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Delito de Opinião

Greve ferroviária

jpt, 08.05.25

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1. O direito à greve é fundamental. Poder-se-á criticar a pertinência de determinadas reclamações e/ou a da realização de determinada(s) greve(s). Mas isso não se coaduna com a refutação da possibilidade e legitimidade das greves.

2. (Que eu compreenda) a CP está integrada na Infraestruturas de Portugal, uma empresa pública. A qual decerto tem autonomia face ao governo para gerir as suas relações laborais internas. Mas, ainda assim, estará sob tutela governamental.

3. Como comprei - e disso ando ufano - o passe ferroviário, passei a ser notificado sobre actividades da companhia. Assim recebi há dias esta informação: 

Por motivo de greves convocadas, pelos sindicatos ASCEF, ASSIFECO, FECTRANS, FENTCOP, SINAFE, SINDEFER, SINFA, SINFB, SINTTI, SIOFA, SNAQ, SNTSF, STF e STMEFE, entre os dias 07 e 08 de maio de 2025, pelo sindicato SMAQ, entre os dias 07 e 14 de maio de 2025, e pelo sindicato SFRCI, entre os dias 11 e 14 de maio, preveem-se fortes perturbações na circulação, com especial impacto entre os dias 07 e 13 de maio. Uma vez que não foram definidos serviços mínimos pelo Tribunal Arbitral do Conselho Económico Social, a CP não garante a circulação de comboios sobretudo nos dias 07, 08 e 09 de maio.

4. Como nesses dias terei um trabalho além-Trancão, resmunguei ao aviso. E comprei bilhetes de autocarro (os UBER rodoviários). Ou seja, se comprara o passe agora dobrei os custos mensais em transporte. Mas isso, por mais que me angustie ("isto" anda-me mesmo muito mal), "faz parte".

E fui ver as reclamações que conduziram os ferroviários (a velha "aristocracia do proletariado") a esta greve: estão aqui. Nada sei sobre aquela realidade, não posso opinar. Mas - e em abstracto - não me parecem descabidas.

5. Como disse acima, a CP integra uma Empresa Pública. Que é autónoma do governo para dirimir as suas relações internas. 

Ainda assim: numa empresa destas os trabalhadores optam por fazer uma greve - e tão extensa - uma semana antes de eleições legislativas? Resmungo. E não é por causa de ter tido de gastar mais alguns dos meus (tão escassos) euros.

O "Público" e os Olivais

jpt, 07.05.25

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Aqui no Delito de Opinião tenho deixado vários postais aludindo à freguesia "dos" Olivais, o bairro onde cresci e ao qual voltei há uma década. Vários são relativos ao meu quotidiano, outros a memórias dos "tempos". E outros sobre o poder autárquico que aqui vigora: desde 1989 a junta tem eleitos PS, cinco mandatos de um presidente, os seguintes da que agora finda o seu período. E a qual exerce o mandato a tempo parcial, pois após as últimas eleições foi contratada para a câmara de Loures, após o seu partido a esta ter conquistado. Várias vezes referi as características desta Junta: muito baixo nível dos eleitos, caciquismo desbragado, "popularuchismo" ("populismo" é outra coisa), nepotismo - este já devassado em reportagens televisivas que seriam letais noutros contextos. Um "boçalismo", por assim dizer. E ineficiência.

Completado o número de mandatos legalmente permitidos a presidente da junta tentou impor uma lista sucessora, composta por alguns dos seus correligionários. Num processo de "faca e alguidar", a concelhia do PS refutou e retirou-lhe a "confiança política". Mandatando uma lista concorrente incluindo outros dos participantes nesta gestão autárquica - incluindo o "vice" actual. Entretanto a lista patrocinada pela presidente decidiu concorrer como "independente" (assim uma espécie de PS "B"). E já por aqui anda fazendo propaganda.

Uma matéria muito demonstrativa da mundividência e incompetência do colectivo  PS (o "A" e o "B" - pois ambas as listas estarão pejadas de membros das últimas juntas) neste bairro é o longo processo de reabilitação da biblioteca dos Olivais, verdadeiras "obras de Santa Engrácia", pois o equipamento está encerrado há cinco anos, desde o COVID. Abordei o assunto em postal recente.

Volto a referi-lo devido a isto: muitas vezes aqui referi ser a presidente desta Junta, Rute Lima, "colunista" do "Público". Por considerar isso absolutamente denotativo do que é o "Público", sempre referido como "jornal de referência". Não vou adjectivar Lima. Mas sempre me interroguei: há milhares de presidentes e ex-presidentes de Junta no país. E impunha-se a "pergunta" (ou a constatação) sobre qual a razão para que o jornal cooptasse uma política com este conteúdo - repito, sublinhando: o caciquismo aqui é até anacrónico, de uma patente "incultura", ou seja, um modo inverso ao proclamado "de referência". Mas para o "Público", às suas direcções e, quiçá, aos seus proprietários, é este tipo de voz autárquica que interessa ecoar.

Enfim, há alguns dias - e exactamente sobre o tal "caso biblioteca dos Olivais" - o "Público" publicou esta "reportagem" (para ler basta engrandecer a imagem). E a propósito desta vergonhosa trapalhada constate-se a placidez do texto, a simpatia para com a Junta, para com a "colaboradora" do jornal da SONAE. E disso, a propósito desta minudência de freguesia, conclua-se sobre o pobre estado dos axiomas deste jornal.

Quem vê caras vê corações

jpt, 02.05.25

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Ainda não vi qualquer debate televisivo dedicado a estas eleições - não tenho paciência, além de me ser indiferente quais dos dirigentes têm mais jeito para aquilo. Também ainda não vi "comentários" televisivos sobre os debates televisivos - não tenho paciência, pura e simplesmente. Mas sei que há uma gente que ganha dinheiro para ir à televisão "dar notas" aos políticos - como se fosse o velho prémio Somelos-Helanca do "A Bola", a premiar os jogadores... E, claro, depois dão melhores notas aos jogadores, perdão, aos políticos do(s) partido(s) que preferem. Ou para os quais trabalham. Não há dúvida, na imprensa - como aprendi no "Calhau" em Mafra - "há filhos de muitas mães"

Enfim, não é bem sobre isso que agora atento. Venho apenas dar conta que vi ontem - nas "redes sociais" - várias menções a um debate no canal "Now" (nunca percebi porque se atribui alvará a um canal português com nome estrangeiro), acontecido anteontem à noite (após as 22 horas). Montenegro e Santos haviam debatido. De seguida veio um trio comentar o ocorrido: uma jornalista da Sábado, o Santana Lopes e um empresário - que consta estar a trabalhar para o PS. Aquilo deu brado, o empresário - a puxar o fogareiro todo para sardinha dele - anunciou que o Montenegro dissera "não sou só eu o corrupto, etc...". E o Santana foi Santana - com todos os defeitos que lhe possam atribuir o Santana também tem qualidades.

Fiquei curioso, "puxei atrás" na tv e fui ver. Vi. E constatei uma verdade insofismável: quem vê caras vê corações.

A cada um o seu Apagão

jpt, 02.05.25

Passara o fim-de-semana além-Trancão, em pinturas - “não sejas um Zé-Ninguém, pinta com Robbialac”, anunciava, há décadas, o Manniche original - a retocar refúgio, que a vida não é só Olivais. E assim nesta segunda-feira desde a alvorada fora apupado por músculos esquecidos ou até mesmo desconhecidos e reencontrara velhas articulações, estas pejadas de azedume para comigo…

Acabrunhado com esse desamor endógeno, protelei as obrigações de burocracia digital que tinha em mente - “não faças já o que podes fazer daqui a bocado”, item sempre a encimar o decálogo -, e manhã afora deixei-me a remexer nos textos do meu “Sentido Obrigatório”, livro que quero fazer suceder ao “Torna-Viagem”. O que farei logo que este alcance o até mítico estatuto comercial de half-demon, 333 exemplares vendidos - e para tal só me falta impingir mais vinte e poucos livros a incautos interessados.

Aproximando-se o meio-dia, mal notei uma ligeira flutuação eléctrica no ecrã do computador, à qual até quis desatentar. Mas ficou-me a moinha, inquisidora. E, interruptor à mão, constatei o corte de energia. Logo acorri a esse recanto mágico, dito “quadro eléctrico” - durante décadas monopólio do meu pai, o Camarada mas também Engenheiro Pimentel (electrotécnico, de barragens, já agora, pois é matéria que o dia veio a realçar). Estava este opaco, mais ainda do que a minha ignorância sempre o entende. Desesperei, percebendo ser o corte devido a ter-me eu esquecido de pagar a conta - essa que já me chega faseada, em “suaves prestações”, tamanho o saque mensal de que sou alvo. E assim, neste final de mês em penúria, mesmo, “terei de pagar a conta toda!!!”, pois por falta do meu cumprimento será suspenso o plano acordado.

 

 

25 de Abril de 2025

jpt, 26.04.25

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No telejornal ouço breves declarações do secretário-geral do PCP, ripostando certeiramente às esparvoadas declarações de um ministro (esta gente não tem quem lhes escreva textos?) sobre o 25 de Abril. Dizia Raimundo "isto não é uma festa, é uma celebração!" ("e as celebrações não se adiam", concluia. Pois podem-se suspender, claro. Mas não adiar).
 
Eu gosto de festas (se recatadas, que me falta energia para festivais e festarolas). De manhã um simpático vizinho convidou-me para me juntar aos dele (que me são algo simpáticos) no desfile. Recusei, grato, explicando-lhe (até lhe enviando um texto que li há dois anos num 25 de Abril) que nunca vou a este desfile. Pois não celebro (a democracia, ainda por cima) com comunistas - versões brejnevistas, enverhoxistas, polpotistas, maoístas, guevaristas, etc.
 
Nada oponho a festejar conjunto uma qualquer efeméride ou vitória sportinguista. Mas "celebrar" a democracia com os seus adversários? É bom para o folclore, para a mimalhice. E será também para a afirmação partidária (louvável o estômago dos da IL em marchar ali depois do PCP - donos do desfile - os ter impedido de participar). Mas não sou de "folclores".
 
Depois um grande amigo, fotógrafo, telefonou-me: "vou fotografar, queres vir?", e isso seria diferente, vestiria o colete de observador não-participante, "se calhar escrevemos um texto juntos" (para blog, que ninguém nos paga...). Mas desisti, sem energias pois acabrunhadíssimo com episódio que sofri há dois dias.
 
Percebendo-me desasado uma querida amiga passou por minha casa e levou-me ao café local. Ela avançou na sua amêndoa amarga, eu amornando uma parca imperial, logo unidos por outra amiga, minha "mana", esta optando pela sua Sagres. Escorremos umas horas. Na televisão, frenética, incessante, a cobertura da arruaça na baixa lisboeta, cometida por umas dezenas de histéricos. Nesse entretanto viu-se (centenas de vezes, sem exagero) a detenção de um antigo juiz. Mais uns sopapos e meia dúzia de bastonadas. Repetidas, vezes sem conta.
 
Ali ao lado, a avenida da Liberdade estava cheia - sim, da gente folclórica que mitografa que os democratas são os socialistas e os comunistas e que nós outros somos "faxistas", ainda hoje, em pleno 2025 o dizem (mas eles ou os seus filhos emigram ou vão estudar para os países governados pelos "faxistas", coisas do arco da velha).
 
Mas não é isso que me interessa aqui. O relevante é terem as televisões passado horas a propagandear aquela minudência holiganesca. (Com menos porrada do que em qualquer derbi Braga-Guimarães, já agora). No 25 de Abril os mariolas colonizaram a televisão... E os "jornalistas"? Adoraram.

Fake-Indie?

jpt, 25.04.25

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"Indie", no rock ou no cinema e até mais longe, significava algo independente, "rebel, rebel", escapando-se aos ditames dos mercados, económicos e até ideológicos. Às vezes, diante de obras assim anunciadas percebe-se que o termo também se tornou um "pin", mera publicidade para nichos, assim ordinário, quinquilharia de loja de recuerdos, dessas máscaras do tráfico de neo-coolies. Outras vezes nada disso, surge gente a "rasgar", alguma depois alcochoando-se no mainstream, outra mais arisca, seguindo os seus rumos. E também aos seus protectores - os públicos, mais do que tudo; patrocinadores/mecenas; produtores - se presume alguma "rebeldia", um incómodo não confrontacional que seja, diante dos constrangimentos das dominantes tendências, o mercado mainstream.
 
Estava eu no comboio, em viagem pitoresca. E recebi uma mensagem de confrade bloguista, que me julgava conhecedor do trabalho referido - o filme Balane 3, que o realizador Ico Carreira fez em Inhambane, Moçambique. Mas desconheço, o realizador e o seu trabalho, parcialmente feito naquele país.  Informava-me da suspensão da apresentação do filme no festival Indie Lisboa. Devido a num sítio da internet ter sido publicada uma carta aberta anónima, denunciando-o como culpado de violência doméstica.
 
Não faço a mínima ideia se isso é verdade. Quem vê filmes não vê corações tal como quem vê caras não os vê. E eu nem sequer aos filmes ou à cara de Carreira vi. Mas há uma denúncia? Investigue-se. Julgue-se, se houver suspeitas fundamentadas. E sentencie-se, consoante as conclusões obtidas. Mas um festival aprestar-se a retirar os seus filmes devido a isto?
 
Se um escritor for acusado de plágio é curial retirar-se o(s) livro(s) de circulação, até se aquilatar da veracidade do caso. Mas se for acusado de bater no vizinho ou caluniar alguém? Vai-se às livrarias e recolhem-se os livros? Se uma loja vende produtos falsificados ou roubados será normal ser encerrada. Mas se o seu dono é acusado de não pagar impostos ou pontapear um polícia, encerra-se-lhe o estabelecimento? Se um empresário atropela um transeunte numa passadeira deverá ser detido, julgado (e condenado!!!). Mas ainda o pobre peão está nas "Urgências" a tratar das (espero que apenas) escoriações e já está uma brigada a fechar a empresa, "até ordens em contrário"?
 
E um festival que se diz "indie" faz uma aleivosia destas? Os seus organizadores não sabem apartar as coisas, tantos as jurídicas como - e o que é ainda mais inadmissível - as relativas à liberdade criativa? Gentes arvoradas em "indie" que se comportam até pior do que os organizadores das quermesses das paróquias, aflitos com o "parece mal"? Subjugadas aos itens de uma agenda "correcta" - "interseccional", dirão os teóricos da tanga -, que sobrevaloriza, sublinha, histeriza, determinadas questões (género e sexualidade; identidade - e concomitante dita racialização) diante de outras?
 
Sem rodeios, basta entrar numa reunião "indie" de "lisboa" para perceber a mole sociológica e sua mundividência mainstream. "Bem-pensantes" de "boas-causas", já encanecidos imaginam-se como de "esquerda" - e hoje, 25.4, irão "à Avenida". E vêem-se como se "indie" fossem mas tratam-se apenas de meros índios de reserva, acobertados com os restos deste casino que é o Estado. Amodorrados em constante powwow, qu'entre eles é que se sabe das coisas, desalienados julgam-se, sendo os "outros" vis exploradores "extractivistas" ou coisa parecida.
 
Mostra-se assim o festival um fake-indie, amarrado ao mainstream político do "correctismo". E, deste modo paradoxal, é de contestar qualquer subsídio ou facilidade estatal que se lhe dê. E apupar as fundações - algumas também bem entrelaçadas com o tal Estado - que lhes dão uns trocos ou favores para irem andando. A troco do "respeitinho". Que fazer, repito? Ser indie, contra estes servis. 

Em Évora

jpt, 17.04.25

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No passado sábado fui apresentar o meu "Torna-Viagem" - a tal centena de crónicas, dois terços das quais dedicadas a Moçambique - na belíssima Biblioteca de Évora, dirigida pela nossa co-bloguista Zélia Parreira. Fui nisso acompanhado pelo escritor moçambicano José Paulo Pinto Lobo - que teve a paciência de elogiar o livro - e por uma trintena de amigos, numa verdadeira excursão que muito bem nos soube. Pois foi um dia memorável.

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Estando eu agora na posse do tão útil passe ferroviário - esse que alguns propagandistas avençados julgam ser "rodoviário" -, viajei de comboio, na companhia de uma parcela da escolta que me rodeava. Entre eles o também nosso co-bloguista Zé Navarro de Andrade. E assim, ali sobre carris, fui ofertado com o seu  recentíssimo (apresentado na véspera) "Toque de Jazz", um "Dicionário Subjectivo" que garanto ser precioso , em particular para os que não somos os "amadores" de jazz, esse clã tão peculiar...

Oriundos de várias proveniências congregámo-nos na célebre Praça do Giraldo.  E seguimos a um magnífico almoço, em boa hora reservado na "Associação Cultural É Neste País", naquelas cercanias. Foi o manjar aplaudido, em pé! E ficou o local como nossa referência eborense.

(Bem) Saciados seguimos à sessão, animada pelo belo texto do Pinto Lobo, pelo que eu balbuciei e ainda por um debate final, mais entusiástico do que eu esperaria. E depois o prato-forte: a directora da Biblioteca conduziu-nos numa visita pelas instalações, discorrendo sabiamente sobre as actividades que a sua equipa conduz. E terminou com uma demonstração de alguns dos livros antigos que abrilhantam a espantosa biblioteca. Algumas imagens apostas nos livros ficaram-nos impressionantes. Umas mais ligadas ao historial de Moçambique. Mas aqui partilho esta deliciosa Virgem Amamentando, claro que prévia ao concílio de Trento, no qual foram proibidas estas representações.

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Todos viemos encantados. E imensamente gratos à Zélia Parreira. Pois foi um grande dia. Melhor dizendo, um g'anda dia!

Adenda: deixei mais detalhes do dia - gastronómicos e não só -, e mais imagens, para além do texto do Pinto Lobo, neste postal mais extenso na minha recente página. Fica a ligação para quem tenha curiosidade.

Os Olivais e o Futuro

jpt, 14.04.25

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1. Nos Olivais (Sul) está a casa dita Palácio do Contador-Mor - título que era uma espécie de Ministro das Finanças, passe o anacronismo da analogia. Foi mandada construir por um Van-Zeller - e ainda mantém o seu escudo de armas - descendente do primeiro deles por cá: um embaixador prussiano  que em 1746 recebeu o cargo, assim um verdadeiro Conde de Lippe do erário público (uma "troika" de então?), o qual ficou na posse da família até à sua extinção (um FMI perene?). A lenda local di-la, até, a "Casa dos Maias" - os "Olivaes" queirozianos - fazendo por esquecer que aquilo era ficção.

Cresci na vizinhança. Durante a minha meninice, adolescência e jovem adultice, a casa estava semi-abandonada, entregue a uma associação popular que ali explorava uma taberna bem rústica (ou "centro social", se assim se quiser chamar), e se animava com umas festarolas episódicas. Os jardins estavam silvestres e nacos do edifício arruinavam-se. Eram usados pela rapaziada para ocasionais namoros, muito frequentes charros e mais ou menos episódicos "caldos".

Nos anos 90s, a Câmara restaurou o edifício e ali instalou a BDteca, um "must" então. Estive, "penetra", na inauguração. E ainda lembro o vibrante discurso de João Soares, o presidente de então, em veemente apologia da banda desenhada - algo não tão habitual entre a literatazinha intelligentsia portuguesa. E até invocando o combatente anti-fascista e "valente ribatejano" "Major James Eduardo de Cook e Alvega" - de facto, o Battler Britton, mas que nós, seus eternos admiradores continuamos e continuaremos a naturalizar, nisso fazendo-o "nosso". A BDteca foi deixada à direcção do João Paulo Cotrim, boa escolha pois homem da bdfilia, empenhado e sagaz. 

Emigrei, e nos anos subsequentes pouco fui sabendo da casa. Constou-me que o sucessor camarário Santana Lopes nela desinvestira, até mesmo a afrontara, se aversão à nona arte se coisas lá das "capelinhas" partidárias não sei: o Cotrim partiu para as suas andanças, mas aquilo foi resistindo, em boas mãos funcionárias. Depois perdeu a sua identidade especializada, "desviada" para mera biblioteca da câmara. Quando voltei em 2015 encontrei-a arrumada e funcional: um serviço de internet gratuito, então algo precioso, pois a "nuvem" era ainda menos vigente; um simpático espaço de leitura de periódicos, estes cada vez mais escassos, por razões do rumo da imprensa; um acervo aceitável mas muito valorizado pela sua inserção na rede de bibliotecas públicas, assim potenciando o acesso bibliográfico aos bastantes leitores; um afável corpo de funcionários. A velha "bdteca" fora reduzida a uma secção - entregue a um diligente responsável, um saudável "nerd" da BD, ele próprio editor, e resistente: todas as semanas, num expositor em literal vão de escada, apresentava uma nova pequena exposição temática, de facto uma demonstração do "estamos aqui". Mas o seu fundo estava muito desactualizado, empobrecido - e desconfio que muitas das parcas novidades seriam até dádivas que receberia ele da solidária rede de editoras dedicadas.

Entretanto a biblioteca fora despromovida, pois a câmara entregara-a à junta de freguesia, coisas de rearranjos legislativos, disparatados. Implicava isso menores recursos humanos, desprovimento de técnicos superiores, de direcção. De rumo. Uma ausência óbvia. Situada no verdadeiro centro da freguesia, ladeando a Quinta Pedagógica (o ponto mais visitado do bairro), defronte a uma igreja e ao centro comercial (uma desmesurada patada urbanística inflaccionada durante o boçalismo cavaquista), rodeada de escolas, básicas e secundárias, com metropolitano à porta, entre uma fiada de cafés de bairro e restaurantes, seria natural que fosse um pólo de actividades culturais. Nada disso, apenas um quiosque preguiçoso e um vazio sem rebuliço, num primado do "cinzentismo".

Em 2020 veio a era confinada, entremeada com os episódios ditos de "postigo". O que abrangeu, como foi curial, a biblioteca. Depois, em 2021, ela foi encerrada para obras. O tempo foi passando. E  muito. Como todos os dias por lá passo, rumo "à bica", fui observando a diminuta azáfama, para não dizer mais... Indaguei junto de antigos funcionários transeuntes sobre o que se passava. Com contenção lá me foram dizendo o que não posso afiançar: que as obras não são estruturais, que haviam sido cabimentadas duas vezes - da primeira vez algo desviante acontecera, tendo depois a Câmara exigido a sua realização; que a adjudicação fora - evidentemente - incompetente; que a equipa da Junta não sabia o que fazer da biblioteca, por isso não se preocupara. Etc. Em finais de 2023 nas redes sociais a presidente da Junta anunciava, em louvores à responsável da "cultura" da sua equipa, cidadã que exerce sob nome artístico e cabelo azul, que a abertura estava iminente. No Verão de 2024 voltei a cruzar um funcionário, perguntei-lhe sobre a data prevista de reabertura. Deu-me um sorriso, mesclando desdém e descrença. E anunciou: "diz-se que estará pronta em Outubro, alguns dizem que será reaberta em Janeiro. Mas acredito que esperarão pela campanha das eleições para a... pompa e cerimónia".

Contrariamente ao seu pai, a minha filha gosta de estudar em sítios públicos, ajuda-a a concentrar-se, nisso negando o "Tal Pai, Tal Filha...": em grupo, em cafés, em bibliotecas, etc. Quando vinha a Portugal e a (esta) casa, logo demandava locais para isso, junto aos amigos. Entrou na universidade em 2019, cursou a licenciatura, fez um mestrado, depois outro. E dizia-me há meses, "pai, vou acabar os estudos e nunca pude estudar na biblioteca" (que está diante de nossa casa, entenda-se). E assim foi, ela já partida para o primeiro emprego. Num sítio onde há… bibliotecas.

Em suma, de seguida ao império do Covid vieram, pelo menos, 3 anos e meio de encerramento da biblioteca dos Olivais. Devido a obras menores. Agora para lá andaram a colocar um elevador externo, coisa de que se ouve falar há... anos. E murmura-se que o futuro responsável contratado será um ... cônjuge de candidata eleita, rumor que não posso confirmar. A qual, com evidente desplante, se recandidatará. Isto tudo em Lisboa, no centro da capital do país, terceira década de XXI, numa freguesia com 32 000 eleitores!

2. Há dias, no tapete rolante do metropolitano cruzei um colega mais-velho, o qual ainda me dera algumas aulas no mestrado. Lá fez ele meia-volta para o abraço real que se impunha, não o via desde uma das suas últimas sessões lectivas a que eu fora assistir, forma de homenagem, há já quase uma década!... Combinámos um almoço. E veio ele - aos 80 anos está numa espantosa boa forma física e intelectual, mais expedito do que eu - aos Olivais. Abancámos no "Cabeça do Touro", falámos que nos fartámos. De assuntos e de gentes... Ele gabou o aspecto do bairro, do qual não é visitante frequente. Eu discorri sobre algumas mudanças sociológicas existentes, que o rejuvenescem. E resmunguei sobre a incapacidade de induzir melhorias na vida "social". Às tantas, entre o labirinto de pessoas que evocávamos, falou ele do Aventino Teixeira (quem é que o "Coronel" - como sempre fiz questão de o tratar...- não conhecia?).

Tínhamos estado a falar da falta de "memória" dos universitários - eu já discorrera a minha irritação com a forma preguiçosa como os antropólogos tinham referido a morte do Rui Mateus Pereira, seu querido amigo (demorar dois anos e meio para publicar uns textinhos numa das revistas da especialidade?, que gente...). E mais ainda com a ausência de homenagem textual condigna ao grande Armando Trigo de Abreu, também seu amigo, meu excelso professor: um homem de percurso político rico, que foi fundamental no sempre elogiado "momento" Mariano Gago da "Ciência e Tecnologia" nacional, e verdadeiramente estruturante no desenvolvimento da área "Estudos Africanos" no país (e sobre o qual deixei breve e muito superficial texto aquando da sua morte). Ao que, sobre "o Armando" - como eu nunca o tratei -, e comigo imensamente concordante, me respondeu que no "Instituto" não o homenagearam porque "nunca fez o doutoramento", e assim menosprezando um percurso imensamente rico e diversificado. Que gente!

Mas isto que digo não é lateral! Porque prende-se com o uso da "memória", e como ela é cultura activa e vida social. Pois falando ele do Aventino - e até porque há pouco uma das suas filhas me lembrou terem já passado 16 anos desde a sua morte! - lhe disse "vamos beber um café ao Tosta", um pouco abaixo do restaurante onde estávamos. Lá chegados disse-lhe ser aquele o prédio onde o Aventino Teixeira vivera, tal como no prédio defronte vivera o general Soares Carneiro, e a 150 metros vivera até à morte o Álvaro Cunhal. São meros exemplos, entre a imensidão de pessoas que vieram morar desde os anos 1960 para os Olivais. O colega mais-velho, que até "é" (julgo) do PS, concordando com o meu resmungo: "há anos que andam a celebrar "Abril" e esta Junta que faz?". Pois só a propósito destes três prédios o que se poderia ter feito, as gentes que se poderiam ter convidado, as actividades dedicadas? As interacções com centros de dia, com as associações da cidade, as actividades nas escolas... Já para não falar na animação (imediata e diferida) do comércio local.

Nada disso, apenas a ignorância eleita. Um jardim "Zé Pedro" inaugurado ainda incompleto - e o que me irritei com o Moedas (de quem gosto) a aparecer naquilo. Uma biblioteca fechada há anos... E umas "animações" populares ocasionais, ao Vale e Silêncio e Encarnação, músicas e comes-e-bebes. Nada contra... mas nada suficiente.

3. Desde que voltei aos Olivais que debito em blog uns resmungos sobre a péssima junta de freguesia. É evidente que, se vendo isto em termos nacionais, todos estes assuntos parecem minudências, irrelevantes. Mas a vida é feita disto, nas vizinhanças, entre "fregueses".

Aqui vem reinando a incompetência (até iletrada), um atrevidíssimo populismo (a presidente da Junta é um arquétipo, mesmo). E um clientelismo mascarado de (assim pérfido) "assistencialismo". O qual vem sendo afixado pela imprensa, em reportagens que noutros contextos seriam letais para os eleitos - mas, como se sabe, é muito difícil apear os poderes das "concelhias" do PS (e, também, do PSD) nas grandes cidades.

Para quem torce o nariz a estes protestos - "lá está ele a dizer mal do PS", "ainda por cima em período eleitoral..." - lembro que o PS ganha aqui desde 1989!, que a presidente actual secundava o anterior - um "dinossauro autárquico", com 5 mandatos consecutivos - e chega agora ao limite de mandatos. Trata-se de uma verdadeira dinastia. 

Em reportagens televisivas do ano passado, não só se arrolavam os desmandos clientelares na equipa da Junta - como concessões favorecidas, empregos para familiares (ao que consta tem um rol de funcionários muito superior aos das suas congéneres), ineficiências (basta falar com professores das escolas locais para as ouvir). Mas isso chegava mais longe, ao pungente, a um miserabilismo: uma eleita que desvia doses de sopa distribuídas nas escolas para sua casa ("hoje são mais porque tenho visitas", ou coisa assim, ouvia-se nas chamadas...). É um baixo nível até tétrico.

Entretanto "as comadres" do PS local zangaram-se: parte, da "facção" da actual presidente, avançou para uma lista independente, à qual a (agora) "concelhia" do partido "retirou" confiança política. E a outra "facção", do seu vice, actual encarregado, avançará nas listas "oficiais", como se nada disto, desta forma de fazer política autárquica, seja com eles...

Nas últimas duas eleições, que acompanhei, o PS vem perdendo votos (grosso modo de 50% para 30%), uma perda só aqui superior à diferença de votos que permitiu a surpreendente vitória camarária de Moedas. As candidaturas do PSD aqui são sempre péssimas, uma iniquidade de vácuas. O velho PCP (no qual aqui cheguei a votar nos 80s, tempos do candidato Pimentel, presente lá bem no fundo do rol de suplentes) inexiste, nem sequer produz documentos sobre a freguesia (já não há "intelectuais orgânicos"). O BE diz umas festividades, o PAN preocupa-se com gatis (é verdade, não é ironia). 

Entretanto, agora a TVI voltou a referir a freguesia, mais uns desmandos clientelares desta Junta. "Coisa pequena", repetirão. Pois apenas as trapalhadas da concessão pela junta da exploração de um café em instalações municipais - a uma das eleitas, que agora se arroga a encabeçar uma lista  de candidatura. Basta ver a reportagem. Para se perceber quem é esta gente. Que há décadas aqui predomina.

Numa "sociedade aberta", com grandes partidos com um mínimo de compostura, isto seria o suficiente para uma limpeza de quadros, uma verdadeira desbaratização. Claro que não existirá. Ou seja, somos nós, fregueses, que temos de fazer alguma coisa. Nos Olivais.

Cruzeiro, a rapper no PS

jpt, 11.04.25

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Eva Cruzeiro, a rapper Eva Rap Diva, será candidata a deputada pelo Partido Socialista. Na semana passada isso deu polémica, devido a declarações que proferiu há 3 anos, num contexto em que estava sob "liberdade criativa", como afirmou, pois declamou (cantou?) numa desgarrada típica no seu estilo musical: “Eu sou africana, tou-me a cagar para a guerra na Ucrânia. Esses gajos que se matem como nós nos matamos. Eles não se importam connosco, então, nós não nos importamos. Eu sei que isso se cair na net, muitos vão começar a falar mal, mas não me compete agradar a toda a gente.

O assunto é-me muito interessante. E é passível de abordagem por várias portas. Claro que se pode ser cáustico, e acusar o PS de demagogia por cooptar uma artista em busca de votos. Mas é até tradicional que os partidos convidem personalidades públicas para "animarem" as suas listas, assim "convidando" eleitores flutuantes (Rosa Mota no PS, Saramago no PCP, o fadista do PPM, para exemplos).  E também podemos invectivar os modos da rapper - alguém a autodenominar-se "Diva" é um bocado piroso. Mas, convenhamos, os nossos "cantautores" (ou "cantores de intervenção", se se quiser) mimetizavam os da chanson française (ou "franco-belga", para se ser mais exacto). E os nosso rockeiros seguiam os (bons) tiques e toques do rock'n roll alhures... Vamos criticar os da nova geração pela mesma tendência para a cópia identitária?

Mais corrosiva será a evidente comparação - o PS é o regime, mesmo se agora na oposição, tem-no sido desde há largas décadas. Uma rapper, com a parafernália simbólica do anti-sistema, a enfileirar-se no partido é um bocado como se o José Mário Branco tivesse sido candidato do PS em 1987. Ou o Cabeleira nas listas encabeçadas por Fernando Nogueira em 1995... Mas, sendo franco, vendo o perfil e percurso da ainda jovem candidata Cruzeiro, percebe-se que ela não é uma "rebel without a cause". É artista, sim. Mas também estudante, investigadora, e activista sobre questões políticas e sociais. Ou seja, não é (não será) um mero "cromo" nas listas, é uma jovem empenhada na política. Assim justificando a ascensão a lugar elegível. 

Há outra dimensão nisto: tantos lamentam que os jovens não se interessem pela política. E mais, que aqueles que surgem na política sejam meros (e rasteiros, nisso videirinhos) "jotinhas", a papaguearem o que as direcções dos partidos dizem, na volúpia da ascensão "laboral". E de repente aparece uma jovem a interessar-se pela política partidária, e a ter opiniões dissonantes - ainda para mais no passado - das lideranças. E critica-se? É um absurdo esta verrina crítica. Ou seja, e independentemente do meu desejo da derrota do PS, bem-vinda seja Cruzeiro.

Outra coisa que é salutar: Cruzeiro apresenta-se como portuguesa da Arrentela (mal comparado tal como eu sou dos Olivais). E sendo filha de angolanos exerce (vive, activamente) essa "duplicidade" (no bom sentido, o de multiplicidade, complexidade) identitária. Trabalha, empenha-se, debate, participa, nas questões daqui e nas do país dos seus pais. Isso é uma riqueza imensa, dela pessoal mas também de quem com ela interagirá. Chama-se, para incompreensão de muitos críticos, cosmopolitismo. Ou seja, e de novo, bem-vinda Cruzeiro. E seria bom que os outros partidos democráticos se associassem nesta recepção. Apriorística, para depois se passar às hipotéticas críticas às suas posições futuras.

Ficam-me três coisas para referir: a primeira é algo que as extremistas feministas - e Cruzeiro anuncia-se como feminista - chamam de "mansplaining", termo inglês que significa quando alguém com pénis explica uma coisa óbvia a alguém com vagina, mas que eu exijo que seja considerado como um "oldsplaining": entrar no PS implica que, mais tarde ou mais cedo, se fica igual aos tipos do PS. Não há nada a fazer, não há antídoto. E é letal (ainda que dê empregos).

A segunda é relativa ao choradinho da desgarrada por Cruzeiro proferida há três anos sobre a guerra da Ucrânia, aquilo dos sacanas dos brancos "não se importam connosco" (africanos), pelas matanças em África, etc. e tal. Pois há três anos, diante do coro de aleivosias similares veiculadas por maduros moçambicanos sobre o assunto - esse que se lixem os "europeus" (entenda-se, os "brancos") nisso da Ucrânia porque não nos ligam, que Cruzeiro também então balbuciou - botei um texto: "O Barómetro Moral do Sul". O qual, com toda a honestidade, é irrefutável, dada a sua base empírica. Entenda-se bem: este choradinho, da culpabilização dos "brancos" pela sua desatenção pelos "problemas" em África é argumentação ideológica dos cleptófilos, dos adeptos das cleptocracias, tantas delas assassinas, em África. E seria melhor que uma rapper e/ou política desgarrasse sobre isso... Em vez de apenas papaguear a demagogia servil.

Finalmente, e para além de Cruzeiro, a propósito desta situação fui ver o seu perfil nas "redes sociais", nas quais é abundantemente seguida. Tudo curial, uma artista e investigadora jovem, que se apresenta em palco, ou em convívio, na frescura do seu aspecto, às vezes mais formal, outras vezes menos, e também com os seus interlocutores, uns conhecidos, outros menos, um ou outro até célebre. Usando as "redes" para propagar o seu percurso, propagandear o seu trabalho - em particular como "rapper", esse forma musical menor, qual literatura "lite".

Há pouco tempo reagi à disparatada forma como um intelectual português, João Pedro George, investiu sobre uma ... jovem escritora, Madalena Sá Fernandes. Acusando-a de se valorizar através da visibilidade nas "redes sociais": "A "lisboa" Literária". Ora neste caso é exactamente a mesma coisa. Alguns, idólatras das "letras", virão dizer que "literatura" e "música popular" são diferentes, que a análise "sociológica" das formas de afirmação dos seus agentes cumprem um diferente "dever-ser". Poderão argumentar como quiserem: mas eu sempre ripostarei desta forma, lembrando esta cena da tão simpática série "The Byrds of Paradise" (de 1994), na qual o Arlo Guthrie remetia as origens do rap para o Dylan - sim, esse mesmo que depois ganhou o Nobel ... da Literatura.

Ou seja, os conteúdos e as formas, a vacuidade da "liberdade criativa", do contestatário "lite" da demagogia, de uma jovem "africana" (é assim que Cruzeiro se define, no seu militante racialismo), passa incólume à "crítica", contrariamente ao afã sanguinolento que se abate sobre uma jovem "branca", sua congénere. Isto é apenas efeito dos espartilhos ideológicos da tralha "decolonial", abundante em Lisboa.

Em Évora

jpt, 09.04.25

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No próximo sábado, 12 de Abril, às 15.30 h., na Biblioteca de Évora haverá uma sessão sobre o meu livro "Torna-Viagem" (o qual se adquire apenas na plataforma bookmundo através desta ligação: https://publishpt.bookmundo.com/books/366121 ). O conjunto de crónicas (cerca de 2/3 em Moçambique e 1/3 por cá) será apresentado pelo meu amigo José Paulo Pinto Lobo, escritor moçambicano há décadas radicado em Portugal. 
 
Fica aqui o convite para aqueles que possam comparecer. E, claro, o pedido para que divulguem junto de quem se possa interessar e/ou comparecer. Em particular, os residentes na cidade e suas cercanias.
 
A sessão será tutelada pela Directora da Biblioteca, Zélia Parreira - também uma das co-bloguistas do Delito de Opinião. Mas haverá mais... "Delito". Pois eu sigo para Évora com um grupo - heterogéneo - de uma trintena de amigos, que do meu "Torna-Viagem" fazem pretexto para visitar a belíssima cidade. E entre eles irá também o "nosso" José Navarro de Andrade, dadivoso nesse ombrear, pois o fará exactamente no dia seguinte a apresentar em Lisboa o seu (aguardadíssimo) novo livro "Toque de Jazz: um Dicionário Subjectivo", um "mergulho no mundo do jazz" como é anunciado. Numa sessão que decorrerá em Campo de Ourique.
 
E talvez até mais algum co-bloguista se possa juntar...
 

Na baixa de Lisboa

jpt, 08.04.25

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É raro calcorrear a Baixa, um pouco por falta de razões, muito por falta de paciência. Aconteceu ontem, saíra de casa de mochila - a entregar uma meia dúzia de livros que me haviam encomendado. Um dos poisos de entrega era junto ao Palácio Foz, lá aportei ao encontro de portador de exemplares do "Torna-Viagem" para amigos em Maputo. Esperei um pouco, coisa curial, eu adiantara-me... Assim a avivar as causas da minha impaciência ali: as obras serão justificadas, necessárias, mas aquela área está um estaleiro - e logo o Palácio Foz o demonstrava. E o raio das tralhas circundantes, que são verdadeira perda: das tapas "de Sevilha" aos kebabs "sei-lá-de-onde", do já velho bimbo "Hard Rock Café" aos incessantes trambolhos de "recuerdos", passando pela nova macro-Zara. Pergunto-me que andarão estes magotes de turistas a fazer aqui que não possam fazer noutro sítio qualquer...
 
Estar contra o turismo? Ser conservador, com laivos de xenófobo? Como?, se a "indústria" (como lhe chamam os aldrabões) dá emprego aos compatriotas, receitas, impostos... Nem contesto.
 
Nas faldas do elevador da Glória está esta barraca, vistosa, a vender lixo "turístico" made in alhures e anunciando-se como "ponto de encontro" oficial de "citysightseeing Portugal", evidente "empreendedorismo" indostânico. Oferece aos bem-vindos visitantes passeatas pelos locais emblemáticos da cidade - entre os quais o Mosteiro dos Jeróminos...
 
Nada digo. Faço a entrega, galgo para o metro, avanço até outro ponto de entrega do tal "Torna-Viagem", no qual narro como retornei a esta tralha. Mais tarde ainda chego às colinas dos Olivais Norte, já a radiculite apertando. E avanço até às escarpas dos Olivais Sul.
 
O longe que me é possível das "sete colinas" lá deles. E dos "Jeróminos".

A Censura Instaurada

jpt, 07.04.25

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Conheço o Afonso de Melo desde os tempos liceais, vizinho de rua, colega de “liceu”, até naquilo de jogarmos Subbuteo juntos. Mais tarde chegámos a cruzar-nos nas andanças pelo “Calhau” de Mafra, eu mais dado (ainda que muito pouco) à “rusticidade” militar do que o então já jornalista, pois entretanto entrara no “A Bola”. Esse alojado - como durante décadas o esteve - na Travessa da Queimada, junto à fiada de tascas, bares e discotecas que fizeram o Bairro Alto da nossa geração. E nesses redutos, por vezes, após o fecho da redacção lá se bebericava algo conjunto. Depois a vida apartou-nos, eu anos emigrado.

Nos últimos tempos reencontrámo-nos por estes Olivais, que ele visita fiel e filialmente. Fez nesse entrementes décadas de jornalismo, desde o tal “A Bola” percorrendo um ror de periódicos, intervalou-se como “oficial de comunicação” na Federação do seu Futebol. E vigora numa infatigável última década no “(Nascer do) Sol” (e parente “i”). Semanalmente preenchendo páginas e páginas com a sua prosa e seu olhar, cosmopolitas de viajados e atentos, cultos e atrevidos, densos e esvoaçantes, sem “com licenças” nem “ó faz favor”, abrangendo o realmente circundante. Ou seja, não se debruçando apenas pela tralha dos dias correntes.

Acoplado a esse rumo já publicou uma prateleira de livros - em alguns congregando o que botara na imprensa - naquela sua escrita sem concessões ao aprazível, no arrumadinho “simpático” ao leitor mimado, pois implacável no necessário cerzir das coisas do mundo. Convocando-nos, para os seus ritmos e temas. E ainda há um mês lá fui ao “lançamento” do seu último, a deliciosa colecção “A Tragédia do Homem-Orquídea e Outras Eu-Biografias”.

Há dias os lisboetas sobressaltaram-se, recordámo-nos ideafixs, na defesa dos jacarandás. Lembrei-me de deixar um breve postal, tornado impertinente após o recuo camarário, preservando o arvoredo. Era este breve trecho do seu “Sabiá na Gaiola” (Âncora, 2009), pois bem denotativo do identitário, afectivo, do que então ocorria: “Em Phnom Penh não havia flores roxas, deste roxo-chão. Em Phnom Penh não há jacarandás como em Lisboa; há frangipanis. A flor dos frangipanis é branca-sonho ou cor-de-rosa-cor-de-dor. Flores brancas pelo chão: Monivong Boulevard.”(14).

Enfim, neste longo rumo - pois já vamos para anciãos - o Afonso foi dos que mais, e desde cedo, enfrentou, peito feito, teclado rijo, a cleptocracia instalada desde há décadas por Pinto da Costa, essa que foi colhendo a vil anuência dos sucessivos próceres e de inúmeros jornalistas. E desse patrono portista e de seus esbirros sofreu impiedosa perseguição e inaceitáveis ameaças - mesmo daquelas que nós, no remanso da vidinha, dizemos apenas “de filme”. Mas nisso sempre tendo tido o apoio dos seus.

Mas há sempre novidades neste “comboio descendente” luso. Há dias morreu José António Saraiva, antigo director do “Sol”, e logo foi substituído o vigente interino Vitor Raínho, sendo nomeado um novo director: Nuno Tiago Pinto.

Como corolário? O (já) velho Afonso de Melo, e pela primeira vez em 40 anos de carreira, viu excluído um texto seu. Corrosivo, opinativo, enfrentando um meio que bem conhece, a cúpula de certa forma de viver o futebol. Decerto que para “não incomodar”. É assim o “novo jornalismo”, esse que apregoa - como o faz o novel director Pinto no seu mural de FB - “novos, grandes e interessantes desafios.” Ou, como diremos nós, os mais-velhos mas não mais-cansados, é assim a censura instaurada.

Claro, o Afonso de Melo diante deste inaceitável acto censório logo se despediu. Abaixo - e porque me deu autorização para tal - reproduzo o texto sobre futebol que tanto assustou o (afinal agora) Pôr-do-Sol.

 


O Discurso da Pequenez

por Afonso de Melo

Bem à moda do seu padrinho e mentor, e o padrinho não surge aqui por acaso, vamos lá deixar-nos de hipocrisia (essa palavra que passou a fazer parte do novo léxico dos que andam pelos jornais a escrever em nome do FC Porto), Villas-Boas veio agora gritar aos quatro ventos que o jogo de domingo, pelas 20h30 nas Antas, é o jogo da época para o seu clube. Poderia ter graça se não fosse estafada. O homem que se assume como um vento novo e limpo do futebol português limitou-se a ir ao baú e sacar do mofo uma daquelas tiradas inventadas por José Maria Pedroto, e depois plagiadas ad nauseum por um tal de Jorge Nuno, que veio a provar-se, tal como eu vinha escrevendo desde o tempo da Maria Caxuxa – que remete lá para inícios dos anos 90 – ser um ente definitivamente pernicioso para uma sociedade que se desejava no mínimo não fedorenta. Só lhe faltou acrescentar aquele lugar-comum enjoativo do venceremos contra tudo e contra todos. Contra quem? E contra quê? Que raio de palavreado é este? Adiante que entrar por esse caminho só pode levar à insânia.

Ora bem, esgoelar que o jogo deste fim de semana do FC Porto contra o Benfica é o jogo da época para a rapaziada da Mui Nobre e Invicta Leal Cidade é tão lapaliciano como jurar a pés juntos que o próprio La Palice, frente a Pavia, estava vivo um quarto de hora antes de ter morrido. Santa paciência! Até onde irá a idade do paleozoico? A minha memória, que já é de avô, e que aliás prezo muito, não me deixa olvidar esses tempos em que Pedroto virou o futebol português de pantanas graças a frases que os jornais e as rádios absorviam com se fossem esponjas. Por isso, vamos lá tentar ser sérios: desde quando é que um jogo do FC Porto com o Benfica não é o jogo da época para os portistas??? Cáspite! Já era assim no anos 60 e teve de ser assim quando o velho Zé do Boné re-fabricou um clube cujo único fito era emular os vermelhos de Lisboa, a amaldiçoada capital do império com a odiada Praça do Comércio que, segundo os anti-mouros, deveria ter sido assolada pelas chamas num destino mais devastador do que o de 1755.

Vá lá, deixemo-nos de tergiversações parolas. André Vilas Boas limitou-se a ser a continuidade do seu antecessor: em caso de desespero, qualquer época fica ganha desde que o FC Porto impeça o Benfica de ser campeão. Qualquer farsola que queira esganiçar-se a dizer o contrário entrará diretamente para o Clube dos Bacocos Irreversíveis. E, aí está, carregando às costas com o peso já muito razoável de quatro décadas de jornalismo, só tenho de pôr um ponto final neste assunto. Ou um ponto parágrafo. Ou um ponto de exclamação! Escolha quem tem ainda a divina paciência de passar os olhos pelo que rabisco semanalmente nestas páginas.

Para sublinhar esta reencarnação de Pedroto em Villas-Boas (ou, mais precisamente, na reencarnação de Pinto da Costa, o arremedo de Pedroto, em Villas-Boas), nada como o regresso à motivação das massas para que o vulcão despeje a ferocidade da lava na altura de o inimigo entrar em campo. Envolvido numa época miserável, tal como os artrópodes se deixam envolver pelas algas, o jovem presidente do FC Porto recorre ao verbatim esclerosado. Confesso que não me admiro. Estamos a falar de um produto fabricado e moldado de forma industrial. Villas-Boas foi alimentado com a mesma sopa com que alimentaram José Mourinho, outro menecma do original Zé Maria, e que o antigo presidente do clube criou à sua imagem e semelhança. E assim por omnia seculae seculorum. De José se fez Jorge, de Jorge se fez José, de José se fez André. E já estou quase a desabafar como o meu companheiro de adolescência dos Olivais Sul, André Pipa: «Não me quilhem!». Ou seja lá o que foi.

Domingo, nas Antas, o jogo da época só pode ser o jogo do Benfica. Como entra pelos olhos dentro. O êxito significará um alento precioso para a restante batalha ombro a ombro com o Sporting. Um triunfo do FC Porto, por muito que Villas-Boas queira engrandecê-lo, não aquece nem arrefece aos portistas. Eis-nos, novamente, de regresso ao insuportável discurso da pequenez endémica – para André, tirar o Benfica da luta pelo título será a sua vitória de Pirro, esse patético rei de Epiro e da Macedónia. E se a tal se resume a sua ambição, vou ali e já venho.

Aceitemos igualmente que estaremos perante dois opositores drasticamente separados pela lei da qualidade. O plantel do Benfica pode não ser tão exuberante como nos querem fazer crer, mas é indubitavelmente melhor do que o do seu contendor de domingo. Se no banco dos encarnados estivesse outro treinador qualquer que não Laje, talvez isso se viesse a fazer a diferença. Mas… Um enorme mas voa sobre as águias jornada a jornada. Depois de hora e meia desconcertante contra o Farense, o treinador do Benfica continua a pensar que se passa nada. Os largos minutos que a equipa desliga frente a todos os adversários poderão ser decisivos no Porto. E o homem que comanda a nau não arranja solução para acabar com os sustos, uns atrás dos outros. Aquele que era até quarta-feira passada o pior ataque do campeonato conseguiu marcar dois golos na Luz. Não é nada bom sinal para os encarnados.

(Também colocado no "O Pimentel")

Grande Primeira Página?

jpt, 06.04.25

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Há erros e erros. Todos os fazemos, naquilo do "errar é humano" ou do aprender através dos erros, como é evidente. E tantas vezes é mera crueldade apontá-los ou remexer "na ferida". Mas este é um descalabro! Só agora reparo - num mural de Facebook: a edição de 5 de Março do Jornal de Letras foi centrada no bicentenário de Camilo Castelo Branco. E tem o clamoroso erro de se ilustrar com Eça de Queirós.

Goste-se ou não do JL, o jornal é uma instituição, louvável por criticável que possa ser. Tem 44 anos! E uma coisa destas mais do que motivo de dichotes ou apupos é uma dolorosa demonstração do estado da imprensa portuguesa: falta dinheiro, faltam profissionais - e falta a remuneração aos "colaboradores", mais ou menos ocasionais, como tantos vão murmurando. 

Um descalabro, repito-me. Mais geral do que apenas um ocasional erro (monumental, numa publicação especializada como esta).

Vou ver o Tim

jpt, 04.04.25

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(Texto para o meu novo  "O Pimentel". Onde colocarei os textos mais "pessoais", desadequados aqui. Fica a informação para quem o quiser/puder subscrever, em modalidade paga ou gratuita)

 

Hoje vou ao São Jorge ver o espectáculo do Tim. Eu gosto dos (seus) Xutos. Continuo a pensar que o português mais relevante - e não só na música - da minha geração é o Pedro Ayres de Magalhães, por razões que agora não desenvolvo mas sumarizo: na grandeza de si próprio, Homem que é, descomplexou este traste país. Sim, então o mais-velho Soares fez-nos, para o bem e para o mal, “mediterrânicos”, desse mar do meio afinal charco do qual ainda não saímos. E sim, nessa época Lopes e Mota convenceram-nos que poderíamos ser campeões. E, mais ainda, sim, Saramago (e Lobo Antunes) explicaram que até éramos inteligentes. Mas o Magalhães fez mais, foi português! E convocou-nos a nisso segui-lo, refez-nos. E estou feliz pois, há poucos anos, tive a honra de o (re)conhecer - cruzara-o superficialmente “nos tempos” - e o privilégio de lhe dizer isto mesmo. Julgo que o Ayres - o marechal Ayres, se se quiser aceitar o que sinto - não terá desatinado com o meu emotivo arrazoado, até balbuciado.

Mas isso - esse “isso” que agora, velhote, me é o fundamental - é outra coisa. E nada obsta a que os “meus” hinos, as minhas memórias, sejam as do Xutos. Desde o inicial concerto com os Minas e Armadilhas nos meus 15 anos, já nem me lembro onde correu esse verdadeiro “punkismo”, terei bebido demais… Mas lembro bem o “1º de Agosto” do Rock Rendez-Vous em 1984, ali ido com amiga boazuda, mais velha e com o namorado ausente - a malta dos Olivais sabe do que, de quem, falo, mas quarenta (!!!) anos depois já nem é inconfidência -, eu puto num “a ver no que isto dá”, mas a esquecer-me disso - até porque ela também indiferente, diga-se -, pois logo exultante, pulando, diante do “Já estou farto de procurar / um sítio para me encaixar… / eu vou para longe, para muito longe / … falta-me o ar para cá ficar”, isso que vim a seguir na vida. E sim, naquele dia terei urrado “se me amas / se me queres…”, mas para o ar, desarrumado. Vinte anos!, tinha, e ali com uns tipos a rockarem o que tinha eu no âmago…

E nesse longo entretanto vi-os imensas vezes. Um dia num qualquer recanto do Ribatejo, a esgalharem imenso num meio vazio rinque de patinagem, ali tendo uma primeira parte dos Radar Kadafi - a banda da minha rua, a Bolama, quando o Tiago, o Guli, o Ambrósio, o Fernando e o Sampaio tinham decidido que seria eu o “road manager” da banda então em ascensão, eu puto atrapalhado (e ganzado, diga-se) em demasia para ser “manager” de mim-mesmo quanto mais de outros negócios “on the road”…

E lembro o 1986, quando o amigo António Miguel - ele próprio um mito no nosso meio estudantil, pois “manager” dos à época rutilantes Trovante, veterano de palco da festa do Avante, um gajo soberbo, cabeça muito madura (digo-o mesmo, então meu colega de grupo de faculdade, no meio daquilo tudo o que fazia) - me deu acesso ao então celebrado Xutos no Pavilhão do Restelo. Assim eu ascendendo ao “lá em cima”, onde estava ele, produtor, camarote ou lá o que era. E eu, carregado do tão estupidificante haxe, a ver e a urrar o “conta-me histórias daquilo que eu não vi” já e a clamar “amas a vida e eu amo-te a ti” para aquela quem nem ali estava. Mas também momento (crucial, sim) de transição pessoal, percebi-o, pois subindo o degrau para estatuto de observador analítico, ao olhar lá para baixo, o recinto do pavilhão apinhado de gente exultante, imensas bandeiras agitadas, todos “loucos” com os Xutos - “isto é um fenómeno”, disse-me, aprendiz de antropólogo, para logo voltar ao êxtase diante de quem me cantava avisava “contra tudo lutas / contra tudo falhas / todas as tuas explosões / redundam em silêncio”.

Muito tempo depois, e em tão diferentes tempos…, no final do milénio as paupérrimas mentes de então do Instituto Camões enviaram os Xutos a Maputo, num festival (dito “Pontes Lusófonas”) que eu logo percebera me viria a custar o belo e apetecido emprego. Mas isso, o tétrico embrulho, não era coisa deles, lá foram… Na Feira Popular acorreram algumas centenas de pessoas. Eu, mesmo se amargurado (forma educada de dizer fodido) com tudo aquilo, escondi-me na felicidade de … ver os Xutos em Maputo. Ali na primeira fila, já sem o fato-e-gravata, que então me era curial, e ao lado do patrício Hernâni (um rijo heavy barbudo e gordo, desses “como deve de ser”) alçando os nossos “X”… Subi ao camarim, o Kalu a perguntar-me “estes gajos não gostam de rock?”, diante do silêncio que os acolhera, eu a rir-me, dorido com a imbecilidade de quem os tinha ali levado, “sim” mas “não vos percebem”. E tinha sido uma bela rockada… Logo depois a Nice, a belíssima Nice - das mulheres mais bonitas que conheci na vida -, a verdadeira princesa de Pemba, ofereceu uma festa em sua casa, deu para todos nos conhecermos.

As décadas foram passando. Regressei à “terra”, num riff muito desafinado destruí a minha família! Ou talvez apenas a mim mesmo. Poucos anos depois a minha então juvenil filha pediu-me para a acompanhar a um festival rock. Trinta anos depois voltei a pedir uns bilhetes ao amigo António Miguel, o qual não via há anos, desde que fora a Maputo num concerto qualquer… E lá segui, já um pouco trôpego, à Costa da Caparica para um “estranho brilho na areia molhada”, mas já mais para que o sentisse a minha filha Carolina, qu’a vida é agora dela… Mas fiquei estupefacto, pois à chegada dos Xutos logo ela - e os seus, putos quatorzinhos - entraram em modo rock, entusiasmados, conhecedores… “pai, não tocaram a "Maria”", queixava-se depois, no fim, eufórica, a minha filha, mostrando-me que seguiam eles, afinal, fiéis aos mais-velhos. E “Mulher do Leme” ali a sonhei, em erupção de carinho amoroso…

Depois zanguei-me com os Xutos, coisas de se associarem aos políticos. Não era preciso, sempre tinham passado ao lado disso - sim, iam à Festa do Avante mas … sempre haviam seguido sem as merdas do “sistema”, num verdadeiro it’s only rock’n roll e nós gostamos.... Mas ao vê-los no falso Rock in Rio, entenda-se bem, ao vê-los no festival no velho “Cambodja” - esse onde os nossos iam buscar o “cavalo” -, a meter o Marcelo, o Ferro Rodrigues, o Medina e o Costa, essa gente a pantominar o nosso “X” em pleno palco? A ira foi-me terrível: apaguei os postais de blog em que os louvava, deitei fora os CDs que deles tinha, parti os vinis…

Claro, quando depois o Zé Pedro morreu fui até ao cemitério aqui nos Olivais - e nisso ombreando com a mais bela beldade aqui da rua, lendária mesmo, então já sexagenária avó, “nos tempos” inacessível tamanha a diferença de idade, aqueles 3 ou 4 anos… Fui lá para fazer o X à passagem do féretro. Fi-lo! Com lágrimas internas, despedindo-me do verdadeiro “Homem do Leme”.

Mas a zanga não podia demorar. Pois há anos tentei fazer um doutoramento, já ia nas 400 páginas ou mais. Desvaneceu-se entretanto - para quê fazê-lo?, para quê “remar, remar / forçar a corrente” se sabendo-me já sem cabimento? Mas nesse esforço, inglório, escrevera 30 páginas sobre o “Método” da minha disciplina, essa antropologia, as quais quis que fossem um “berras às bestas / que t(m)e sufocam / em braços viscosos / cheios de pavor”, os eunucos convictos que pululam nos “corredores”. E apresentei-me, nu, pobre pila à mostra, (quase) concluindo sobre como trabalhei 20 anos em Moçambique, como fui antropólogo ao som dos Xutos, deste modo:

“(Lá no Zambeze) Navegávamos então, percorrendo devagar aquela água dos hipopótamos e crocodilos, aqueles submersos apenas assomando, alguns destes espojados ao sol nos espraiados tão nossos próximos. De súbito, num pequeno braço de rio entre o canavial, atascámos num baixio. O piloto foi lesto a entrar na água para empurrar o barco, seguido pelo intérprete. Hesitei, para logo entender que o meu peso muito influía. Saltei também, num ápice pensando no enorme réptil que cruzáramos há tão pouco, tão ali próximo, e enquanto empurrava perguntei, até incrédulo com tudo aquilo, “E o crocodilo? …” para o piloto responder, com sorriso rápido, até doce, num cume esperançoso, “Não há-de vir!...”

Lestos nos desatascámos, logo partimos e pouco depois saímos daquele serpenteado entre as ilhotas, reentrando na vastidão do rio na rota para a margem distante. Então, já naquele horizonte tão mais amplo, lembrei-me de uns versos, aqueles “E mais que uma onda, mais que uma maré / tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé / Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade / Vai quem já nada teme, vai o homem do leme (…) / A vida é sempre a perder”. E senti o quanto esse “homem do leme” era o ali homem do leme, no seu percurso relapso à ascensão nas “estruturas”, no partido-Estado, à hipotética acumulação, ao prestígio, preferindo o envelhecer naquela disponibilidade, radical, para o que há-de vir, naquele “não há-de …”, que se “a vida é sempre a perder” isso não “há-de” ser hoje. Cantado assim, há décadas, lá no meu país da minha juventude, assim a mostrar a enorme semelhança da amplitude de anseios e valores, práticas e caminhos, bem para além dos diferentes contextos e sítios onde decorre o devir, bem para além das coisas e ditos a que àqueles damos corpo.

E trauteei, lá durante o rio. Com ele ombreando.”

E ontem, já quarenta anos depois, o António Miguel pergunta-me “queres ir ver o Tim?, dou-te um bilhete”, “está a esgotar, despacha-te”. Claro que sim!, entusiasmo-me, lesto, pronto a ouvir o Tim d’agora, num “conta-me histórias, daquilo que eu não vi”. Hoje anuncio na vizinhança que irei ao concerto. “Onde vais comprar as ganzas?”, riem-se, “aos Candeeiros? ao Gordo?”, já com sarcasmo… arqueológico (sabem, sacanas, que a última vez que comprei uma pedra tinha 21 anos). “Vais com quem?”, avançam, cruéis, sabendo que não tenho “miúda” para içar às cavalitas, e mesmo se a tivesse a radiculite o vetaria. Mas estrearei o cantil que herdei do meu pai, vou comprar a vodka barata e bebível do Lidl, e seguirei ao São Jorge, “à minha maneira”, “Sacola às costas, cantante na mão”. Pois, sei bem, ainda “tudo em mim, é um fogo posto”, até porque “a vida é sempre a perder”.

Tim ao Vivo no Eléctrico - concerto completo

O Desplante de Desventura

jpt, 02.04.25

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"Já viste a entrevista do Boaventura", perguntam-me?... "Sim!" respondo. E sobre o homem também já escrevi - várias vezes ao longo dos anos, de muitos anos, tanto (em registo de blog) sobre o seu "sacanismo" como (em registo "academês", aquele das notas de rodapé e bibliografia apensa) sobre o seu apatetado teor ideológico, um mero lusotropicalista de pacotilha (em ideário e em prática...), algo que contradiz tudo o que de "revolucionário" (enverhoxista, não se esqueça) foi balbuciando sob retórica vigorosa. E também o fiz agora, há algum tempo, sobre este "Affaire Coimbra", esta miserável abjecção que o recobre, de modo indelével.
 
Não me vou repetir. Mas deixo três apontamentos, dedicados àquelas (sim, o género é correcto) que sobre isto antes me escreveram com ... dúvidas (no registo "há mulheres que...", as "provocadoras...", "nunca se sabe...", "se lá estavam era porque...").
 
1. Há algum tempo o velho publicitou (afrontando a nossa etiqueta de recato) um lamentável diagnóstico de doença gravíssima de uma sua companheira colega. E usou-o para proclamar a sua inocência e o teor até assassino das suas acusadoras. Honestamente: nunca vi tamanha indecência. Tétrica, amoral.
 
2. Agora, em longa entrevista televisiva, gaba-se de ter sorte com as mulheres, de ser atraente. Sabe-se que a docência é composta de sedução e nisso tem uma dimensão de erotização (foi o Steiner que o escreveu, não sou a dizê-lo...). E nesse registo sempre lembro que dois dos meus melhores e íntimos amigos casaram com antigas alunas. Tendo começado os namoros... depois de terminado o vínculo docente. Há uma diferença gigantesca. Não de grau, mas de natureza.
 
Fui professor bastante tempo. As alunas (e as jovens colegas) têm uma característica: são novas, por si só um item de beldade. Algumas são belíssimas. E/ou interessantíssimas. Algumas são insinuantes - porque seduzidas ou porque atrevidas (aquilo do "comer o professor" também existe). "Raisparta" diz o homem comum... Ao longo do meu período docente estive escudado diante disso - de facto, mesmo que seja ridículo dizê-lo, eu amava a minha mulher, mesmo. Mas isso não impede que um tipo diga, sinta, "raisparta que esta miúda.... ah, se fosse no meu tempo!". Só que sempre pensei, e alardeei - e talvez por esse meu escudo amoroso - "uma aluna (ou uma jovem assistente, entenda-se), uma aluna é um homem!". Isto não é um homofóbico, é só um heterossexual a falar. Não estou a ser moralista, cada um vive o casamento como quer. Estou a ser deontólogo, um professor não tem "sorte com as mulheres".... Se estes alunas ou tuteladas. Pqp o velho!
 
3. Neste seu execrável e negacionista exercício retórico (proporcionado por uma estação televisiva) o velho coimbrão veio dizer que nos anos 60/70 todos diziam "galanteios", misturando as coisas, reduzindo as acusações de assédio sexual (carnal) e laboral (coisa terrível que abunda na universidade) a umas "bocas"...
 
Ontem estive horas com um amigo (camarada, "mano") e uma amiga, já dos "tempos". Mulher belíssima, divertidíssima. A partir das 3 ou 4 imperiais cumulei-a de galanteios, até para sorriso (cúmplice) do amigo... O melhor (ou maior) terá sido quando quis pagar a conta (dolorosa, decerto) e o empregado (lisboeta dos antigos) disse "a senhora já pagou", e eu resmunguei o "velha guarda" machista "então deixa a senhora pagar?!" e ele me respondeu, surpreendido, "então?!, julguei que eram o mesmo!!!". "Hé, pá, homem, esse é o maior elogio que me fazem desde há anos", exultei para gargalhada na mesa... Estes galanteios em 2025 importunaram, agrediram, pressionaram? Ou foram contextuais, simpatias inócuas, semanticamente perceptíveis e aceitáveis, entre pares? Entenda-se bem, o velho "sociólogo" enverhoxista coimbrão aldraba as relações, esconde as questões do poder...
 
4. Deixemo-nos de merdas, é inadmissível que uma estação televisiva que emite com alvará público dê espaço a mariolas. Pois é "deseducativo". E, acima de tudo, é ordinário.
 
Finalmente, o velho tem o desplante de afirmar que o agente que o "calunia" é o "neoliberalismo". Ilustro com esta fotografia, para aí com 20 anos, talvez da província de Nampula. Ou na Zambézia. Tão mítica como a argumentação dele. Mas não vergonhosa, ao invés da dele.

A "lisboa" Literária

jpt, 30.03.25

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Há três anos fui beber um copo de fim-de-tarde com a minha querida amiga Ana Leão, que chegara de Moçambique. Disso deixei esta croniqueta - de que gostei, tanto que a meti no pacote "Torna-Viagem" que venho impingindo. Nostálgica, até saudosista, muito resmungona. Mas também esperançosa. Pois foi o dia em que descobri a Livraria Martins na Guerra Junqueiro - era muito recente, dela não ouvira falar, desconhecia a origem, até a julguei ser coisa de "carola" livreiro mas afinal é de grupo editorial (o que é bom, garantir-lhe-á alguma sustentabilidade).
 
Não fiquei cliente - não posso comprar livros. Mas fiquei simpático. E, passados anos, ao descobrir que organiza um "podcast" Quinteto Literário ouvi duas sessões. Agora a terceira deu imensa polémica. Pois o crítico e escritor João Pedro George espalhou-se, e muito (e muito mesmo...) ao falar da escritora Madalena Sá Fernandes, e com o beneplácito do moderador do programa (que também meteu os pés pelas mãos, já agora). George já fez a sua samokritica mas quero crer que não lhe chegará para acalmar más vontades e abrenúncios.
 
George é um tipo interessante de acompanhar (ler). É uma espécie de "etnógrafo" do "campo literário" português - e como é usual entre os etnógrafos quando se abalança às suas "monografias" escreve de modo insistente, repetitivo, até cansativo, tamanha a sanha expositiva. Nesse registo lembro quando dissecou o Cotrim e quando abocanhou o Mega Ferreira - então ainda vivos -, textos relevantes pois demonstrativos do "campo cultural-político" da "lisboa" em que vivemos.
 
Neste caso borregou. Porque falou em termos descabidos de uma escritora, e isso será uma conclusão unânime. Inventa-lhe uma auto-erotização publicitária que não é verdadeira. E critica-a por divulgar os seus livros ("so what?", perguntar-se-á em bom português). Mas a matéria mais relevante é o conteúdo da sua anunciada "abordagem sociológica" à escritora.
 
Eu não conhecia Sá Fernandes até há umas semanas. Tenho uma filha de 22 anos - já agora, a Carolina, que apenas vivera em Portugal durante os confinamentos e no ano do seu primeiro mestrado, emigrou ontem, "foi lá para fora ganhar a vida" - que é uma jovem Senhora bem lida. O que é normal, pois com uma mãe leitora, um pai que também o é, ainda que anárquico, e avós leitores. Nenhum de nós, seus ancestrais, somos da "literatura" mas fomos dando "dicas". E ela desde há anos que faz o seu rumo leitor. Há dias recomendou-me uma crónica de Sá Fernandes - sobre o Café Luanda e sua avó - na qual se reviu. Eu também, simpatizei. (E é ela quem agora me chama a atenção para este "caso").
 
E julguei aquela crónica bem melhor do que inúmeros textos na imprensa de escritores renomados - "consagrados", "canónicos", indiscutíveis membros da "literatura" - que anunciam como "crónicas" meros textos de opinião política. Opiniões essas (mais ou menos justas ao olhar de cada um, isso não interessa) que são formas de construir, sedimentar, reproduzir, publicitar, a "personalidade literária" de cada autor. Uma auto-construção do "eu", do "self" literário, que parece ofender os membros daquele podcast culto da Livraria Martins. Mas, de facto, alguém ficcionista/poeta que vai para os jornais escrever (sem sequer ser pago, como agora é norma) a favor/contra ucranianos, palestinianos, vítimas dos bancos, da violência doméstica, vacinas, trump e quejandos, está-se a "construir" / "divulgar" mais do que se for almoçar à bela Serpa e se deixar fotografar. Feliz.
 
(E, lamento, mas uma pessoa com 30 anos normalmente é mais bonita - fresca, que seja - do que com 50 ou 60. Estes últimos podem ter ganho prémios literários, terem sido louvados no Público e no JL, mas estarão encanecidos, engelhados, com papadas descendentes, barrigudos, carecas. Criticar-se os mais-novos por não estarem assim? E terem o desplante de sair à rua nesses mais ou menos belos modos?)
 
Enfim, a matéria da "abordagem sociológica" deste modo exercida desperta-me dois eczemas, ambos relacionados com a velha oposição "nós"/"outros", o que bem ultrapassa os conteúdos das obras (até porque não sou especialista da "literatura"). No fundo, trata-se da tal "lisboa" a autodefinir-se. E resmungo com esses meus pruridos assim:
 
1. Abordar o trabalho de alguém segundo o paradigma "Joana Marques". Ou seja, abandalhar. Acontece que Joana Marques tem humor, esse sacrossanto álibi. E de facto esmiuça, cruel, o lumpen do entretenimento nacional, o qual incessantemente produz mundividências muito criticáveis - o outro dia ouvi-a sobre um DJ que clamava que aqueles que não seguem boas "griffes" não saem da "sopa torta", por exemplo.
 
Mas é impertinente abandalhar uma escritora, pacífica, apenas porque se considera que escreve segundo os modelos da "escrita criativa", porque (!!!) não corresponde visualmente às angústias que (d)escreve. Francamente, esta é a tal "lisboa" - "eu sou escritor e crítico" diz George, como tal pertence à "literatura". Já Sá Fernandes é gozada por ter o desplante de dizer "entrei na literatura". Isto é mesmo a tal "lisboa" desbragada, a cagança...
 
2. O segundo ponto, meu eczema mais grave, pois é o que mais me irrita. Sá Fernandes é invectivada - "sabe como se mexer neste mundo de hoje" - por usar as "redes sociais" para se divulgar (a tik-tok, a instagram, se fosse há alguns anos seria no FB ou mesmo, antes, nos blogs, estes lugares de ilegitimidade...). Ao lado de George e do moderador (que aventa ser a escritora uma "destruidora de casamentos", uma "boca" tétrica), está uma outra escritora, Ana Bárbara Pedrosa, da qual não li livros. Algo arredada do tom cáustico sobre a escritora, mas aproveitando para dissertar sobre a tal "construção" de "personalidades literárias" através do manuseamento da imagem nas redes sociais. Ou seja, as "redes sociais" (a exposição pública, entenda-se) e a conjugação com outros escritores são vistas como fenómenos "ilegitimadores" ou, pelo menos, apoucam...
 
É esta "lisboa" de novo. Desconhecia Pedrosa até há pouco. Há meses, numa alvorada, alguns amigos de Maputo avisaram-me de um texto dela, publicado (claro) no "Público". Passado algum tempo insistiu e publicou outro na "Sábado". Enviaram-me esses amigos a ligação ao primeiro texto acompanhada de questões, a mais simpática das quais era "quem é esta gaja?".
 
Ambos os textos são "crónicas" de viagem, quase como se reportagens, dedicados à situação política moçambicana. Poupo nos adjectivos: são ignorantes. E absolutamente cagões. E uma verdadeira encenação, uma produção de "personalidade literária" - a escritora empenhada chegada ao país "em crise" (ou, se se preferir, "a África"), que logo percorre (enfim, a capital...) e que logo tudo percebe e sobre isso perora, ciosa opinativa. A clarividência "on the road"...
 
Ou seja, para George e para o moderador, uma jovem escritora que escreve como ensinam na "escrita criativa" e se divulga porque se sabe mexer nas "redes sociais" digitais não "faz parte" e é achincalhável. Mas uma jovem escritora que se mexe bem nas "redes sociais" da "lisboa", a "secção africanista" do "Público" (sobre a qual é melhor nem discorrer) ou quejandos jornais, a "rede social" "activista", e decerto que em "sites" decoloniais, etc.? Essa já "faz parte". Pois "é das nossas".
 
Não fosse eu ateu e diria que os espíritos do Cotrim e do Mega Ferreira - que bem mereceram ser escalpados, já agora - se estariam a rir. Pois, de facto, "les beaux esprits se rencontrent".

Dinamarca-Portugal

jpt, 21.03.25

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Ontem ao fim da tarde fui ao "Cabeça de Touro" ouvir o que têm para dizer os membros de uma lista que se candidatará à Junta de Freguesia dos Olivais. Gostei - aqui a IL já está a reflectir, nisso a trabalhar, saúdo isso.
 
Depois segui ao vizinho "Flor do Minho", partilhei uma boa dobrada com amigo "dos tempos". A menina-minha-mais-que-querida foi mais frugal. Ao sentarmo-nos, eu a escolher ficar de costas para a televisão, perguntou-me ela - e também ele - "não queres ver o jogo?". "Não me interessa", ripostei, abancando sem cerimónias. "É a selecção...!", resmunguei, já com a manápula nas azeitonas.
 
Fernando Gomes era braço direito de Pinto da Costa. Depois foi delegado para a FPF. Ali escolheu Fernando Santos para seleccionador. Este teve o bambúrrio de ganhar um Europeu com uma equipa que não jogava nada. Depois, aquando da primeira Liga das Nações fez aquilo para o qual esta fora criada: jogar com os putos e os secundários. Ganhou!
 
Entretanto a FPF de Fernando Gomes fez com Santos um contrato para "dar a volta" ao fisco. E arrastou-o anos a fio como seleccionador, de desilusões e mau futebol feitos. Os ministros das finanças, o primeiro-ministro e o presidente? Adoravam-no, ao Gomes.
 
Depois, quando "aquilo" ficou insustentável, Gomes - presidente da federação de futebol num país onde há uma extraordinária "escola" de treinadores (4 na 1ª Liga inglesa, vários triunfantes no Brasil, outros nos luxos árabes, imensos mundo afora) - contratou um estrangeiro mediano, tornou-o - se calhar já sem contratos mariolas - um dos seleccionadores mais bem pagos do mundo. E o septuagenário Santos lá foi, mundo afora, amealhar porventura para pagar as inesperadas coimas.
 
Gomes foi condecorado (aquilo do contrato não o maculou). E foi para presidente do Comité Olímpico (aquilo do contrato não o maculou). E deixou-nos amarrados ao tal seleccionador. E a selecção nacional não joga nada, está até pior do que no tempo de Santos.
 
"Não queres ver o jogo?", surpreende-se a menina-minha-mais-que-querida, "Então, pá?", surpreende-se o meu-padrinho. Sorvo o gole da imperial, com as costas da mão limpo a espuma alojada na bigodaça. E ouço o Comendador Teixeira a perguntar: "como é que se condecora um gajo destes?", "isso é que eu queria ver, o marcelo a responder a isso".
 
Ainda a lambuzar-me com a dobrada (aviso, é boa a do "Flor do Minho") dizem-me que o jogo acabou. Perderam? Claro, "não jogam nada...." E não adjectivo nem aduzo interjeições. Pois está ali a menina-minha-mais-que-querida. Apenas reduzo tudo ao óbvio "não é a minha selecção".

A "linguagem de rua" no blog

jpt, 19.03.25

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Há uns dias o Pedro Correia deixou aqui um postal referindo que uma simpática leitora do DO lhe confidenciara o seu desagrado pela utilização de palavrões neste blog. Acontece que por vezes eu me liberto da tenaz que a minha irmã e a minha filha constituem e deixo correr a "linguagem de rua" - serei o único a pecar entre os prezados (e educadíssimos) co-bloguistas, talvez haja algum comentador (mais ou menos anónimo) que me acompanhe nesse rumo de franqueza popular, assim também maculando o belo blog.

Ainda que ateu, penitencio-me por esses erros, advindos de graves falhas de personalidade. Pois quando vejo coisas como estas, isto dos deputados do PCP António Filipe, Paula Santos e Alfredo Maia (este último um tipo que foi durante uma década presidente do Sindicato de Jornalistas, o que imenso diz da "classe") não só recusando acolher com aplausos os visitantes parlamentares ucranianos mas, mais do que isso, dando-lhes as costas - não se trata apenas de uma recusa simbólica de aplauso, uma posição política, é mais do que isso - ocorrem-me alguns termos desagradáveis às simpáticas leitoras do DO.

E ocorrem-me outras coisas, neste perigoso registo de associação de ideias: um presidente da república estrangeiro, o ucraniano, é convidado a discursar na Assembleia da República. E um funcionário parlamentar deixa-se em dislates públicos apoucando o convidado e a situação. E nisso afrontando o órgão de soberania no qual trabalha. "O que é isto, então agora o pessoal menor tem estas atitudes?" dirá, curialmente, qualquer simpática leitora do DO. Eu, desse António Filipe, disse e digo outras coisas... E lembro-me do escritor comunista Mário Carvalho ("ai que belo escritor", dirão logo as educadas leitoras do DO) a clamar que os tipos das redes sociais (eu e outros) que associavam o PCP a posições pró-russas eram pagos para isso. E a filha dele, também escritora, choramingando junto ao Boaventura, ao Soromenho Marques e outros que tais, que eram "perseguidos", "censurados" e até "criminalizados" por serem inteligentes, iluminados e, nisso, ditos algo russófilos.  Ou seja, o Mário Carvalho pode dizer que eu sou uma puta, perdão, prostituta, e alguns outros também. Mas é a linguagem de rua que ofende, não o putinismo abjecto desta gente. E portanto eu não direi palavrões, não digo o que penso desse António Filipe, dessa Paula Santos, mais desse outro qualquer. E do Mário Carvalho e da sua velha pirralha. Para não ofender as senhoras...

Como também não digo o que penso dos democratas-cristãos, esses do zombie CDS, que muito apreciam Putin porque sabe distinguir homens de mulheres. Porque, como se sabe, os gajos do CDS são muito avessos a essas coisas da homossexualidade. Estes "gajos" (enfim, autocensuro-me assim...) não têm vergonha na cara.

Pois o problema, real, é o da "linguagem de rua". Não este lixo humano.

O negrume de Montenegro

jpt, 12.03.25

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(Presumo que a fotografia seja de Nuno Ferreira Santos)

Nós, os adeptos de futebol, somos cruéis. Na impiedade com que avaliamos - julgamos - os desempenhos dos profissionais. Na impetuosidade com que deles nos apropriamos para os nossos escapismos, quais catarses - para os nossos afectos, mesmo paixões, mas também para as raivas, até ódios. No despudor com que os usamos como matéria-prima para significar a realidade, despersonalizando-os como meros lexemas. Disso brotam enunciados dogmáticos que esclarecem o Universo: "Divino como Vítor Damas", "Belo como Jordão", "Demoníaco como Alberto", "Tosco como José Eduardo", diz no já muito usado missal da congregação que frequento. Corolário desta religiosidade popular emanou uma teologia, ecuménica, que à totalidade dá sentido, cuja liturgia se expressa em idioma próprio, sacro, apenas verdadeiramente cognoscivel pelos iniciados: o futebolês.

Foi nesse registo - cruel, repito, até desrespeitoso para com o aludido, e isso lamento, pois assim pecaminoso (mea maxima culpa, aliás "fiz penalti") - que em 4.1.2023 usei o bom nome do profissional Jorge Silas para significar Luís Montenegro, a este dizendo um evidente "erro de casting", uma má contratação, por assim dizer. E, na soberba do verdadeiro crente, insisti, em 28.9.2023, no púlpito pregando que "é já óbvio que Montenegro é uma espécie de Jorge Silas - o treinador de futebol que o Sporting contratara, crendo-o e anunciando-o como "the next big thing". E que veio a falhar rotundamente, por causas próprias e alheias". 

Espero que Jorge Silas - o qual me afiançam ser um homem decente e um honestíssimo e empenhado profissional, e ao qual desejo felicidades pessoais e sucessos laborais - me perdoe esta atrevida metáfora, se dela tenha tido ou vier a ter conhecimento. Não era algo pessoal, apenas a ladainha litúrgica a que acima aludo, cativando o que era consabido: as coisas no Sporting não lhe haviam corrido bem, acontece... E que era evidente que as coisas no PSD não iriam correr bem sob alguém com aquele perfil - o que não "acontece...", a política não é um jogo, não há "lesões" e "bolas à trave" ou "árbitros". Pois o futebolês tem imensos limites... teológicos.

O rumo de Luís Montenegro nas últimas semanas é ... denotativo do seu perfil, político. O qual é evidente, desde que assomou. A sociedade portuguesa actual já não é a do tempo dos caciques - da prevalência de "O Senhor Morgado" do Conde de Monsaraz, que o grande Adriano Correia de Oliveira cantou. Pois esta já longa democracia é a era dos "facilitadores". Montenegros. Há atrevidos que consideram ser este país uma espécie de "PME" e que por isso lhe basta um líder "facilitador". Mas não é, tal como não é um quartel ou fragata, tropa pronta a perfilar-se diante de um oficial general.

E ontem, aquilo que se passou na AR - um Primeiro-Ministro, seu governo e seu partido em míseras artimanhas, avanços e arrecuas, na arrogância do "bluff" com canino rabo entre as pernas - foi uma vergonha. Espero que calamitosa para uma "geração" partidária. Essa que agora se desdobra e desdobrará, comentadeira ou pomposa, a clamar ser alheia a "responsabilidade" desta trapalhada. E a qual não tem qualquer desculpa, estava desde há muito avisada: em 8.5.2023 um tipo que não é esquerdista tinha avisado - e a propósito do mesmo fluxo agora explodido - que o rumo de Montenegro era (e é, como se comprova) o de "Sócrates Vintage".

E não tem desculpa, essa "geração" partidária, porque é ela própria apenas isto. Um negrume. Agora o de Montenegro. Amanhã o de um outro qualquer "facilitador".

Espero, sinceramente, que a "moldura humana" não os deixe, sequer, "ir a penalties"...