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Delito de Opinião

A léria explicativa

jpt, 13.03.24

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Antevendo o enorme crescimento dos votos no CHEGA, já durante a campanha Montenegro viera isentar esses eleitores dos defeitos de "racismo" e "xenofobia". Depois, já na noite eleitoral, também Santos - na sua pe-cu-li-ar dic-ção vi-go-ro-sa, que tanto faz por denotar a sua esclarecida determinação - ungiu de democraticidade os nossos conterrâneos inclinados para o professor Ventura. 

E está assim esclarecido o acontecido, resumido a uma amálgama de "votos de protesto". Nisso concordam políticos, comentaristas (alguns politólogos, outros nem tanto) e letrados em geral, muitos dos quais (e desde logo Santos...) anunciam o intento de "estudar" a situação, inquirir as causas deste incómodo público. Um efeito da "iliteracia", constatam também os intelectuais, essa que grassa entre o milhão e tal de compatriotas que votaram ao invés das suas doutas e esclarecidas opções. Este raciocínio ilustra-se, comparativamente, de forma fácil: quando os pobres e ignorantes do Nordeste brasileiro provocaram a recente vitória de Silva sobre Bolsonaro, isso foi saudado como uma vitória democrática, do sentir do povo. Quando os pobres e ignorantes do meio-Oeste americano provocaram a ainda recente vitória de Trump, isso foi aviltado como sinal da abjecta ignorância troglodita. E por cá, se estes tipos votam no CHEGA, é devido a serem ignorantes e iletrados, votam apenas "reactivamente", por mero reflexo, com irreflexão, desconhecimento. Antes as massas camponesas (imortalizadas por Manuel da Fonseca  e outros), analfabetas ou quase, votavam PCP? Defendiam militante, corajosa e reflectidamente os seus interesses. Os seus filhos ou netos - os que não se baldaram para os subúrbios da Grande Lisboa ou para as suíças -, já com escolaridade obrigatória, votam no "imbecil" Ventura? São ignorantes... Os sectores mais envelhecidos e menos instruídos do país votam PS? "É Abril", com o cravo vermelho ondulante, como tantos no dia eleitoral afixaram nos seus murais de Facebook, ou irão desfilar na rua, como já promete o professor Loff no jornal "de referência". Outros, tão instruídos ou até mesmo um pouco mais do que essas "massas de Abril", votam no CHEGA? São incultos, irreflectidos, boçais mesmo...

É certo que os eleitores votam com a bolsa. Aqui o Pedro Correia elenca factores económicos que estrafegam os eleitores: custo  de vida, acesso ao mercado de trabalho, condições laborais, degenerescência de alguns serviços públicos. Mas apertões destes - e até mais intensos - aconteceram antes com efeitos eleitorais bem diferentes. Ora é relevante assumir que as pessoas votam com a bolsa mas não só com ela. Exactamente como os doutos opinadores, que votam em função da situação económica - menos a pessoal pois abonados,  mais a global -, mas fundamentalmente por questões ideológicas e, ainda mais, identitárias (ser de "esquerda" ou de "direita", acima de tudo). Mas, para este "escol" opinador, o eleitorado popular (o povoléu) tem uma racionalidade diferente da deles, pois vota segundo o saldo mostrado no Multibanco...

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Porventura acontecerá agora o mesmo de há quatro décadas, quando a Aliança Democrática ganhou umas eleições: então o ónus estatutário de se votar na "direita" era tamanho que dificilmente se encontrava um cidadão comum que declarasse ter votado na coligação vitoriosa. (Depois houve a divertida rábula da disseminação dos dísticos peitorais "Não tenho culpa, não votei AD", respondida pela similar campanha "Eu votei AD, Eu trabalho" - se a memória não me engana). Algo similar agora não apenas por razões ideológicas, a tal ininteligência atribuída à "direita", mas também por razões estatutárias, um défice social associado ao voto "rasca".

 

Há mais de dois anos aqui escrevi sobre como era inapropriada essa "desvalorização" sociológica. Dando um pequeno exemplo, o de dois conhecidos meus, antigos altos quadros da administração pública, agora em actividade laboral privada, os quais se me afirmavam como eleitores CHEGA, e com fundamentações muito bem elaboradas. Entretanto isso disseminou-se no seu meio sociocultural (e etário), bem como noutros: fui ontem convidado para uma almoçarada em tasca, pois ali um grupo festejava o bom resultado do partido em que havia votado ("e precisamos de um esquerdista como tu para gozarmos..."). Felizmente estou longe do Trancão... Mas não só nesse: no domingo de eleições, a meio da manhã antes de partir para Lisboa ao voto, encontrei um conhecido aqui no morro junto ao Sado. Ele um beirão que para cá veio com 12 anos e a primária incompleta, trabalhar no campo por comida... Ainda hoje, com a minha idade, trabalhador rural, tão rijo que (me) impressiona. Bebemos uma mini e disse-me "Eu gosto é do PS, sempre votei no PS. Mas estou tão fodido com eles que hoje votei no CHEGA!". "Protesto"? Isto é "protesto"? Ou é sopesar a acção governativa (a "praxis política" dirão alguns comentadeiros) e optar em função dessa avaliação?

O CHEGA foi catapultado pela prática política dominante, em particular a do PS. Recordo Costa a saudar os novos partidos na AR durante o seu discurso de vitória em 2019, e o leve breve sorriso que lhe perpassou ao nomear o LIVRE - essa criatura socialista, usada para apoucar o BE, parceiro gerigôncico então crescente. E dessa mesma deputada, logo nesse dia eleitoral começar o fluxo imparável de dislates com que ocupou aquela sua legislatura com o vozear tonitruante de que estava ali "contra o fascismo!". "Quem?", "quê?", perguntou-se o comum do mortal eleitor, distraído diante do fraco unideputado futeboleiro. E isso foi o tiro de partida para a "caça ao Ventura", durante anos feita biombo da política real, na utilização de um "antifascismo" imaginado como congregador de uma geringonça em espírito, malgré tout... Isso mais do que demonstrado na patética forma como se excluiu o CHEGA de aceder à vice-presidência da AR (repetirão os pruridos agora?). E ainda mais no modo boçal de parcial, qual energúmeno partisan, como Augusto Santos Silva entendeu tratar o deputado Ventura, julgando nisso pavimentar a sua rota para Belém, qual Pasionario português. Haverá maior incompetência política do que a de Santos Silva?

Assim excluído Ventura - essa criatura de Luís Filipe Vieira, o capitalista com problemas judiciais e apoiante do PCP, catapultada pelo presidente do PSD Passos Coelho, ou seja, nada marginal ao regime sociopolítico -, fica o que sobra. E o que sobra é o que alimenta as representações (as considerações) sobre o regime que o eleitorado vai fazendo. Um PS no poder e que em vez de se tentar expurgar do tétrico passado socratista (o que talvez Seguro tivesse tentado fazer) o tentou varrer para debaixo do tapete.

A substituição da Procuradora-Geral da República - afinal aparentando agora ter sido um tiro no pé - foi um momento simbólico disso. Exemplo real dessa essência clientelar do partido foi a ascensão ao governo de frenéticos propagandistas socratistas, como Galamba e Adão e Silva (já agora, alguém falou em "Cultura" durante o longo período eleitoral? Será que só os eleitores CHEGA é que não ligam à "Cultura"?). O efectivo aldrabismo socialista nas listas ao Parlamento Europeu ainda mais representa essa essência socratista do partido, naquilo de colocar o braço-direito do antigo PM como 3º na lista mas depois elevando-o a vice-presidente do PE, assim mostrando ser esse genuíno socratista o verdadeiro líder da sua secção parlamentar, socialista portuguesa, e não Marques ou Leitão Marques os dois antigos ministros de Sócrates, no caso dela também mulher do antigo cabeça-de-lista socratista Moreira. 

O PS é "iberista" (e nisso é acompanhado pelo PSD). No sentido em que continua a pensar que o futuro político nacional decalcará o presente espanhol. Ignorância, irreflexão, iliteracia - piores do que as dos eleitores do CHEGA - que impediu e impede de perceber e integrar a degeneração acontecida nos partidos socialistas (e concomitantes partidos centrais) em França, Itália e Grécia, os tais do "socialismo mediterrânico" em voga nos anos 80s. Tudo escondido pelo bipartidarismo, mais ou menos geringôncico, de Madrid. 

Por tudo isso o PS fez questão de traçar "linhas vermelhas" bem lá longe, ao fundo, uma Maginot antifascista, para "animar a malta" numa falsa "Frente Popular". Ao invés de ter traçado linhas vermelhas internas, escorraçando o maior número possível de colaboracionistas e de práticas socratistas. Deste rumo, incapaz de qualquer autocrítica, escolho três pequenos exemplos denotativos: em 2015, após a tomada de posse do primeiro governo Costa, houve a bafienta cerimónia de "apresentação de cumprimentos". Na saída uma estação televisiva pediu declarações a uma jornalista veterana, profissional e cidadã muito respeitável. Foi-lhe perguntado se estava contente com a nomeação do então primeiro-ministro. Que "sim", "mas também qualquer um seria melhor do que o anterior" [Passos Coelho], respondeu, risonha. Sócrates estava detido... mas isso pouco contava para a socialista Maria Antónia Palla. Logo ali deixando transparecer o sentimento que vigorava na elite partidária.

Oito anos passados o terceiro governo de Costa cai, face à descoberta de dezenas de milhares de euros escondidos na antecâmara do seu gabinete. A militante socialista, antiga embaixadora e candidata presidencial, Ana Gomes - investida das funções de "comentadora política", sabe-se lá das razões para tal  - diz na SIC, casquinando, "é preciso saber de quem é o dinheiro", assim aspergindo com a peçonha da dúvida todos os frequentadores da secção primo-ministerial de São Bento, Costa incluído. 

Mais ainda, o moçambicano Manuel Araújo, presidente da câmara (conselho municipal) de Quelimane, está em Portugal para assistir às eleições. Escreveu um longo e emotivo elogio à democraticidade do processo eleitoral português, à liberdade do exercício dos direitos políticos e à competência, celeridade e neutralidade da administração pública no processo eleitoral - em explícita contraposição com as dificuldades havidas em Moçambique. É isso verdade, felizmente, a democracia reina em Portugal, e há uma evidente lisura nos processos eleitorais. De facto, nos últimos largos anos, e se a memória não me engana, só surgiu uma dúvida sobre hipotética "chapelada", dúvida que o tribunal veio a considerar infundamentada, devido à inexistência de alguns trâmites queixosos: uma muito excêntrica votação numa única, e muito tardia, urna de votos. Numas autárquicas em Campo de Ourique...

E entretanto Sócrates - dez anos depois de ter sido detido, pelo menos 16 anos depois de se saber à boca cheia que tipo de pessoa é - ainda não foi julgado, se é que o virá a ser!

E sobre tudo isto paira, num loquaz frenesim inexistente, um presidente da república.

Mero voto de "protesto", em função do "multibanco", "irreflectido", "iletrado", "inconsciente", contra "os políticos que são todos iguais"? Que alguns políticos têm uma grande desfaçatez a gente sabe. Mas estes doutores, analistas, é que têm uma "g'anda lata..."

Eleições 2024, o meu rescaldo

jpt, 11.03.24

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1. Os fascistas que durante décadas votaram PCP em Beja, Évora, Setúbal, no PS em Faro e etc. foram votar no CHEGA. O vigoroso (que entoação viril, noto!!!) Santos prometeu que o PS vai estudar as causas do "voto de protesto". Não há paciência... Entretanto na SIC, no princípio da noite, um qualquer comentadeiro lamentava a redução da abstenção porque isso indiciava o aumento dos votos no professor Ventura...

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2. Arrepelam os cabelos e falam muito em governabilidade. No "dia de reflexão" aqui avisei o futuro da governação do país, uma mistela.

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3. O país tem gigantescos problemas a enfrentar. O PSD propôs-se para os dirimir, afirmando a qualidade dos seus quadros e a capacidade para cooptar elementos ditos "independentes". Para isso fez uma coligação com o defunto CDS e com o inexistente PPM, na ânsia de captar um qualquer "espírito" histórico e agregar alguns votos que dessem para eleger mais um ou outro deputado. Fez-se uma coligação com nome parecido de partido existente e com símbolo semelhante - preenchido por tipos meio loucos, demonstrou-o o cómico Araújo Pereira... Votos entregues vê-se que a confusão fez a coligação perder pelo menos dois deputados (Vila Real, Coimbra). Ou seja, eliminou os ganhos da tal coligação. Um quase jovem dirigente do PSD, António Leitão Amaro, diz no painel da RTP que deram conta do acontecido desde a semana passada, quando começaram os votos antecipados... É esta equipa que está preparada para enfrentar os problemas do país?

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4. De facto, fica tudo à espera dos resultados da votação dos emigrantes para saber quem é o partido com maior representação parlamentar. Grande ironia: não só lembrando a trapalhada da última votação dos emigrantes, com abstruso défice legal. Mas acima de tudo as dificuldades que os sucessivos governos têm produzido para o exercício desse voto, sempre considerado um "fardo" para o Estado. Isto para além do histórico descuido estatal, e seus responsáveis, para com os emigrantes.

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5. O PCP manteve a representação parlamentar, apesar da "grande campanha" adversa que sofre. Até à próxima derrota, que se deverá a mais uma "grande campanha"...

A votar

jpt, 10.03.24

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Venho a votos, que não a banhos. Antes abanco na tasca, a ganhar coragem para confiar em alguém. Ou desconfiar menos, para ser franco. Para isso, e porque ainda é cedo, peço a cerveja, jamais Sagres pois gozou com Rui Patrício. Trazem-me esta, em completa violação da neutralidade requerida ao dia eleitoral. Ainda bem! Bebo e vou ao voto. "Como Dantes?" não. Basta (que não Chega) disto.

O voto do cidadão

jpt, 10.03.24

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O voto é um direito, nunca um dever. Resmungo, cigarro matinal numa mão, malga de café na outra, espreitando a ameaça chuvosa, com ideia de trepar a ladeira, 13 minutos em passo estugado para apanhar a camioneta, na senda do Trancão. E com as horas que gastarei, o dia quase todo entre ida, estada e regresso, o dinheiro que gastarei, nos transportes, na bica que decerto urgirá, o almoço, por frugal que seja, e pior ainda se encontrar algum eleitor amigo, motivo quase certo para derrapar até à imperial e meia de febras, comezaina já, enfim um dia perdido, uma canseira... E para quê, o que interessa o meu voto, é só um - pois vale, infelizmente, o mesmo do que o de tantos que votam tão mal!! -, não mudará nada.
 
Decido assim abster-me, guardado está o dia para as minhas coisas. Ainda assim vou confirmar onde é o meu local de voto, para o caso de me aparecer uma inesperada boleia. Entro na página dedicada ao assunto pelo Ministério da Administração Interna. Na qual para se obter essa informação é necessário colocar o número do Cartão de Cidadão (o velho BI)!
 
Estanco! Num "raisparta, tenho de ir votar!" Convocado pois desde há muito tempo este é o único sítio onde me pedem este número. Pois num país onde todos, organismos estatais e empresas (a CTT, por exemplo de ontem, para abrir uma conta digital) pedem o NIF. Reduzindo-me a mero pagador de impostos. E a todos os outros. Enquanto aqui, talvez já só aqui, me tratam como um cidadão.
 
"Raisparta", repito em suspiro. Fumo mais um cigarrito. E sairei até à capital, armado com o meu número de cidadão para votar contra aqueles, e tantos são, que me destratam, apoucam, como pagador de impostos. Mas, nada utópico, convicto de que os votos dos outros e, mais ainda, as mentes alheias, farão que muito em breve para exercer o tal "dever cívico" (dizem-no) será preciso dizer o NIF...

A presidência e as eleições

jpt, 09.03.24

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1. A muito generalizada ideia de que o Presidente da República deve pairar sobre o sistema político, qual divindade do regime, nisso implicando como que uma "neutralidade axiomática", é uma aberração, tamanha a contradição que implica. O povo - o eleitorado, se se preferir - elege alguém exactamente para que intervenha. Com viés, esse que deverá ter sido explicitado no seu programa/manifesto eleitoral e fundamentado na sua biografia prévia ao exercício presidencial. A partir daí pede-se tino, ou seja respeito pela lei e fidelidade ao bom senso. 

Assim sendo, é perfeitamente curial que um presidente intervenha, de forma  mais ou menos explícita, num processo eleitoral que decorra sob sua tutela. A bem da sua figura de "primeiro magistrado da Nação" (o que é uma metáfora) talvez não convenha que ande pulando nas arruadas comicieiras dos seus preferidos. Mas só isso. De resto, com lisura - de preferência sem requebros "florentinos" - pode, e até deve, interferir no processo político.

Mas o que não é simpático é a forma "soprada" de intervenção, uma névoa de "diz-que-diz", ademane de "mentideros". Pois não sendo explícita não é falsificável, refutável. Disso lamentável exemplo é a primeira página da edição de ontem do "Expresso" - não só jornal de que Rebelo de Sousa foi director mas também consabida caixa de ressonância dos seus "recados". Pouco importa se o jornal já não tem a influência política que tinha em outras eras tecnológicas - o Pedro Correia anuncia aqui que líderes partidários já nem acedem a serem entrevistados pelos seus jornalistas, demontração da sua crescente irrelevância. E até pouco importará se a "notícia" tem fundo de verdade ("Belém" soprou) ou não (o "Expresso" inventou) - até porque poucos acreditarão que a "caixa" tenha sido inventada na sede do jornal. E também pouco importa se este "diz-que-diz" beneficiará algum dos outros partidos candidatos. Importa que isto não é uma forma democrática, "aberta", de intervir. É, evidentemente, mais uma "marcelice", das muitas. E o regime democrático terá de se depurar deste "marcelismo".

2. Em adenda, e sobre o que vai acontecer amanhã: é-me antipático o partido CHEGA, dado o seu pendor discriminatório, a sua demagogia, para além da evidente contradição entre o que vai escarrapachando nos dizeres programáticos e o conteúdo das inflamadas declarações do seu presidente. Mas ao olhar para as sucessivas sondagens que vêm sendo publicadas, e independentemente da sua fiabilidade, há algo que me parece óbvio: em relação aos resultados de há dois anos parece que o CHEGA crescerá. Atraindo mais 7, 8, 9, 10 por cento do eleitorado, talvez até mais se crermos nas expectativas do professor Ventura. Muito provavelmente será o grande vencedor, relativo, destas eleições, e mais ainda se se pensar que há 4 anos elegeu um deputado com cerca de 2% dos votos nacionais. É mais do que provável outros políticos e imensos comentadores surgirão a declará-lo derrotado: por  não ter chegado aos tais 20%, fasquia alta que ostentou, se calhar por não se ter tornado necessário para fazer maiorias, etc. Mas isso será esconder a realidade, incompreender o país. Tal como o é elidir que o partido meramente contestatário cresceu exponencialemente durante o consulado de Costa, desde o seu início propagandeado até ao máximo pelas forças da velha geringonça, pois usado como "legitimidade anti-fascista" daquela espécie de "Frente Popular", e agora usado como arma de arremesso contra os oponentes de "direita", ditos até quasi-CHEGA. No fundo, esse mais que provável apagar da vitória de Ventura será fazer política como o "Expresso", com "marcelismos" por assim dizer. É o modo da gente ufana...

(A proibição de "falar de política" num dia de "reflexão" é um patético anacronismo, um paternalismo estatista inadmissível no ano do cinquentenário do regime democrático. Que a nova Assembleia da República saiba comemorar os 50 anos do 25 de Abril formalizando a consciência dos efeitos benéficos da democracia. Entre os quais a liberdade de imprensa, a disseminação da educação e nisso a consciencialização da população, para além da pacificação da sociedade. E por isso a desnecessidade das restrições apostas ao tal putativo "dia de reflexão").

Calendário Laico: o dia da Mulher

jpt, 08.03.24

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Ainda que sempre resmungando contra este calendário laico, que ao santo do dia substitui por "causa santa" do dia, ressalvo a dimensão histórica deste Dia da Mulher, emanado da tão necessária luta pelo direito à equidade entre homens e mulheres. E nisso partilho também da desconfiança face aos estereótipos, alguns é certo que pacíficos, mas outros veiculando velhos papeis sociais de facto discriminadores. Deste modo neste 8 de Março sempre me recuso a oferecer às mulheres da minha vida quaisquer chocolates (em particular bombons) ou flores. Por isso aqui deixo, para as minhas queridas e suas vizinhas, um vigoroso e feminino Loch Lomond, o preferido do capitão - e, em assim sendo, também o deste furriel.

O PS não muda: o caso paradigmático dos Olivais

jpt, 04.03.24

                   

O governo do PS caiu na sequência de um conjunto de "casos e casinhos" - expressão criada para desvalorizar uma inusitada sucessão de desatinos (como o patético "affaire computador"), os quais culminaram no verdadeiro "casão" Escária. E os seus dois antecessores caracterizaram-se por despistes em exercício, em particular o segundo (como os trambolhões sonoros na Defesa e na Administração Interna), e por uma demasiada "endogamia" - incorrecto termo usado para aludir à teia de relações familiares que albergavam, em particular o primeiro. E é ainda indelével no historial PS ter o período Costa sucedido à governação Sócrates, o pior momento deste regime, mas ainda assim defendido até à última pelo partido e pela sua mole de produtores de opinião pública (como Galamba ou Adão e Silva, que Costa veio a recompensar ao elevá-los ao governo).                                   

Não se trata de clamar que tudo isso é "corrupção", que não o é - isto para além de "corrupção" existir em todos os regimes, em todos os quadrantes ideológicos, e de poder grassar em todo o tipo de poderes quando eleitos ou nomeados. Ou nepotismo, pois nem tudo o é. E também não se pode reduzir isto a uma "incompetência" que seja típica daquele partido e seus "companheiros de estrada", disponíveis para com o PS governar ou administrar o sector público. Pois também em todos os regimes e quadrantes ideológicos há escolhas desadequadas ou efeitos do inesperado nas coisas públicas.

Mas tudo isto enuncia duas características deste PS de XXI: a incapacidade - talvez devida à crença da sua  desnecessidade - para cooptar um amplo leque de "homens bons" (de competentes pessoas de bem, dir-se-á hoje) da sociedade para o exercício do poder; e, talvez mais do que tudo, a inexistência de uma autocrítica, interna que seja, algo que sempre transparece um enquistar castrense típico em "partido de poder" exaurido.

Haverá gente do PS, e não só, crente em que a mudança de líder inflectirá alguns rumos políticos e influenciará as práticas no poder. Independentemente disso ser pouco crível com Santos. Não só porque vem demonstrando um verdadeiro e atrapalhado vácuo programático mas, acima de tudo, porque foi consagrado como o "campeão" do aparelho partidário. E é neste que radica o problema.     

Ou seja, não se justifica esperar mudanças positivas - desenvolvimentistas, por assim dizer - no PS. Não por causa deste novo secretário-geral ou de qualquer seu hipotético sucessor. Mas devido à mundividência que grassou e acampou no partido, nas redes que este constitui com a "sociedade civil", esse amplexo do qual emana Santos e emanarão seus sucessores. Mundividência e respectivas práticas que seguem, repito, imunes à autocrítica. E encastradas na aversão a críticas alheias.

Um exemplo paradigmático, pois denotativo, de tudo isto é o que vem acontecendo na Junta de Freguesia dos Olivais. Uma minudência, dirão alguns. Mas são 32 mil eleitores - muito mais do que em tantos municípios -, sitos no centro da capital. O PS domina a Junta desde 1990, diz-se que nele teve o presidente de Junta com mais tempo em funções no país, Rosa do Egipto, ao qual sucedeu a actual presidente, Rute Lima.

Desde que regressei a Portugal tenho escrito alguns postais como freguês desta freguesia: alguma fragilidade dos serviços da Junta - à qual agora se pode aduzir o encerramento da biblioteca pública (a ex-Bedeteca) desde há anos, para se realizarem umas relativamente simples obras de reabilitação, uma situação lamentável e incompreensível de inércia. E o tom verdadeiramente populista da sua presidência, com a desbragada utilização dos serviços da Junta - e seu boletim mensal gratuito - para engradecimento pessoal da figura da presidente Rute Lima, no posto há vários mandatos.

Também aqui deixei nota - e testemunho iconográfico - da minha irada estupefacção quando em recentes eleições ter notado que o pessoal contratado pela Junta para assistência nas assembleias de voto surgir com camisas com símbolos gémeos ao da candidatura socialista, evidente caciquismo rasteiro. Enfim, um rosário de indigências mentais, surpreendentes por vigorarem nesta Lisboa actual. Quanto ao resto, o verdadeiro funcionamento da Junta, há o constante "diz-que-diz" de fregueses, coisas até plausíveis mas apenas "conversas de café", impublicáveis.

E bem aqui insisti, com pormenor, que nas últimas autárquicas para a surpreendente derrota eleitoral do candidato socialista Medina foram suficientes os votos que o PS perdeu na freguesia Olivais.   

Entretanto, no ano passado houve três reportagens televisivas, detalhadas, anunciando desmandos económicos na Junta. Algumas das referências eram até pungentes - gravações que demonstram haver uma vogal que alimenta a família com a comida das cantinas escolares, por exemplo. Contratações de familiares directos de gente em funções. Aparentes minudências dessas. Nesses dias houve alguns ecos mas mais nada se soube. A presidente Rute Lima - que exerce (ou exerceu) o seu cargo em part-time, pois foi cooptada para a gestão municipal de Loures pelo seu novo presidente socialista, algo peculiar numa freguesia desta dimensão - seguiu incólume.

No final do ano 23 saiu mais um dos característicos boletins da Junta, sempre "Rutecentrados", como comprova a imagem que encima o postal. Ombreando com (mais) uma longa entrevista auto-laudatória a omnipresente Lima escreve no seu editorial, dedicado aos seus "Queridas e Queridos Olivalenses", uma denúncia daquela "espuma que é uma nova forma de estar na política" que conduziu "a forma sórdida a que todos fomos expostos, naquele que foi um ataque inqualificável ao Executivo". Em Fevereiro a Polícia Judiciária fez buscas durante um dia na Junta.

Friso, não há arguidos, não há culpados. Mas há décadas "disto": de comer das cantinas, pelo menos. Deste despautério caciquista. E do PS ser incapaz de se apartar, autocriticamente, deste tipo de gente. Deste tipo de práticas. Desta... mundividência.   

Entenda-se bem, o PS não muda, nem mudará. Pois o PS, este que vai a votos, é Rute Lima.                                             

Há quatro anos

jpt, 04.03.24

toquei na minha mãe pela última vez. É certo que a, posteriormente consagrada, directora-geral da autoridade sanitária pública ainda nos viria convocar para visitarmos os nossos "mais-velhos", e que o nosso PR ainda andava, frenético país afora, em comemorações teatrais. Mas, face ao que já grassava na Itália e em Espanha, decidimos não visitar a mãe até que as coisas, que tão negras pareciam, viessem a serenar. Fui, fomos, à Ericeira dizer-lhe isso, afiançando-lhe a crença de que seria por pouco tempo, uma "maçada" apenas, algo a que ela, nonagenária lúcida, acedeu em acreditar.

Uma semana depois, a 13, a minha filha viajou de Inglaterra - no exacto dia em que Warwick, a sua universidade, encerrava por todo aquele ano lectivo (!) -, fui recebê-la ao aeroporto, ainda pejado de exultantes turistas nórdicos em busca de sol de Inverno, vinho barato e peixe grelhado, tal como no Tejo ainda aportavam os gigantes paquetes..., vil e incompetente coisa de país reduzido ao afã da "indústria turística". E, angustiados, seguimos directos para Sul do Tejo, onde amigos-verdadeiros irmãos abriram a levadiça do seu já confinamento para nos albergar. Dias depois o país confinou-se.

Algum tempo depois pude voltar, voltámos, a visitar a minha mãe, à distância sem beijos nem toques, no jardim frondoso da "Residência" onde vivia. E, em piores momentos, apartados por uma barreira de acrílico. Um dia, meses depois, ela, bastante enfraquecida por aquela clausura angustiante, disse-me e repetiu-me "és muito bonito, meu filho, és muito bonito", inédita hipérbole que atribuí a alguma anciã confusão intelectual e a um carinho saudoso. Era, afinal, uma despedida pois morreu poucos dias depois. Sem que eu a pudesse ver uma última vez, já no seu esquife, devido às exageradas restrições, nisso disparatadas, mesmo assarapantadas...

Andava eu acabrunhado, acabrunhadíssimo fiquei, entretanto talvez me tenha libertado do superlativo.               

E acabrunhados então andávamos, ainda que não desistentes: o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo - que é não só um bom fotógrafo mas também um homem como deve ser (Homem com H grande, dizia-se) - logo se apartou das angústias e saiu à rua para fotografar a cidade confinada, tendo editado o seu "Cidade Suspensa", a Lisboa dessa inicial era Covid. E depois, meses a fio, continuou a fotografar-nos. Acabrunhados, nisso até exaustos. Deixo aqui alguns de nós por ele fotografados.

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sentada.jpgPara quem se possa interessar: um dia deixei um relato longo dos dois primeiros meses de Covid em Portugal, chamando-lhe "O Capitão MacWhirr e o Covid-19". E julgo que qualquer leitor de Conrad logo pressentirá o seu conteúdo...

O PAN na campanha

jpt, 03.03.24

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Durante as campanhas incidimos - resmungamos, claro - mais sobre os discursos (pre)dominantes, os dos grandes partidos. Pois são mais escutados pelos eleitores, são mais ecoados pelos analistas, comentadeiros, militantes e avençados. Pois, e por mais que haja centralização das campanhas nos líderes partidários (e na quantidade de lágrimas que lhes brotam diante de Cristina Ferreira), os grandes partidos têm mais locutores encartados - vejam-se os sucessivos dislates dos actuais Sousas Laras da AD. E, acima de tudo, porque esses partidos exercem o poder, nas suas múltiplas formas, e têm um passado e um presente de efectivas (e executivas) opções, o que dá pano para mangas para quem os queira criticar. E, já agora, para quem deles queira desconfiar. Assim sendo os "pequenos" partidos passam mais incólumes, as suas aleivosias são ditas meras "excitações" até amadoras, o inadmissível reduzido a patusco. E foi isto que pensei ontem num café, alguém me chamou a atenção para o que constava na televisão, a dirigente do PAN a propôr que os bombeiros tenham equipamento para reanimação dos animais de estimação. Não é só o patético desta ideologia dos "lulus" que tanta grassa na sociedade, torpemente mascarada de preocupações ecológicas. É mesmo este desplante total, diante da situação da sociedade portuguesa relativamente às questões da saúde pública. E não só... E ainda assim há gente, concidadãos, que votam nisto. Pois são estes PAN "simpáticos" ou têm "boas causas", ou lá como se justificam para apoiarem esta vergonha.

Fake News Tugas

jpt, 27.02.24

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É consabido que desde há alguns anos os movimentos de extrema-direita - soberanistas, discriminatórios, genderófobos, fascizantes ou até mesmo fascistas, e também neoliberais (o que é mau é neoliberal, como também é bem sabido) - usam as possibilidades digitais para espalharem "inverdades", as antigas falsidades (ditas "fake news").
 
Em especial durante os períodos eleitorais somos inundados com estas aldrabices. E logo, de modo muito convicto, dignissímas mães de família, laboriosos pais de família, fidelíssimos filhos de família e recatadas filhas de família, acorrem aos seus múltiplos teclados aplaudindo as atoardas, apupando os visados, repassando tais dizeres aos seus vizinhos. Fazem-no com o mesmo afã que os neoliberais destroem os serviços nacionais de saúde, com o fito de matar os velhinhos e os adoentados. E se algum freguês da mesma freguesia os avisa, pacientemente, que estão enganados respondem, ríspidos e ufanos, se non è vero, è bene trovato... E nisso convocam os patifes que têm a mania dos factos para que metam a viola (esquerdista) no saco...!
 
Nos últimos dias essa fascista extrema-direita tem pululado na internet portuguesa. Em frenesim redistribuindo esta vilania cometida sobre o professor Ventura. Como é óbvio - ou deveria ser - para qualquer letrado, o ilustre prelado Tolentino (do qual tenho em casa alguns livros de auto-ajuda) nunca proferiu estes dizeres sobre o antigo comentador futebolístico, autarca de Loures e actual candidato à Assembleia da República.
 
E urge denunciar esta aleivosia da extrema-direita. Eu, por mim, não só o faço aqui, em defesa da democracia. E também, a bem da higiene digital, venho cortando as ligações (no FB) com os ordinários que partilham estas coisas.

Os cultos

jpt, 27.02.24

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Em 23 de Novembro de 2021, no âmbito da relevante Liga dos Campeões de futebol, o crónico campeão alemão e sempre poderoso Bayern de Munique visitou o Dinamo de Kiev, este pálido legado do glorioso clube da era do grande treinador Valeriy Lobanovskyi e sua estrela magna Oleg Blokhin. Logo nesse dia os cultos e perspicazes jornalistas portugueses nos explicaram a realidade. E nisso nos auguraram o vencedor da Taça, para gáudio dos praticantes do Placard. Entretanto os imbecis incultos - caricaturas de pensantes - torciam pelo Sporting. Ou pelo Porto, ou Benfica...

Blogue da semana

jpt, 26.02.24

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Para tentar preparar um texto sobre bloguismo estive há poucos dias a vasculhar as já muito antigas ligações com blogs. É consabida a redução da escrita e da leitura em blogs. Como também o encerramento de muitos. Isto para além do desaparecimento de vários, o que é lamentável - e faz-me sempre pensar, desde o início da "onda blogal", sobre o arquivo geral disto tudo, a "Torre do Tombo" do bloguismo, que seria preciosa para se perceberem dinâmicas comunicacionais deste primeiro quartel de XXI. 

Mas outra coisa percebi - para além de mais ou menos recentes blogs (e na SAPO continuam a brotar) há vários veteranos que seguem, uns mais espaçadamente, outros tendo criado ou novos blogs ou tendo migrado para outras plataformas blogais, por vezes mantendo os velhos nomes, outras renomeando. Deu tudo isto para remodelar a minha conta no Feedly, indexando os blogs a acompanhar, às vezes após um sorridente "olha, este ainda cá anda...". De facto, um incremento das (entre)leituras não é apenas impedido pela atenção nas "redes sociais" - essas também em notória regressão de utilização quotidiana. Mas muito mais pela redução das interacções entre blogs, convocando as atenções. Ou seja, no fundo o que falta é o sistema Technorati, que nos avisava de quem nos "ligava", verdadeiro motor da interacção. 

Mas para além de tudo isso há um manancial de blogs cujos autores, saudavelmente, não os apagaram (ou esconderam). Deixando materiais interessantes. Como há pouco descobriu o Grande Miguel Esteves Cardoso, em pesquisas sobre doçaria. E deu de caras com o "É uma iguaria portuguesa, com certeza", um blog da minha amiga e colega Alice Patrício, que há anos o descontinuara. E logo deu disso sinal, em tons encomiásticos, na sua coluna no "Público" (3.2.2024). 

E com o belo efeito de ter causado o regresso da Alice ao bloguismo, logo num apetitoso postal "Pastéis de Santo António". E por tudo isto, e não só, escolho o (regressado) É uma iguaria portuguesa, com certeza como blog da semana. 

Slava Ukraini!

jpt, 24.02.24

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Há alguns anos (muitos, já, cada vez mais, raisparta) fui mais uma vez à Ilha de Moçambique. À porta da Fortaleza, então sob qualquer intervenção, estava isto. Resmunguei, decerto (eu conheço-me, ainda que mal), a um "portão" barrando o acesso ao agora sacrossanto "Património Cultural" ungido pela UNESCO, pintado com as cores das duas empresas de telefones (Vodacom, MCEL) que invadiam todos os recantos do país com as suas publicidades... Só muitos anos depois alguém me soprou que talvez isto fosse obra, "como quem não quer a coisa", de algum imigrante (quiçá ex-"coooperante") ucraniano, ali resguardado em coisas da construção civil... Talvez. E que belo argumento para um conto seria...

Lembro a fotografia hoje, dois anos após a invasão russa da Ucrânia. Para além dos russófilos actuais (essa mescla nada-excêntrica de bafientos fascistas e comunistas) vejo críticas à Ucrânia e aos seus aliados ("ocidentais") porque a derrota militar se apercebe como provável, exaurido o país. Não deixo de achar uma triste piada ao ver a rapaziada que se imagina de "esquerda", no afã do seu nojo pela democracia liberal dita "ocidental", a filiar-se assim no ideário do "sucesso", do "empreendedorismo" bem realizado, essa ideia de que a fraqueza relativa (a tal derrota militar contra um inimigo superior) significa a fraqueza absoluta, como se uma injusteza ôntica.

E também encontro nenhuma piada aos que vêm "denunciar" a propaganda pró-ucraniana, que para eles conduziu a isto. Ou seja, implicitam que se devia ter apoiado/exigido a rendição imediata. Como esse "eterno comentador" (e mau escritor, já agora) Sousa Tavares que do palanque televisivo veio perorar essa tralha. E tem lugar cativo como "fazedor de opiniões". Por falar de propaganda e estar a botar uma fotografia da Ilha lembro a abjecta consideração do escritor Agualusa, logo no início da guerra, botando no Globo brasileiro o seu lamento de estar na distante Ilha enquanto os "nazis" defendiam a Ucrânia, regurgitando a energúmena propaganda russa, forma canhestra de ser "Sul". Típica, aliás.

De tudo isto me lembrei há horas, ao ver no telejornal as comemorações (fogo-de-artifício e tudo) em Moscovo dos dois anos de guerra. Dezenas ou centenas de milhares de mortos sofridos, idem de baixas alheias causadas, por um regime que se propunha derrotar em três dias (!!!) um poder de "drogados", "nazis", e até "judeus". E comemora.... E estes escritores sofríveis, e intelectuais de merda, e seus enlevados leitores? Dizem o quê?

Slava Ukraini! Especialmente se vier a sua derrota.

A Defesa no processo eleitoral

jpt, 22.02.24

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Foram escassos os debates políticos televisivos a que assisti. E não tenho perseguido com efectiva consistência as declarações dos responsáveis partidários nem lido sistematicamente a documentação que os partidos vêm produzindo. Mas perguntei a alguns amigos mais atentos se a minha sensação tem justificação e eles corroboram-na. Ou seja, a questão da Defesa está invisível. É invisível, melhor dizendo.

Certo, é pouco popular, pouco "eleitoral", agitar custos que não sejam dirigidos à putativa melhoria imediata das condições de vida. Na direita propõe-se a redução dos impostos (um tal de "choque fiscal"), em alternativa ao velho arrazoado utópico da amputação das "gorduras do Estado". E na esquerda - onde vigora o sonho geringôncico - não só vigora a mitografia "pacifista", na qual o antibelicismo é confundido com desmilitarização e até mesmo desarmamento, como é vigente a união entre a aversão à democracia e aos compromissos com a NATO. E nisso não esqueçamos as reacções dos partidos comunistas aquando da invasão da Rússia: o PCP sempre defendendo os interesses russos, o BE logo defendendo os direitos expansionistas da Rússia - foi antológico o momento em que Mortágua, então ainda deputada a tempo parcial, usou o argumento nazi de defesa do "espaço vital" da grande Mãe Pátria russa E depois disso, em sinal da generalizada anuência dos seus militantes a esse ideário, foi a futura professora do ISCTE eleita "coordenadora" desse partido.

Ou seja, a ambição geringôncica inibe à esquerda o debate político sobre o reforço do sector da Defesa. E o fervor anti-estatista à direita tem o mesmo efeito. Para mais, os recentes ministérios da Defesa têm sido fragilizados por temáticas pouco "políticas". O antepenúltimo ministro, Azeredo Lopes, foi arrombado por um simples roubo de paiol e a forma como descomandou essa situação inibiu-o de ser voz activa - para além de o ter conduzido ao mais pungente episódio do regime democrático, ao clamar em tribunal a sua incapacidade para exercer o cargo governativo para o qual aceitara o (descuidado?) convite de António Costa. O penúltimo ministro, Cravinho, foi também vítima de difíceis questões orçamentais, que lhe terão reduzido a amplitude das suas hipotéticas ambições estratégicas para o sector. E a actual ministra Carreiras entrou no governo logo após o início da guerra na Ucrânia, o que presumo lhe tenha redireccionado o azimute estratégico para o sector. 

Enfim, há uma continuada irrelevância política associada a um desinvestimento crónico na Defesa, fruto das opções orçamentais deste regime, não só eivadas de questões desenvolvimentistas e também do expurgar da militarização das finanças públicas durante o Estado Novo tardio, mas também da tal ideologia "pacifista" e, explícita ou implicitamente, anti-NATO vigente nos vários sectores da esquerda. O patético recente exemplo dos tanques Leopard, quase todos inoperacionais quando foram convocados para participar no apoio à Ucrânia, deveria ter sido suficiente para convocar a atenção pública. E o ainda pior caso da tripulação do navio que se recusou a sair ao mar, invocando questões securitárias - que eram certeiras, ainda que de inadmissível convocatória daquele modo -, para acompanhar uma embarcação russa que se aproximava das águas territoriais deveria ter sido o sinal extremo. Mas o silêncio continua...

Cumprem-se agora dois anos sobre a invasão da Ucrânia, o grande desafio colocado à NATO desde há décadas. Entretanto o isolacionismo norte-americano, sob retórica orçamental, reafirma-se com Trump. Para atingir o patamar de gastos orçamentais com a Defesa tem Portugal o prazo mais distante dentro dos países da Aliança (apenas em 2030). Ou seja, 40 anos depois da entrada na UE o país mostra-se ainda incapaz de integrar objectivos estratégicos. Que maior demonstração de incapacidade desenvolvimentista terá este regime?

Entretanto, neste contexto de pressão interna e externa sobre a NATO, neste após dois anos de guerra na Ucrânia, a organização convoca os maiores exercícios das últimas décadas, com a participação de 90 000 militares. Portugal participará com ... 37! É evidente que não se requerem umas enormes Forças Armadas nacionais, mas sim funcionais. E que neste caso a pertinência da participação no esforço de defesa comum não obedece apenas a critérios quantitativos. Mas ainda assim, e mesmo sendo leigo na matéria, esta situação causa algum espanto... interpretativo. 

Em última análise estes situação justificaria que se debatesse este assunto. E note-se que este não é assim tão excêntrico. Pois se se debatem temas "sociais", como as reformas ou o sistema de saúde, também são prementes temas que convocam custos estatais direccionados sectorialmente, como a questão do professorado ou das remunerações policiais. E, sem rodeios, debater a questão da Defesa é debater não só o estatuto de Portugal entre os seus aliados mas também - e até mais - debater o estado do Estado de Portugal. Sem patrioteirismo, sem belicismo, apenas com realismo.

Adenda: após ler este postal um amigo enviou-me esta imagem, denotativa do pensamento que os partidos concorrentes dedicam às questões da Defesa, notoriamente inexistente. E acrescenta, muito correctamente, que também nada aparece de substantivo sobre as relações exteriores, os posicionamentos geoestratégicos. Esta é a actual velocidade de cruzeiro deste regime...

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O Manifesto d'Os Lusíadas

jpt, 21.02.24

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Um belíssimo amigo, meu (bastante) mais-velho, morreu já há cerca de 15 anos. Mas vem-se mantendo presente nas nossas conversas, nas cíclicas alusões à sua verve, seu sarcasmo até ternurento, suas atitudes convocatórias... Agora, há meses, morreu a sua viúva. As filhas, cada uma em seu saudável rumo, desfazem a casa. E nisso dividem entre si a vasta biblioteca do casal, segundo os seus múltiplos interesses respectivos. Depois sou chamado, amigo mais-novo do saudoso pai, para "ir ver" "se há alguma coisa que te interesse...". Acorro até cerimonioso, mas sou admoestado num mui franco "leva tudo o que queiras". Saio ajoujado. E deliciado.
 
E enceto os sacos com este opúsculo, que desconhecia, O Manifesto d'"Os Lusíadas", a prelecção de Adriano Moreira quando recebeu o honoris causa na Universidade do Amazonas (Manaus), naquele 1972 centenário da publicação da epopeia de Camões. Vigorosas 50 páginas, demonstrativas do pujante intelecto de Moreira. E que a mim, leigo que sou em Camões, me despertam a curiosidade sobre as causas do efectivo silêncio nacional, estatal e não só, neste quinto centenário do nascimento do poeta. Ou seja, convocando-me a outras leituras sobre a sua obra e sobre a utilização que dele foi sendo feita em diferentes épocas históricas.
 
Mas, e o que é mais importante, reavivando-me a memória do seu antigo dono. Por isso, Coronel, aqui bebo um uísque consigo enquanto passeio entre livros.

Desde Moreira de Conégos

jpt, 20.02.24

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Às oito e um quarto soou o apito inicial. Logo nos primeiros minutos houve uma oferta da defesa do Moreirense e o Sporting inaugurou o marcador. Bons augúrios. Pois se é certo que o Sporting está pujante - há 50 anos que nenhuma equipa marcava tantos golos, é evidente que o jogo flui, nisso Trincão reassumiu-se, e também o jovem Quaresma recuperou o estatuto de "muito prometedor", o sueco avançado é um verdadeiro achado, o médio dinamarquês é bem mais do que se esperava, Gonçalo Inácio está soberbo, o "nosso" Catamo pegou de estaca, Adan não está como no ano passado ... -, o Moreirense vem fazendo um bom campeonato e sempre se teme uma escorregadela em qualquer "terreno difícil". Ainda por cima porque o malvado Benfica também está forte, com avantajada panóplia de recursos. Enfim, cinco minutos estavam decorridos e o sempre difícil primeiro golo estava alcançado, a repousar a equipa, assim mais disponível para explanar o seu jogo. E nos minutos seguintes viu-se que estava mandona, ciosa de si, empurrando os de Moreira de Cónegos para o seu último reduto, com pressão alta, muita posse de bola num jeito quase turbilhão. A sossegar o adepto no sofá, tão esperançoso nisto do "este ano é que é". Apesar do tal Benfica...

Por tudo isto às 8.30 passo o canal para a outra peleja, o combate, perdão, o debate entre o capitão do PSD, perdão, AD e o capitão do PS. Para "Meia-hora" daquilo, "Vê-se o debate, que demora a primeira parte do jogo e depois volta-se, até durante o intervalo". Entretanto telefonara-me um amigo sportinguista, mesmo já durante o jogo, por coisas cá nossas, e anunciara-me estar o Capitólio cercado por polícias arruad(c)eiros.

Chego ao evento e deparo-me com algo diferente do que esperava, quase um Super Bowl politiquês. Haviam-se congregado as três estações televisivas generalistas, num verdadeiro espavento, deslocadas para o tal "Pavilhão dos Debates" e o embate previsto para uma duração de uma hora, afinal! Ou seja, a de serviço público e as outras com alvará público para emitirem, delineam um modelo de debate eleitoral que reestabelece o velho primado da "bipolarização", como se esta uma realidade virtuosa, esse aldrabismo que os fazedores de opinião propalavam há décadas. Consagrando - e nisso reproduzindo - um "estatuto preferencial" para o PSD e para o PS. Como se isso seja uma realidade "natural", geológica até, e assim autojustificada.

A árbitra Clara de Sousa fez soar o apito inicial e logo Montenegro, campeão da sua causa, foi ao tapete. Pois perguntado sobre o que pensava daquela policiesca ululante que os circundava mostrou-se para com ela muito compreensivo, fazendo nisso lembrar António Guterres titubeante, e de lesto passo atrás, diante da arruada dos produtores de vinho, nesse então dispostos ali ao Terreiro do Paço reclamando contra a redução da taxa de álcool permitida aos condutores. O que lhe valeu um KO técnico, como estarão recordados alguns dos mais antigos... Logo, lesto, Santos assumiu-se como vigoroso estadista, situando que há limites no entre as "quatro linhas" da democracia, rijo num que "não se governa sob pressão", no fundo reclamando ordem unida à polícia. E nisso fez lance de três pontos, como no basquete. Depois seguiram-se 55 minutos de "você lá, você cá", entre chutos para a frente com previsões económicas salvíficas, futebol de praia sobre promessas aos "jovens" para que estes não emigrem, e um catenaccio ríspido dedicado aos pensionistas ("como reformar um país em que os governos tanto dependem dos velhos eleitores?", mastiguei eu enquanto me servia do pacote de vinho, um decente Palmela a preço apetitosíssimo).

Disso tudo ficou-me na retina uma bela ida à linha, seguida de cruzamento bem medido, em que Santos proclamou que com ele não se patinaria, ao contrário dos anteriores governos socialistas - nisso invectivando os modelos de jogo instaurados pelos antigos treinadores Costa, Sócrates e, decerto, Guterres. Assim como se proclamando "eu sou o Rúben Amorim do PS". E entretanto prometeu que nos próximos tempos o seu partido iria estudar as "áreas económicas estratégicas" para as quais será dirigido o investimento público. Assim recordando-nos que o PS está, grosso modo, no poder há trinta anos e, ainda mais, de modo seguido nos últimos oito - nos quais ele próprio governou, ao que parece um pouco a contragosto. E que nesses longos períodos não conseguiu descobrir quais as tais "áreas estratégicas" preferenciais. Do outro lado Montenegro optou pelo jogo de repelões, com algumas entradas duras, para meter o adversário em respeito, num arcaboiço técnico que me lembrou o seu (quase) conterrâneo Paulinho Santos. Ou, para ser mais actual, o geniquento e bem sucedido molde táctico-comunicacional do nortenho Sérgio Conceição. 

Tudo aquilo demorou - o tal desplante das estações televisivas - e terminou já a meio da segunda parte do confronto de Moreira de Cónegos, tendo encontrado o Sporting a ganhar por 2-0, e decorrendo o jogo em modo modorrento. "Este ano é que é", para o Sporting? A ver vamos, que será bem bonito se tal for. Depois caí à cama.

Hoje, na alvorada, "busco" notícias sobre o embate do Capitólio. Os comentadores dão notas aos contendores, como se tudo aquilo integrasse o velho Prémio Somelos-Helanca do "A Bola", quando o jornal existia. Os tipos do Sporting dizem que o Sporting ganhou, os tipos do Benfica dizem que o Benfica ganhou. Os tipos do Porto estão calados. E ainda não há notícias sobre as punições aos polícias que invocaram "doença" para faltarem ao Famalicão-Sporting. Nem sobre o despedimento dos médicos que lhes passaram os atestados médicos fraudulentos.

Para a semana vamos a Vila do Conde, mais um "campo difícil", o sempre codicioso Rio Ave. Lá para Março votar-se-á.

Escola Pública

jpt, 16.02.24

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(Escola Secundária dos Olivais, nos anos 1980s, agora chamada Eça de Queirós e reconstruída)

Consta dos anais familiares que o filho do casal Pimentel sofreu de uma agudíssima nefrite aos seus três anos, causando angústia familiar. Já na convalescença o seu pediatra, o consagrado doutor Abílio Mendes, - que o petiz viria, alguns anos mais tarde, perceber como o homem diante do qual o seu pai assumia a pose mais respeitosa, numa mescla de agradecimento pelos dotes médicos e de anuência à sua postura avessa à "situação" de então -, o doutor Abílio Mendes, dizia, recomendou que a criança fosse criada o mais ao "ar livre" possível. E assim quatro anos feitos foi inscrito no Colégio Valsassina, tanto pela (vera) excelência do ensino ministrado como pela esperada robustez advinda dos ares da magnífica Quinta das Teresinhas. E assim, enquanto os homens novos da sua família partiam para as guerras d'África, medrou, mais ou menos viçoso, jamais o último do  pelotão (excepto na traumática mesa alemã, nessa ex aequo com alguns outros coxos medrosos), e nem tanto o primeiro na meta ou no quadro de honra e louvor... Nas vésperas do então notório exame da 4ª classe irrompeu o saudado "25 de Abril" e subsequente imensa agitação. Poucos dias após a "intentona" da "maioria silenciosa", já sem bibe e calções, o rapazola avançou até ao andar térreo do edifício dos "grandes", para cursar o Ciclo Preparatório, o qual cumpriu ali resguardado do PREC circundante.

Depois, Constituição aprovada, "normalidade democrática" (enfim...) encetada, e após oito anos de permanência naquele ninho de saber, ao tal filho do casal Pimentel foi dada paterna "guia de marcha" para se apresentar, logo que possível, na Escola Secundária dos Olivais, então a inaugurar. Para cumprir o obrigatório rumo de encetar o ensino secundário, o então chamado 7º ano. Como o festivo evento estava atrasado o rapaz ainda fruiu o seu Colégio até Janeiro, quando, finalmente, a novel Escola oficial estava pronta e encetou o ano lectivo, pujante no seu chão de material tóxico que alguns anos depois seria substituído.

O menino sentiu a transferência como um descalabro. Deparou-se com um compósito social assustador, a pequenada da zona oriental daquela Lisboa, com a insurreição discente - da qual, alguns anos depois, se tornou agente activo, forma óbvia de se integrar e afirmar - e com a impotência docente. E com pormaiores impressionantes, como o nunca mais ter tido Educação Física, dada a inexistência de um pavilhão ou mero espaço disponível. E da ausência de quaisquer actividades extra-curriculares, às quais estava habituado, ali resumidas a espontâneos campeonatos de flippers na fronteira tasca do Sô Álvaro, onde corriam também taças sub-15 de "submarinos" (o cálice de bagaço dentro das "imperiais"), e as maratonas de ganzas, então fumadas em cachimbos de prata (os invólucros dos maços de tabaco). Tudo isso causou efeitos tremendos nos hábitos laborais e na aprendizagem curricular - ainda que alguns anunciados falhanços fossem ultrapassados  pela intervenção doméstica do paterno engenheiro, se em questões "científicas", e da materna (e bilingue) professora, se em questões linguísticas, isto para além dos laivos colhidos na biblioteca caseira. Pois o capital cultural familiar reproduz a estratificação social, aprenderia depois o já pós-adolescente quando estudando ali ao Campo Grande...

Um dia, mais tarde, já homenzito, chaves do Fiat 600 no bolso, cigarro na mão, o filho enfrentou o pai "com que propósito é que me tiraram do Valsassina?, é que aquela escola era uma catástrofe!". O Camarada Pimentel sorriu - naquele seu sorriso algo desanimado diante do mundo imperfeito que não se aperfeiçoa à velocidade tão desejada. E resumiu "Não queríamos que fosses um menino de colégio!"...

O filho do casal Pimentel cresceu. E até amadureceu. Estudou antropologia - "nos Olivais, não ali ao Campo Grande", faz sempre questão de dizer. Depois envelheceu, empobreceu, ensimesmou. E nisso tudo nunca foi um "menino de colégio...".

Obrigado Camarada Pimentel. Obrigado Pai António. Obrigado Mãe Marília.

(Lembrando tudo isto: nesta nossa continuada "normalidade democrática" o político "já-não marxista" Rui Tavares tem a descendência em boas escolas privadas, como refere o Paulo Sousa? Não vejo problema, não vejo contradição radical entre defender uma boa escola oficial e dar o melhor enquadramento possível aos filhos. Nem todos têm de seguir as mesmas concepções de paternidade. E não confundamos a esfera pública e a privada. Pois o problema é o da demagogia nas posições e o da irrealidade das propostas. E o LIVRE é um partido muito demagógico. Nisso até melífluo. Tenhamos fé que as boas escolas façam medrar melhores cidadãos entre as futuras gerações.) 

Adenda: não quero provocar ou alimentar polémicas. Mas somando ao que disse escreve-me um amigo, após ler o postal, chamando a atenção para que a mulher do político do LIVRE é uma diplomata. Se outra razão fosse necessária - que julgo não ser - para justificar a colocação dos filhos em escolas de ensino internacional, privadas sempre, esta seria mais do que suficiente. 

De Famalicão a Lisboa

jpt, 04.02.24

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Ontem, em Lisboa, umas duzentas pessoas manifestaram-se em Lisboa contra a imigração de islâmicos. Antes havia sido proibida uma manifestação similar, decisão estatal peculiar - e muito problemática - devida a expectativas de perturbação da ordem pública. É certo que o mote da manifestação é desagradável, acintoso até. E também é consabido que o tipo de gente atreita a participar neste tipo de eventos é infrequentável - alguns dos seus integrantes mesmo com passado escandaloso - tanto pelas suas crenças como pelo seu comportamento colectivo. Mas daí a retirar-se-lhe, a priori, o direito a se manifestarem vai um passo demasiado longo. Entretanto, e como uma organização reincidiu na organização da arruada, a pequena mole xenófoba congregou-se em prol das suas crenças e sensações, ao que consta sem prejuízo da paz municipal.

Também para ontem estava agendada a realização de um jogo de futebol em Vila Nova de Famalicão, integrado no campeonato nacional da I divisão, entre o clube local e o Sporting Clube de Portugal. A polícia faltou - o que haveria de conduzir ao cancelamento do jogo, adiado para data ainda incerta. Face à ausência da polícia, de imediato surgiram confrontos entre os adeptos dos clubes que ali iriam jogar, dos quais resultaram vários feridos, óbvia perturbação da ordem pública. Sendo que estes confrontos entre adeptos de clubes desportivos constituem já uma longa tradição, como é do conhecimento geral. Os quais desde há décadas vão sendo dinamizados pela constituição de grupos orgânicos (as ditas claques), que inclusivamente assumem cenografias para-militares. E que são muito potenciados pela fervorosa cobertura mediática às acções desses grupos  - os grandes jogos com imensa cobertura televisiva dos seus antecedentes são verdadeiros momentos da sua exaltação, de glória claquística -, bem como de alguns dos seus dirigentes, tornados figuras públicas apenas devido ao seu destaque nesses "grupos de choque". 

Ou seja, é óbvio  que cada jogo de futebol, e mesmo já de outros desportos colectivos, em particular os que implicam grandes rivalidades nacionais ou regionais, se tornou um momento em que será de esperar grandes perturbações violentas da ordem pública. Por isso convocando imensa cobertura policial. Assim sendo, qual é a razão do Estado, por antevisão de confrontos, proibir uma manifestação  - ainda para mais atractiva para meia-dúzia de gatos pingados, por raivosos que sejam - e não proibir estes jogos de futebol, e não só, que convocam milhares de gatos pingados, raivosos que são?

Finalmente, é mais do que possível que os agentes policiais tenham razões para reinvidicarem junto do governo, usando as formas que lhes são legalmente concedidas. Acontece que ontem se recusaram a trabalhar no jogo em Vila Nova de Famalicão. Não através de um qualquer formato de greve que lhes seja possível, mas sim alegando doença, entregando atestados de baixa médica. Os quais, dado estarem concertados, são evidentemente fraudulentos. Assim sendo o Estado tem a obrigação - até para salvaguardar a ordem pública, que assenta no respeito pelas ... "forças da ordem" - de punir rispidamente estes agentes desonestos. E ainda mais tem a obrigação de punir ao mais extremo nível que possa os médicos falsários que exararam esses atestados. 

E isto nem tem a ver com as simpatias políticas de cada um, ou a compreensão por quaisquer reinvidicações de grupos laborais. Quando numa situação destas o presidente de um sindicato policial (Sindicato dos Profissionais da Polícia), o agente Paulo Macedo, vem lamentar que o primeiro-ministro não tenha "desejado as melhoras" aos agentes que simularam doença, isso demonstra que os polícias já atingiram o mais baixo nível da desonestidade política, e sindical. "Estão a brincar com a tropa", como se dizia. Ou melhor, estão a brincar com o povo. E quem assim despreza os cidadãos não pode estar incumbido de funções policiais.