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O cinema português está novamente de parabéns. O filme “Desventuras em Bragança”, o drama de uma tia e seu sobrinho ciganos, foi galardoado com o prémio Bolsonaro, na categoria de melhor argumento original. É sabido que este prémio não é apreciado pelos vultos da cultura, mas não deixa de ter impacto internacional. Aqui um resumo da fita:
A tia e o sobrinho têm um breve momento de fama, num evento organizado por um político compincha e generoso, muito amigo dos pobres e com coragem suficiente para organizar um jantar com 170 pessoas, em plena crise pandémica, com ambulâncias a formarem filas às portas dos hospitais.
O arrependimento dos dois constitui a primeira surpresa nesta intricada trama. A tia publica nas redes sociais um pedido de desculpas pelas ofensas involuntárias, considerando ter existido “um mal-entendido”, pois o que ela queria dizer era “que todos deveríamos trabalhar e contribuir com os impostos para o bem de todos, quer fosse de etnia cigana ou não”.
A segunda reviravolta nos acontecimentos é ainda mais dramática. Num vídeo pessoal gravado horas depois do sucedido, o sobrinho confessa não ser cigano e garante ter sido convidado a aparecer na sede quando “já estava na cama”. E relata: “O segurança do senhor Ventura agarrou-me pelo braço e meteu-me lá dentro (…) Entrei porque me agarraram”. Pede desculpa aos ciganos por toda a polémica criada e confessa ter muitos amigos daquela etnia, alguns dos quais, admite, até já estiveram com ele na cadeia. “O que gosto é de fumar um porro [charro] de erva e estar com os amigos tranquilamente” (...) “Oxalá me tivessem pagado. Se soubesse antes que ia ter mil pessoas a ameaçarem-me no Facebook, teria pedido cinco mil euros…”.
A animar o enredo, surge ainda um empresário, piloto nas horas vagas, o verdadeiro galã da fita, simpatizante do tal político e garantindo que votaria nele, se pudesse. Não lhe será, contudo, possível, por a sua residência fiscal ser em Marrocos, onde tem uma empresa de relvas desportivas.
Assim que seja possível estrear a fita, quem arranjar entrada para o empolgante evento, fica automaticamente inscrito no sorteio de um batom preto. Entretanto, pode aceder-se a mais pormenores desta história mirabolante, incluindo o vídeo pessoal do sobrinho, clicando no link dado. Vai ver que não se arrepende!
Daniel Craig
«Quanto às presidenciais de Janeiro em Portugal: porque é que os 1,4 milhões de eleitores portugueses que vivem fora de Portugal não podem votar por correspondência nas presidenciais? Só na Alemanha há mais de cem mil portugueses que, para votar, são obrigados a fazê-lo presencialmente numa rede consular esparsa e mal equipada e a deslocar-se centenas de quilómetros para entregar o seu voto. Obviamente, a maioria abstém-se. Nas últimas presidenciais, de acordo com a Pordata, a abstenção dos eleitores portugueses no estrangeiro foi de 99%. Porque se recusa o governo a legislar para possibilitar o voto postal e porque se mantém tão discreto neste assunto o actual presidente da República?»
Miguel Szymanski, PT-Post (jornal português na Alemanha) nº 317, Novembro 2020
«Nesta eleição, teremos de nos deslocar presencialmente aos consulados e muita gente terá que fazer centenas de quilómetros para votar. Os consulados não são, na sua maioria, espaços de grande dimensão e, por isso, antevê-se um processo que, com as normas de distanciamento social, poderá demorar mais tempo do que o habitual. A juntar-se a isto, temos que ter em conta que Janeiro é o pico do Inverno em muitos países, onde as comunidades portuguesas estão mais concentradas e não menos importante, muitos desses países têm restrições de mobilidade por causa do Covid, que poderão condicionar severamente, ou até mesmo impedir, as deslocações aos consulados. A receita terá o resultado que toda a gente sabe: um recorde de abstenção por parte dos portugueses a viver fora de Portugal, onde esta já é tradicionalmente elevada».
Gonçalo Galvão Gomes, cabeça-de-lista do PAN ao círculo Europa nas eleições legislativas de 2015 e 2019, PT-Post nº 318, Dezembro 2020
O disparate de não podermos votar por correspondência aumenta de dimensão em tempos de pandemia. O consulado de Hamburgo, por exemplo, além de não ser espaçoso, fica num 4º andar. Em caso de grande afluência, como organizar a fila de espera?
E porque só aos cidadãos recenseados em território nacional é dada outras possibilidades como o voto antecipado? No fundo, isto é uma forma de discriminar e não deve estar de acordo com a Constituição. Moramos no estrangeiro, mas temos nacionalidade portuguesa, temos um Cartão de Cidadão como qualquer um de vós. Não temos os mesmos direitos?
Justin Timberlake
- Não te esqueças de pôr no saco o livro que estou a ler. Ah, e traz-me algo para escrever.
- Para escrever?
- Sim, uma esferográfica e um bloco, ou um caderno. Pode apetecer-me tomar umas notas.
Sorri, ao telefone. Ele não viu, os nossos telemóveis são antigos, não permitem videochamadas. Sorri para mim, porque achei a ideia boa.
Cheguei ao hospital. Em frente à porta, estava um segurança, sentado a uma secretária, com a sua máscara. Covid oblige. Em tempos normais, entra-se livremente, nem sequer há horas para visitas. Também já lá fui a consultas, ou fazer exames médicos. Se soubermos o caminho, nem sequer precisamos de nos anunciar na recepção.
- O que deseja?
- Venho trazer este saco para o Sr. Neumann.
- Ah, então pode dirigir-se ali à recepção.
A funcionária da recepção pôs uma etiqueta no saco de viagem com o nome do meu marido e o número do quarto. Agradeci e dirigi-me à saída. A minha visita ao hospital não tinha durado cinco minutos. Nem sequer tive de pagar estacionamento. Enfiei o cartão na máquina e ela devolveu-mo, com a indicação de que estava validado para a saída. O carro não estivera tempo suficiente no parque para que começasse a cobrar taxa.
Não vejo o Horst desde quinta-feira de manhã, quando ele saiu para o trabalho, pelas 7h15m. Estava ainda escuro e a temperatura andava à volta de um ou dois graus positivos. Havia uma chuva fraca, misturada com um pouco de neve, mas o piso não parecia escorregadio. Ainda assim, achei que ele não devia ir de bicicleta, apesar de ele ser cuidadoso e estar habituado a andar naquelas condições. Os serviços camarários espalham areia e sal nas ruas, nos passeios e nas ciclovias.
Ele saiu para o lajedo do jardim.
- Não há gelo no chão.
Por vezes, é mais perigoso, quando só algumas pequenas áreas estão escorregadias e o resto não. E, desta vez, a coisa não correu mesmo bem. O Horst só andou quinhentos metros. A bicicleta escorregou, ele deu um valente tombo, caiu estatelado. Ligou-me atordoado, conseguira levantar-se, mas tinha dores e não podia mexer a perna direita. Já tinha ligado para a Emergência, pediu-me para ir buscar a bicicleta, quando pudesse.
Estava ainda a arranjar-me, demorei cerca de meia hora a chegar ao local. Já não havia sinal dele, nem da ambulância, apenas lá estava a bicicleta.
Passado duas horas, ligou-me a dizer que já não saía do hospital. Tinha fracturado o fémur direito e iria ser operado nesse mesmo dia. E visitas, em tempo de pandemia, estão fora de questão.
Felizmente, tem corrido tudo bem e a preocupação inicial desapareceu. Hoje, quando lhe liguei, ao início da tarde, disse-me que estava a escrever. Perguntei-lhe o quê.
- Tudo o que me aconteceu, desde o dia 7. O acidente, o hospital, a operação, tudo de que me lembre.
Tornei a sorrir. Imaginei-o a escrever à moda antiga, a esferográfica a deslizar sobre a folha do caderno que lhe meti no saco. A única tecnologia que o Horst tem com ele é um telemóvel comprado há sete ou oito anos. Não quis que lhe levasse o tablet, não usou a internet, desde que entrou no hospital. E, ao contrário de mim, é alérgico a redes sociais.
Escrever é ganhar distância daquilo que nos está a moer por dentro. Doenças, acidentes, estadias hospitalares fazem parte da vida. A ideia de passar uma esponja sobre aquilo que nos corre mal é uma ilusão. Esquecer é impossível. E, de vez em quando, lá torna a vir tudo ao de cima. Nós tornamos a empurrar para baixo e é tão esgotante, que ficamos mal dispostos, violentos; ou queixosos, impossíveis de aturar.
Escrever não cura, mas alivia, ajuda a suportar, ajuda a fazer as pazes com a vida, mesmo quando ela nos prega partidas. E bem hajam vocês que leram estas palavras!
A demência total legitimada por um (ainda) Presidente psicopata
Lewis Tan
Robert Downey Jr.
Contrariando os planos de vacinação da UE, a Hungria começa a vacinar este sábado, anuncia o Sapo 24.
Porém, aqui no Delito estamos em condições de informar que a Alemanha também já começou. A primeira pessoa que foi vacinada chama-se Edith Kwoizalla, tem 101 anos de idade e habita num lar de idosos.
A Alemanha começa com as vacinas nos lares (utentes e trabalhadores). Só depois vêm os profissionais de saúde.
Adenda a 27-12-2020: Os profissionais de saúde especialmente expostos ao vírus também têm prioridade.
Para todos os que acharam não haver mal nenhum na “montaria” levada a cabo na Torre Bela, ou porque alegam gostar muito de carne, ou porque logo apelidam de animalista quem se insurge sobre excessos deste tipo, venho esclarecer o seguinte:
Os responsáveis pela quinta já se vieram distanciar:
O Ministro do Ambiente também já reagiu:
E a empresa espanhola organizadora da “montaria” já se escondeu (como aliás é apanágio dos cobardes):
Há caçadores e caçadores. Os dignos desse nome primam por respeitar regras e a ética ligada à actividade cinegética. Pelos vistos, em Portugal, continua a reinar a lei da selva.
A selva é um sítio muito bonito. Mas deixou de ser apropriado para nós humanos. É mais adequado a animais que não evoluíram.
Idris Elba
“Métodos que levaram à morte de Ihor não são caso isolado”, alerta Amnistia Internacional.
A dire(c)tora de Investigação e Advocacia da Amnistia Internacional Portugal conta ao JE que existe um “problema sistémico” e “um padrão de abusos dentro” das estruturas do SEF. “Há muitos anos que existem relatos de uso de força excessiva, agressões e maus-tratos”, denuncia.
Por todo o Facebook existem milhares de imigrantes brasileiros, angolanos, venezuelanos, ucranianos, agrupados em comunidades virtuais. Lá dentro abundam as reclamações, as sugestões e o medo.
Sobretudo o medo. Falam de racismo, xenofobia e até de agressões, mas a maioria não se sente à vontade para revelar o nome publicamente.
Eles até batiam em alguns. Homens principalmente. Torturavam-nos para dizerem as coisas.
E pensar que vivemos num país pertencente à União Europeia, um país não-racista, respeitador dos Direitos Humanos...
Matthew McConaughey
Mercado de Natal em 2010 - Stade
Por altura do 1.º Domingo do Advento (que este ano foi a 29 de Novembro), arrancam os Mercados de Natal, na Alemanha, prolongando-se até aos dias 22 ou 23 de Dezembro. É uma grande tradição, que, além de inaugurar a época natalícia, vem trazer luz e calor num clima extremamente agreste. Em Dezembro, começa a escurecer pelas três e meia da tarde. E, se o céu estiver nublado, nem chega bem a clarear, durante todo o dia. A isto se juntam temperaturas normalmente negativas. No caso de haver positivas, raramente sobem acima dos 5ºC.
Por isso, todos os anos, as pessoas aguardam ansiosamente os Mercados de Natal, onde, além dos enfeites e quinquilharias natalícias, se encontram comes e bebes e onde o Glühwein é rei (vinho quente com especiarias). Para as crianças, ou adultos que não queiram ou não possam beber álcool, há ponche quente de sumo de frutas, também com especiarias. Até se aprecia o frio cortante, os alemães costumam dizer que o Glühwein só sabe bem, quando está um frio de rachar. E têm razão.
Brindar com Glühwein, no Mercado de Natal (Philipp von Ditfurth/dpa)
Assim se enchem os centros das cidades de calor humano e convívio. Raramente, os alemães são tão extrovertidos como nos Mercados de Natal. Também há vários palcos espalhados pelo recinto e Stade, onde vivo, não é excepção. O Horst e eu costumamos actuar com o nosso coro Gospel. O público aplaude eufórico, o que nos aquece os corações, mesmo sabendo que muitas das pessoas talvez o faça apenas por já estarem com um grão na asa.
Este ano, não há Mercados de Natal. Apesar de alguma iluminação e uma ou outra árvore enfeitada, os centros citadinos estão vazios. Dezembro parece que custa mais a passar, as pessoas andam tristes. Em Janeiro, os dias são igualmente curtos, mas o facto de estarem a crescer e de se ter iniciado um novo ano, tem um efeito psicológico benéfico. Em Dezembro, são os Mercados de Natal que costumam afugentar as depressões de Inverno.
E a situação vai piorar. O governo decidiu hoje um lockdown total a partir da próxima quarta-feira, ou seja, além dos restaurantes, já fechados desde o início de Novembro, vão fechar todas as lojas (à excepção de supermercados e farmácias) e as férias de Natal começam mais cedo, a fim de se fecharem as escolas. Nos festejos familiares, apenas se podem juntar, no máximo, quatro pessoas a um agregado familiar. E os revellions foram proibidos, assim como ajuntamentos ao ar livre (muitos alemães costumam ir para a rua lançar foguetes, à meia-noite, um pretexto para se formarem ajuntamentos, com muito álcool à mistura).
À semelhança do que se passa no resto do mundo, a situação nunca esteve tão má, apesar das restrições impostas desde o início de Novembro. Não trouxeram o efeito desejado, pelo contrário: batem-se recordes de números de infectados, na passada sexta-feira, quase se atingiram os 30.000! Se não se encontrar um travão, os hospitais podem mesmo entrar em colapso, no país com um dos melhores sistemas de saúde do mundo.
Mesmo com a vacinação planeada, as pessoas não conseguem ver a luz ao fundo do túnel. Todos temos ainda na memória as imagens do papa Francisco praticamente sozinho, na celebração da Sexta-Feira Santa. Nessa altura, não imaginávamos que as imagens natalícias seriam ainda mais tristes.
Matt Damon
Colin Farrell
Cheguei a este blogue através de um destaque na página Sapo. E gostei do que vi. A jornalista Sofia Craveiro apresenta temas de discussão sem recorrer a linguagem ofensiva e extremismos. A Insolente é, por isso, a minha escolha para blogue da semana.
Durante a peste de Coimbra, em 1477-79, resolveram os do Porto estabelecer um cordão sanitário em torno da sua cidade, que vedava a entrada a todos os que viessem de Coimbra. Tendo-se notado casos de peste numa rua portuense, em 1486, foi resolvido entaipar a dita rua e isolar os respectivos moradores. Outras vezes, em princípio de epidemia levavam-se todos os doentes para lazaretos especiais fora dos muros da cidade. Havendo notícia de peste no estrangeiro, impedia-se a entrada nas fronteiras ou submetiam-se a quarentena passantes e navios.
(…)
Isto sem falar de precauções de carácter geral: abstenção de prazeres sexuais; moderação no comer e no beber; «evitar o banho de cada dia»; fuga a ajuntamentos e contactos com pessoas; uso e abuso da água com vinagre para lavar as mãos, a cara e o interior das casas; permanência dentro da habitação tanto quanto possível, etc.
(…)
Recomendava-se, em qualquer caso, que se bebessem fortes doses de vinagre e líquidos avinagrados.
(pp. 122 a 124)
Leríamos este texto de modo diferente, se o tivéssemos feito há um ano. Teríamos compaixão pelas pessoas medievais e dávamos graças a Deus (ou a quem se queira) por vivermos numa época livre de pestes e epidemias. Aliás, este ponto de vista é latente em certas passagens deste capítulo, dedicado à higiene e à saúde, sem pôr em causa a excelência de A. H. de Oliveira Marques, falecido em 2007, o primeiro historiador português a publicar um livro sobre o quotidiano medieval, nas suas várias facetas.
Ao ler o texto hoje, vemos as semelhanças com um tempo que julgávamos morto e enterrado. Nem sequer faltava a recomendação de beber líquidos julgados eficazes, como “fortes doses de vinagre e líquidos avinagrados”. E, se o ingerir de tanto vinagre pudesse provocar outros problemas de saúde, não seria com certeza tão perigoso como a lixívia…
Enfim, anedotas à parte, o certo é que também se recomendavam mezinhas que, muitas vezes, eram fatais. E resta-nos o consolo de viver num tempo, em que se sabe o que são vacinas e se dispor de meios para as obter.
Mas será que as já existentes trarão o efeito desejado?
Dados sobre a obra citada: A SOCIEDADE MEDIEVAL PORTUGUESA, A. H. de Oliveira Marques (A Esfera dos Livros, 6ª edição: Setembro de 2010)
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