmente dignificado pelo cardeal Walter Kasper, que presidiu ao evento.

Porém, Karl-Friedrich Stellbrink permanece polémico. O historiador Hansjörg Buss reclama uma discussão sobre o seu carácter e o seu verdadeiro significado na História alemã, pois classifica-o de nacionalista exacerbado, racista e opositor da democracia. Estando, porém, fora de dúvida ele ter sido uma vítima do terror nazi, há ruas com o seu nome em Hamburgo, Lübeck e outros locais. Além disso, está incluído na ala de homenagem aos Mártires de Lübeck, anexa à igreja do Sagrado Coração de Jesus.

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Ala de homenagem aos Mártires de Lübeck

Resistência em alemão (9)

Cristina Torrão, 18.02.23

OS QUATRO MÁRTIRES DE LÜBECK

3 - Eduard Müller

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Imagem daqui

Eduard Müller nasceu a 20 de Agosto de 1911, em Neumünster, no Norte da Alemanha, o mais novo de sete irmãos. O pai abandonou a família cedo e raramente enviava dinheiro, a mãe teve de sustentar os filhos praticamente sozinha, executando limpezas e lavando roupa para fora. Eduard tornou-se carpinteiro e o capelão Bernhard Schräder de Neumünster resolveu ajudá-lo a realizar o desejo de se tornar padre, arranjando apoio financeiro, através de donativos.

Eduard Müller terminou a sua formação no Seminário de Münster e foi ordenado padre em 1940. A 27 de Agosto desse ano, foi colocado como adjunto na igreja do Sagrado Coração de Lübeck e incumbido da formação de jovens a partir dos 10 anos. Por sua iniciativa, criou-se um espaço de convívio na cave da igreja e, como era muito acarinhado pelos jovens, a Juventude Hitleriana ofereceu-lhe um lugar na sua organização. Eduard Müller recusou, na sua convicção de que o nazismo era incompatível com o cristianismo.

 

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Eduard Müller com um grupo de jovens, em Lübeck

Junto com os colegas Johannes Prassek e Hermann Lange, ouvia as transmissões em língua alemã da BBC, proibidas pelo regime desde 1939. Além disso, participava na cópia e distribuição das homilias do bispo de Münster contra a eutanásia de "vidas inúteis" (velhos, doentes incuráveis e/ou psíquicos, etc.) e organizava reuniões na igreja, onde se discutia a inutilidade da guerra.

Eduard Müller foi preso a 22 de Junho de 1942 e condenado à morte, um ano mais tarde, junto com Johannes Prassek, Hermann Lange e o pastor luterano Karl-Friedrich Stellbrink. A sentença foi executada a 10 de Novembro de 1943, na prisão Holstenglacis, de Hamburgo.

Junto com os seus dois colegas de martírio, Eduard Müller foi beatificado em 2011.

Resistência em alemão (8)

Cristina Torrão, 04.02.23

OS QUATRO MÁRTIRES DE LÜBECK

2 - Johannes Prassek

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Imagem daqui

Johannes Prassek nasceu a 13 de Agosto de 1911, no seio de uma família humilde, em Hamburgo. Estudou Teologia e Filosofia na Escola Superior dos Jesuítas, em Frankurt am Main, e completou a sua formação no Seminário de Münster. Foi ordenado padre a 13 de Março de 1937, em Osnabrück, e, a partir de Março de 1939, foi colocado como capelão na Igreja do Sagrado Coração de Jesus de Lübeck, onde dava aulas de religião e participava na orientação espiritual dos fiéis.

Johannes Prassek era caracterizado como sendo corajoso, foi inclusive homenageado por ter ajudado na evacuação de um hospital destruído pelos bombardeamentos de Lübeck, a 28 e 29 de Março de 1942.

Não escondia a sua rejeição pelo regime nazi. Expressava-a nas suas homilias e, quando lhe diziam que não criticasse o regime tão abertamente, ele respondia: «Alguém tem de dizer a verdade». Nas suas aulas de religião e em conversas, declarava-se contra os planos estatais de eliminação de doentes físicos e mentais, além de criticar o tratamento desumano da população civil dos territórios conquistados pelos alemães. Por ter aprendido polaco no Seminário, dava clandestinamente apoio espiritual a polacos, forçados a trabalhar na fábrica de munições e armamento de Lübeck. Encorajou inclusive jovens polacos, que se conheceram e apaixonaram na Alemanha, a viverem em comum, mesmo sem casamento, pois ele estava impedido de os casar. Na sequência deste seu comportamento, celebraram-se, depois do fim da guerra, muitos casamentos entre polacos, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Lübeck.

Depois de o seu domicílio ser revistado, a 28 de Maio de 1942, foi detido pela Gestapo, com o fundamento de divulgar as homilias do bispo Clemens August Graf von Galen, assim como ser má influência para soldados. Esteve cerca de ano e meio em prisão preventiva, junto com os padres Eduard Müller e Hermann Lange e o pastor luterano Karl-Friedrich Stellbrink. Depois de um processo dirigido pelo Segundo Senado do Tribunal do Povo de Berlim, deslocado a Lübeck, foi condenado à morte. Um pedido de clemência por parte do seu bispo Hermann Wilhelm Berning (que incluía os outros dois padres católicos), foi recusado.

Johannes Prassek foi executado pela guilhotina, a 10 de Novembro de 1943, na prisão Holstenglacis, em Hamburgo. Junto com os seus dois colegas de martírio, foi beatificado a 25 de Junho de 2011 por Bento XVI.

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Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Lübeck, Klaus Kegebein - Eigenes Werk, CC BY-SA 4.0

Além de vários centros paroquiais com o seu nome, no Norte da Alemanha, o beato Johannes Prassek é o patrono de uma grande paróquia da arquidiocese de Hamburgo (formada com a junção de cinco antigas paróquias). Também um parque no bairro hamburguês de Barmbek-Süd foi inaugurado, com o seu nome, em 2011.

Momento publicitário (2ª parte)

Cristina Torrão, 02.02.23

Não resisto a deixar aqui o link da RTP Play para o 10º episódio da série documental Duplas à Portuguesa, transmitido ontem. É dedicado à dupla Afonso Henriques e Egas Moniz.

Infelizmente, não tem direitos de transmissão para o estrangeiro, só poderei ver o programa no próximo dia 7, na RTP Internacional.

https://www.rtp.pt/programa/tv/p42647/e10

 

Momento publicitário

Cristina Torrão, 24.01.23

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Não sei se já ouviram falar na série documental Duplas à Portuguesa, que costuma passar na RTP2, às quartas-feiras, pelas 22:50 horas. O 10º episódio, dedicado à dupla D. Afonso Henriques/Egas Moniz, vai para o ar no próximo dia 1 de Fevereiro.

A 13 de Julho de 2021, desloquei-me ao Museu Soares dos Reis, no Porto, a fim de ser entrevistada sobre essa dupla, para essa mesma série. A entrevista durou cerca de uma hora, mas deduzo que apenas alguns momentos serão mostrados, pois são entrevistadas várias pessoas sobre cada tema.

E era isto. Se pudessem ver, agradecia.

Emigrantes

Cristina Torrão, 23.01.23

Tiago Pinto Pais, editor do PT-Post, jornal português na Alemanha, na edição nº 341, Novembro 2022:

Na sexta-feira passada calhou conhecer, no âmbito de uma actividade profissional prestada a uma empresa lituana com actividade em Berlim, um jovem português que se mudou recentemente para a capital alemã. A equipa com que participou na actividade em causa conta com 16 elementos, que se dedicam exclusivamente à gestão das obrigações de protecção de dados dos utilizadores de uma aplicação. Em Portugal, o Paulo era o único elemento da empresa em que trabalhava encarregado de garantir o mesmo, com a consequência, bem conhecida no país, de extensas horas de trabalho adicionais sem lugar a qualquer tipo de remuneração. Em Berlim, aufere o triplo do salário líquido face à remuneração que obtinha no Porto. Como tal, refere-se com relativa indiferença às rendas elevadas nas cidades alemãs porque, no final de contas, a remuneração líquida disponível após o pagamento de despesas de habitação continua a ser, em termos comparativos, muito superior àquela que restaria na cidade do Porto.

(…)

Seria bom conhecer um governo português que se preocupasse em promover o investimento e o crescimento, em vez de motivar os seus cidadãos a procurar melhor sorte noutras paragens. No final de contas, o malvado do Passos Coelho já deixou de governar o país há 7 anos…

Pensamento da semana

Cristina Torrão, 22.01.23

«Portugal detesta corrupção, mas os portugueses adoram "cunhas" (...) O amigo polícia que safou a multa, (...) o emprego que se conseguiu na função pública naquele concurso arranjado (...) Alguém duvida que o indivíduo que usa o amigo das Finanças para não pagar a multa por entregar o IRS fora de prazo, seria um corrupto da pior espécie se tivesse condições para isso?»

Gonçalo Galvão Gomes, cronista do PT-Post (jornal português na Alemanha), no n.º 342, Dezembro 2022

Da pior espécie, não sei. Mas, corruptos, quase de certeza.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana

Resistência em alemão (7)

Cristina Torrão, 21.01.23

OS QUATRO MÁRTIRES DE LÜBECK

Lübeck era uma das mais importantes cidades da Liga Hanseática. Na primeira metade do século XX, tornou a ganhar destaque por ter sido a cidade-natal de Thomas Mann, sendo igualmente lá que o escritor nobelizado situou a família Buddenbrook, protagonista do seu romance mais famoso.

Foi igualmente em Lübeck que três padres católicos e um pastor luterano, opositores do nazismo, exerceram funções. Viriam a ser executados, a 10 de Novembro de 1943, pela guilhotina, em Hamburgo, no espaço de apenas três minutos uns dos outros. Estes e mais exemplos, dos quais falarei nesta série, mostram que, se a Igreja Católica se manteve, oficialmente, distante dos crimes nazis, muitos dos seus membros opuseram-se abertamente, pagando com a própria vida.

1 - Hermann Lange

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Imagem daqui

Hermann Lange nasceu a 16 de Abril de 1912, em Leer, uma pequena cidade no Norte da Alemanha. Nos tempos de liceu, pertenceu à organização católica Bund Neudeutschland e cedo decidiu tornar-se padre. Estudou no Seminário de Münster e, a 17 de Dezembro de 1938, foi ordenado na Catedral de Osnabrück. Meio ano mais tarde, foi colocado em Lübeck, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, a mais importante da cidade, onde foi nomeado vigário.

Sempre expressou antipatia pelo nazismo denunciando, em encontros clandestinos, os crimes de guerra dos alemães. Distribuía folhetos com textos críticos ao regime, como as homilias do bispo de Münster, Clemens August Graf von Galen. E sabe-se que, junto de jovens soldados, dizia ser a participação na guerra incompatível com a fé cristã.

As suas actividades não ficaram despercebidas. Foi denunciado e a Gestapo revistou a sua casa, sendo preso a 15 de Junho de 1942, assim como mais dois padres católicos pertencentes à mesma igreja (Eduard Müller e Johannes Prassek), o pastor luterano Karl-Friedrich Stellbrink e vários leigos, acusados de colaborarem com eles.

De uma carta sua, escrita na prisão, é conhecido o seguinte extracto:

«Aguardo, com muita calma, os acontecimentos futuros. Quando nos entregamos totalmente à vontade de Deus, gere-se um maravilhoso sossego e a certeza da Sua proteção (…) Somos apenas ferramentas nas mãos de Deus. Se Deus quer a minha morte - que se realize o seu desejo» (tradução minha, do alemão).

Depois de um ano de prisão preventiva, foi decidida a sua execução, num processo de três dias, presidido pelo Segundo Senado do Tribunal do Povo de Berlim, que se deslocara a Lübeck para o efeito. Ele e os outros três prelados foram então transferidos para a prisão Holstenglacis, em Hamburgo, onde foram executados, a 10 de Novembro de 1943. As últimas palavras de Hermann Lange, dirigidas ao confessor prisional, foram: «Até ao feliz reencontro no céu. Transmita as minhas saudações à minha querida gente de Lübeck e aos meus conterrâneos de Leer».

O corpo de Hermann Lange foi cremado e a urna esteve, durante muito tempo, por baixo de uma placa de vidro, no chão da Igreja do Sagrado Coração de Lübeck. Em Outubro de 2013, foi inaugurada uma ala de homenagem aos mártires de Lübeck, anexa à igreja, que esclarece sobre a situação política e eclesiástica da altura, os quatro prelados e os leigos que com eles foram acusados.

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Espaço de homenagem aos quatro mártires, anexo à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lübeck

Hermann Lange e os seus dois colegas foram beatificados por Bento XVI, a 25 de Junho de 2011. Na cerimónia, em Lübeck, foi incluído o pastor protestante Karl-Friedrich Stellbrink, referindo-se ser merecedor de igual veneração, apesar de não poder ser beatificado pela Igreja Católica (está naturalmente incluído no espaço de homenagem).

Também na Igreja de São Miguel, em Leer, cidade-natal de Hermann Lange, foi criado um local de homenagem aos quatro mártires, em 2015. Em Lübeck, Leer, Papenburg e Hamburgo existem ruas com o nome de Hermann Lange. No adro da Igreja de Santo António, em Lohne, onde este padre exerceu funções em 1939, foi erguida uma estátua sua em 2010.

Resistência em alemão (6)

Cristina Torrão, 07.01.23

Kurt Huber

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Kurt Ivo Theodor Huber nasceu a 24 de Outubro de 1893 em Chur, na Suíça, mas a sua família emigrou para Estugarda, era ele ainda criança. Depois da morte do pai, na altura em que Kurt acabou o liceu, a mãe foi com os filhos para Munique. Kurt Huber formou-se em Musicologia e Filosofia na Universidade Ludwig-Maximilian, tendo, mais tarde, concluído igualmente o curso de Psicologia.

Em 1926, começou a leccionar Filosofia nessa Universidade, ao mesmo tempo que se dedicava à pesquisa da música folclórica e tradicional alemã, tornando-se especialista neste ramo. Em 1937, passou a ter a seu cargo o departamento de Música Folclórica do Instituto de Musicologia de Berlim. Um ano mais tarde, porém, o regime nazi recusou-lhe um lugar de Professor na Universidade da capital. O pretexto seriam mazelas físicas, nomeadamente, uma paralisia parcial na face, consequência da difteria de que sofrera em criança. Razões políticas estariam, contudo, na origem da recusa, pois havia denúncias a apontá-lo muito ligado ao Catolicismo e com tendência para criticar o Partido Nazi.

Kurt Huber era um nacionalista conservador, mas, ao mesmo tempo, opositor de Hitler, na medida em que rejeitava a guerra e a conquista de território como métodos de elevar a nação alemã. As suas críticas em relação ao Führer tinham já chegado aos ouvidos dos mais altos quadros académicos e o regime mantinha-o debaixo de olho.

Desiludido, Kurt Huber regressou a Munique e retomou as aulas de Filosofia, na Universidade Ludwig-Maximilian. Numa nova avaliação do regime, a 18 de Janeiro de 1940, é considerado “duvidoso”, mas não “caso perdido”. Talvez por isso ele ingresse no Partido Nazi, em Abril desse ano, conseguindo, finalmente, tornar-se Professor Catedrático.

Nas suas aulas, porém, não deixou de lançar, de vez em quando, comentários irónicos ou depreciativos em relação ao regime. Isso mesmo notou Sophie Scholl, que, em 1942, ingressou na Universidade Ludwig-Maximilian, a fim de estudar Filosofia e Biologia. O irmão Hans frequentava o curso de Medicina, assim como Alexander Schmorell, Christoph Probst e Willi Graf, os fundadores do grupo Weiße Rose. Animados por Sophie, assistiram a algumas aulas de Kurt Huber e logo sentiram ele ser “um deles”, como Hans Scholl confidenciou a Inge, a sua irmã mais velha: «Apesar de já começar a ter brancas, ele é um de nós.»

Kurt Huber foi-se envolvendo com o grupo Weiße Rose, apesar de haver hesitado durante bastante tempo. Por um lado, não acreditava que os panfletos tivessem grande efeito na sociedade alemã, sendo, em proporção, o risco elevado demais. Por outro, na sua mente conservadora, não lhe agradava o esquerdismo do grupo, chegou mesmo a apelidá-lo de comunista. No entanto, concordou em fazer a revisão do quinto panfleto, escrito por Hans Scholl e Alexander Schmorell, acrescentando-lhe frases de sua autoria. Participou igualmente na redacção do sexto panfleto, o último que o grupo distribuiu, pois os irmãos Scholl foram descobertos a fazê-lo, a 18 de Fevereiro de 1943. Kurt Huber foi preso a 27 desse mês, já Hans, Sophie e Christoph Probst tinham sido executados. Em sua defesa, perante o tribunal que o condenou à morte, a 19 de Abril de 1943, o Professor disse:

«As minhas acções e intenções serão justificadas no inevitável curso da História; acredito firmemente nisso. Deus permitirá o desabrochar, no meu próprio povo, da força interior que reivindicará os meus feitos. Fiz aquilo que a minha voz interior me ditou» (tradução minha, do inglês).

Kurt Huber foi executado pela guilhotina a 13 de Julho de 1943.

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Pormenor da placa de homenagem a Kurt Huber na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique

Hans Scholl, Sophie Scholl, Alexander Schmorell, Christoph Probst, Willi Graf e o Professor Kurt Huber foram os seis que pagaram com a vida o envolvimento no grupo Rosa Branca. Outros colaboradores e colaboradoras foram condenados a penas de prisão entre um e dez anos.

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Homenagem ao grupo Weiße Rose na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique

Haveremos de ser, para sempre, o povo odiado e rejeitado pelo resto do mundo?

(„Sollen wir auf ewig das von aller Welt gehasste und ausgestossene Volk sein?“)

Frase contida no quinto folheto distribuído pelo grupo Weiße Rose.

Blogue da semana

Cristina Torrão, 01.01.23

Palavras Cruzadas é dos blogues mais antigos do nosso país, existe desde 2006. É um blogue generalista, nas palavras da própria autora, Belinha Fernandes: O seu conteúdo é variado. Nele se cruzam palavras com tudo o que cruza a minha imaginação. Desde a política às artes, passando pelo desporto, reflexões de todo o tipo e mesmo receitas, Belinha Fernandes dá-nos textos interessantes, mesmo não sendo especialista no assunto em questão (o que ela própria assume, se for caso disso). O charme está no cunho pessoal e no despretensiosismo.

Resistência em alemão (5)

Cristina Torrão, 17.12.22

Willi Graf

Willi Graf - Placa de homenagem na casa onde nasce

Placa de homenagem a Willi Graf com foto, na casa onde nasceu

Wilhelm „Willi“ Graf nasceu a 2 de Janeiro de 1918 em Euskirchen, mas a família mudou-se para Saarbrücken quatro anos depois, onde o pai Gerhard Graf tomou conta de uma quinta pertencente à paróquia de São João. A família era muito ligada à Igreja, Willi Graf ajudou à missa e pertenceu a uma organização de Juventude Católica chamada Bund Neudeutschland, proibida assim que o Partido Nazi alcançou o poder. Em 1934, Willi Graf ingressou numa outra organização católica, a Grauer Orden, abertamente crítica do regime e também proibida, mas que sobreviveu vários anos na clandestinidade, dividida em pequenas unidades regionais.

Willi Graf recusou ingressar na Juventude Hitleriana, apesar de o terem ameaçado de, nesse caso, não lhe permitirem acabar o liceu. Também não se deixou convencer, quando lhe propuseram que ingressasse apenas para manter as aparências. O jovem manteve-se firme nas suas convicções e conseguiu concluir os estudos liceais, de maneira a poder iniciar o curso de Medicina, em Bona, no Outono de 1937.

Em 1938, foi preso, junto com outros elementos da Grauer Orden. Algumas semanas mais tarde, porém, beneficiou de uma amnistia na sequência da anexação da Áustria. Quando rebentou a guerra, foi alistado. Serviu a Wehrmacht (exército alemão) até 1942 como socorrista e médico auxiliar na Bélgica, França, Jugoslávia e União Soviética, assistindo a muitas atrocidades. Segundo a sua irmã Anneliese, estas experiências despertaram nele a convicção de que teria de agir.

Willi Graf Soldado.JPG

https://www.literaturland-saar.de/themen/willi-graf-briefe-tagebuecher/willi-graf-briefe-und-tagebuecher/

Em Abril de 1942, foi transferido para a Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique, onde entrou em contacto com Hans e Sophie Scholl, tornando-se num elemento activo do grupo Weiße Rose. Na primeira metade de Fevereiro de 1943, além da distribuição dos folhetos, Willi Graf, Hans Scholl e Alexander Schmorell pintaram em vários edifícios de Munique palavras de ordem, como “Abaixo Hitler” e “Hitler assassino em massa”.

Quando, a 18 de Fevereiro, os irmãos Scholl foram descobertos a distribuir os folhetos e entregues à Gestapo, Willi Graf e a sua irmã Anneliese foram igualmente presos, passadas poucas horas. Anneliese, porém, nada tinha a ver com o Weiße Rose (nem sequer sabia que o irmão pertencia ao grupo) e foi libertada. Ele foi condenado à morte a 19 de Abril de 1943, mas, ao contrário dos irmãos Scholl e de Christoph Probst, a sentença não foi imediatamente cumprida. Durante seis longos meses, a Gestapo submeteu-o repetidamente a interrogatórios, na esperança de conseguir extorquir-lhe nomes de outros “traidores”. Willi Graf acabou por ser executado pela guilhotina a 12 de Outubro de 1943. Foi sepultado em Munique, mas, a pedido da família, os seus restos mortais foram trasladados para Saarbrücken, onde, a 4 de Novembro de 1946, foram depositados num túmulo de honra, no cemitério de São João.

Em 1999, Willi Graf foi inserido no Martirológio Católico do século XX. A 27 de Dezembro de 2017, a diocese de Munique-Freising anunciou considerar a sua beatificação e a 1 de Novembro de 2018, foi inaugurado o sino Willi Graf na Igreja de Santa Elisabete, em Saarbrücken.

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https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=74050872

Além de vários liceus e ruas, têm o nome de Willi Graf: um lar de estudantes em Munique, um lar de idosos em Saarbrücken, um centro de formação para famílias em Neuss e um centro de convívio para jovens em Ludwigshafen am Rhein.

Terminada a guerra, a irmã Anneliese Knoop-Graf dedicou-se intensivamente a analisar a vida, o pensamento e a acção de Willi Graf, através dos diários dele, entre outras fontes. O seu trabalho em prol do estudo da resistência alemã ao nazismo valeu-lhe um doutoramento Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Karlsruhe. Anneliese Knoop-Graf também instituiu o Prémio Willi Graf no Liceu Irmãos Scholl de Münster, conferido anualmente a finalistas que se destaquem pelo seu desempenho.

 

Nota: Não publicarei o próximo "postal" desta série a 31 de Dezembro, véspera de Ano Novo. Ela será retomada a 7 de janeiro de 2023.

A Fé possível

Cristina Torrão, 12.12.22

2022-12-11 Stanislaw Szyrokoradiuk bispo de Odessa

Da Leitura do Primeiro Domingo do Advento:

«Ele será o juiz entre as nações e o árbitro nas questões entre os povos. Então eles hão-de converter as suas espadas em arados e as suas lanças em foices. Nenhum povo levantará a espada contra outro, nem voltarão a ser treinados para a guerra.»

(Is 2,4)

O Jornal Católico da Diocese de Hildesheim (nº 47, de 27 de Novembro de 2022), entrevistou Stanislaw Szyrokoradiuk, bispo de Odessa, a propósito destas visões do Profeta Isaías. E, quando o pontífice se vê confrontado com a necessidade de confortar os seus fiéis, admite:

«Na teoria, as palavras soam bem. Na prática, é, no momento, difícil falar sobre estes textos».

Mais adiante:

«O que aqui se passa é genocídio. É uma guerra diabólica. Sem motivo! A Ucrânia nunca prejudicou a Rússia (…) Já correu tanto sangue. Tanto ódio, tantas mortes, tantas ruínas, tantas lágrimas».

Quanto à probabilidade de os ucranianos terem de aguentar um Inverno sem electricidade e aquecimento:

«As pessoas compreendem porque temos de pagar um preço tão alto. Lutam pela nossa liberdade. Preferem passar agora estas dificuldades do que tornarem-se escravas da Rússia».

«Todos os padres de Odessa ficaram, também todas as freiras. Ninguém abalou. Este é um sinal para a nossa gente: resistimos - juntos».

 

Nota: a tradução das palavras de Stanislaw Szyrokoradiuk, a partir do alemão, é de minha autoria. O extracto bíblico é copiado de A Bíblia para todos: Edição Comum, LBE - Loja da Bíblia Editorial Lda. © 1993, 2009 Sociedade Bíblica de Portugal