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Delito de Opinião

Emendar os textos antigos e racismo

jpt, 29.03.23

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(Jô Soares e casamento português)

A propósito disto das "sensibilidades" ofendidas e da "urgência" em higienizar os legados textuais (e outros) para, dizem, evitar desmandos e desvalorizações sociais, lembrei-me desta "piada de português" (muito brejeira, aviso os ouvidos frágeis) do João Soares. Só há pouco a conheci e ri-me imenso, apesar do/devido ao tom corrosivo que nos é dedicado. Ri-me apesar de saber do abrasivo do humor brasileiro contra todos nós, da sua origem xenófoba (e elitista) - recordo um belo artigo sobre a emergência na imprensa de meados de XIX destas invectivas contra os portugueses, publicado numa "Oceanos" de 2000, coordenada por Robert Rowland... Ri-me porque tem piada e porque o contexto o permite (e não é ilegitimado por qualquer patente ou presumida intenção), e ele é omnipotente nestas coisas. Tal como os "ouvintes" devem ser minimamente esclarecidos para se contextualizarem.
 
Nestas coisas de me ofenderem a "sensibilidade" (de me "racializarem") lembro dois episódios: há mais de uma década um casal moçambicano convidou-nos para jantarmos com um outro casal brasileiro, quadros de empresas recém-chegados a Maputo. Assim foi, eles simpáticos, cultos, conversadores. Mas de repente o marido contou uma "anedota de português". Não foi mal acolhida, pelo que seguiu um vasto repertório no tema. Como é evidente nunca mais convivemos com eles, desagradados num "que é isto?", e foi pena pois até poderia ter sido "o início de uma bela amizade". Mas a minha sensibilidade fora demasiado "racializada".
 
Décadas antes acontecera-me outra, ainda pior. Aos meus 14/15 anos, no Verão de São Martinho do Porto, uma família francesa (naquela época os turistas eram quase todos franceses) alugou uma barraca balnear perto da nossa. A filha era linda, loura, e aos meus anseios já se parecia com a Marion des Neiges dos "Pequenos Vagabundos", e o seu irmão e o amigo logo acamaradaram nos jogos de bola, mergulhos e outros que tais. Uns dias passados foram almoçar lá a casa, encantados com a simpatia da minha mãe - até porque ela era verdadeiramente bilingue - e com a sisuda placidez do meu pai (que devia estar a fruir o estado basbaque deste seu filho, assim notando-o a crescer "como um homenzinho"). Depois fui eu almoçar lá a casa, recebido como se adulto fosse pelo messire ali veraneante e sua extremosa mulher. À mesa a conversa fluiu, eu no meu francês pausado mas melhor do que o de agora, eles elegantemente acompanhando o meu ritmo. Entre conversas, e entre eles, o pai pediu à bela filha, sentada do outro lado da mesa, uma qualquer coisa e eu, de imediato, lha passei. Para sua sorridente surpresa, pois entendera eu não só o léxico mas, acima de tudo, a velocidade parisiense da fala... Ao que respondeu ela, talvez ufana do jovem pretendente, talvez precisando de justificar aquele convívio "inter-cultural", "ele é português mas é inteligente!"... Eu passei-me, mantendo a compostura diante dos pais, mas passei-me mesmo. Pior ainda com os outros rapazes a tentarem justificar a "gaffe" mas nisso, atrapalhados, metendo les pieds par les mains... Enfim, o pai lá soube fechar a questão, elaborando sobre a grandeza e a excelência lusa (e após a minha saída deve-se ter rido, vero gaulês, do sanguíneo petiz que lhe entrara porta dentro).
 
Ora esta minha sensibilidade foi reactiva apesar de não ter eu interiorizado (ou sofrido) qualquer pressuposto sobre a minha inferioridade intelectual, social, cultural - ou mesmo "racial" ("étnica" mascara-se agora). É pois normal que outros, provenientes de contextos recorrentemente desvalorizados (por exemplo os "parolos" que Augusto Santos Silva despreza), sejam mais epidérmicos com algumas expressões que vão enfrentando.
 
Por isso as nossas expressões e as nossas sensibilidades são educáveis, aprimoradas - só um imbecil se ri hoje daquele vil filme "Os Deuses Devem Estar Loucos" que há 40 anos foi um sucesso mundial, ancorado no humor racista do apartheid. Mas isso não implica andar a apagar o passado, a emendá-lo. Hoje a Agatha Christie e a Enid Blyton, amanhã o Engels e o Hegel (que vendem menos).
 
Enfim, mas de tudo isto o fundamental que retiro é que foi o Joaquim, um tipo do Porto, que depois conseguiu trocar uns beijos mais intensos com a Falbala de São Martinho do Porto. Não foi a última vez que isso me aconteceu, nem nada que pareça. Mas ainda me dói...

Expurgar Agatha Christie

jpt, 27.03.23

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Agora todas as semanas segue mais um "expurgo", "protector" das "sensibilidades", "racializadas" ou quejandas. O mais recente  é com os livros de Agatha Christie, toca a retirar-lhes termos que possam ofender alguns trastes - é a instrução dada pela sua editora, atenta aos temíveis efeitos actuais das agressões cometidas pelos pressupostos de época de Miss Marple, Hercule Poirot e restantes personagens daquele pequeno emaranhado pós-vitoriano, tão pequeno-doméstico de facto.

Tendemos a confundir estas trapalhadas - o outro dia foi notícia que uns rústicos americanos, lá de uma aldeia de fundamentalistas cristãos, despediram a directora de escola porque havia mostrado uma obra-prima renascentista aos petizes, ofendendo-lhes as progenituras devido ao pequeno pirilau aposto por Michelangelo ao "David". Gente do mesmo universo que volta e meia é notícia por querer impor o ensino do criacionismo nas suas escolas locais - efeitos directos da peculiar administração escolar dos EUA e consequências do molde de secularismo (comunitarismo) desbragado que vigora naquele país. E que por cá os esquerdistas querem assumir - a maioria dos quais sem mesmo perceber que é disso que falam, tamanha a indigência intelectual que os caracteriza. 

Mas estas “depurações” literárias que se vão acumulando têm outra dimensão… Não provêm de minorias social e geograficamente excêntricas. Vêm embrulhadas no capital “cultural”/“académico” dos proponentes e defensores e estão a penetrar nas administrações dos grupos económicos editoriais. Tornam-se “elite”, “norma”. E há imbecis à nossa volta que os defendem…

O Cancelamento dos "Cinco" de Enid Blyton

jpt, 20.03.23

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Finalmente começaram a ser retirados de circulação os exemplares da colecção "As Aventuras dos Cinco", literatura infanto-juvenil de Enid Blyton, agora - tão tardiamente - considerada inapropriada.
 
Apesar da popularidade das obras e da tendência de se valorizar aquilo que aproxima a juventude da leitura, não deixo de me congratular com este cancelamento de "Os Cinco". Pois trata-se de um insidioso proselitismo do modo de estar lesbiano, subrepticiamente inculcado às petizas através daquela Zé, dita "maria-rapaz", ainda para mais em despropositadas derivas inter-raciais, por via das intervenções da sua peculiar amiga "ciganita", tão a ela similar, sósia mesmo...

Nabeiro em Bruxelas

jpt, 20.03.23

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(Rui Nabeiro, fotografia presumo que da autoria de Ricardo Palma Veiga)

Há pouco tempo passei um ano em Bruxelas. Na vizinhança arranjei dois poisos refúgios da intempérie solidão que me acometera: em Etterbeeck o "Etcetera", um barzito de bairro algo "bobo" (como se dizia, não sei se ainda) - ufano do Depardieu por lá ter passado - e com uma simpática clientela, imensamente acolhedora deste excêntrico português, pois cinquentão nem eurocrata nem nas "obras" e que, talvez mesmo mais por isso, sabia bastante de banda desenhada. E em Schaerbeek o "Ponto de Encontro", reduto português mas aberto a quem viesse por bem - lá decorriam encontros do campeonato nacional de dardos, por exemplo -, um simpatícissimo casal proprietário e um gentil núcleo de fregueses. Entre os quais também eu era excêntrico, notado pois não só o único homem que não trabalhava nas "obras" como, gabavam-me, era o único sportinguista que aparecia após as (então) habituais derrotas. Para me encaixarem foi decidido que eu era "jornalista" - coisa que não levei a mal pois percebi ser a forma de não me resumirem ao naúfrago que ali estava. E pareceria.
 
 
 

O Almirante

jpt, 19.03.23

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(Gouveia e Melo, fotografado por Miguel Valle de Figueiredo)

O país estava exausto pelos efeitos do Covid-19, atrapalhado pelos normais constrangimentos e hesitações governamentais face àquele enorme desafio, tudo incrementado por alguns ziguezagues desnecessários. Após um ano de pressão pandémica o alívio da esperada vacinação começou embrulhado em confusão executiva e manchado por alguns casos de nepotismo, na apropriação de vacinas por membros da elite socialista, algo exasperante e incrementando dúvidas sobre a capacidade de uma competente vacinação universal. Neste caso não é necessário fazer o rescaldo das práticas então seguidas pelo Ministério da Saúde, e restante governo, pois nisso logo se dividem as opiniões devido a critérios advindos do viés partidário. Mas é pacífico constatar que após Gouveia e Melo ter sido colocado no topo da sua estrutura organizacional  - e de ter lhe reforçado a participação militar  - o processo nacional de vacinação foi um sucesso, até inesperado. Para tal contribuiu a credibilização dos serviços: explicitando a confiança nacional nos ditâmes dos agentes da Saúde (remetendo os "negacionistas" das vacinas a um minoria histriónica). Mas também na racionalidade e na rectidão dos processos, pois logo minguaram as atrapalhações executivas e, mais, desapareceram as notícias sobre autarcas e deputados a reservarem alguns lotes de vacinas para si, familiares, amigos e vizinhos. E contribuiu também, não o esquecer, a constante e ponderada disponibilidade comunicacional do coordenador-geral Gouveia e Melo, sossegando e mobilizando as hostes nacionais.

 

 

A Revolução de Capim

jpt, 18.03.23

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Há cerca de uma década suicidou-se Mohamed Bouazizi, vendedor ambulante tunisino desesperado com o saque que os fiscais estatais lhe faziam. Foi um inesperado rastilho de um gigantesco movimento internacional, encetado por uma ampla movimentação das juventudes e que conduziu à queda na África do Norte de uma série de regimes ditatoriais, alguns com décadas de vigência. Foi a dita "Primavera Árabe" tantas vezes dita "Revolução de Jasmim".

Em Moçambique alguns auguravam que esses movimentos populares irradiariam para Sul. Visão que eu, avesso a revoluções populares - lobas europeias e leoas africanas que devoram as suas crias -, rilhava como algo escatológica e que resumia, glosando o célebre ditado africano, como anseio de uma "Revolução do Capim", este sempre esmagado quando lutam os elefantes.

Mas também eu desejei que aquele imenso momento fosse alerta dos poderes fácticos, no país e noutros vizinhos, assim motor de uma crescente democratização - e esta é, por definição, redistributiva. Avessa a monopólios de poder político e económico.

Hoje em Maputo, ali ao Alto Maé, em torno da estátua do fundacional Eduardo Chivambo Mondlane, uma previamente autorizada marcha pacífica de jovens admiradores do recém-morto músico Azagaia foi recebida pela repressão policial - dispersada através de gás lacrimógeneo, com prisões, espancamentos e feridos.

Actuar assim na própria capital, desde sempre um reduto do partido governamental ainda por cima, não é nada típico, julgo que será inédito. Via "redes sociais" e comunicação social digital vejo dezenas de filmes e fotografias do que acontece - pois já não é época de esconder estes actos, face ao "ciberactivismo" ou cibercidadania vigente.

E fico transido com esta boçalidade poderosa - não lhes passa pela cabeça a hipótese da tal "Primavera de Capim"? Mesmo que desprezem as oposições, as juventudes nacionais, não aprendem nada com a História? Ainda por cima esta tão recente?

Os Hipopótamos Extraviados

jpt, 18.03.23

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"Os programas de rádio da manhã e os noticiários da noite, as colunas de opinião que toda a gente lia e os bloguistas que ninguém lia, todos se interrogavam se seria necessário matar os hipopótamos extraviados, se não bastaria acorrentá-los, anestesiá-los, devolvê-los a África;..."

(Juan Gabriel Vásquez, O Barulho das Coisas ao Cair, Objectiva, 2012, tradução de Vasco Gato.)

O Pote de Ouro

jpt, 17.03.23

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Acima de tudo, muito mais do que paixão o futebol  - nisso entenda-se o quotidiano Sporting e, ocasional e secundariamente, a selecção nacional - é-me um placebo. Ou seja, aos desaires trato com um lesto e dialogante monólogo interior feito de viscosos palavrões e vigorosas invectivas às Entidades desavindas, ou mesmo através de resmungos partilhados com a escassa vizinhança, e logo me dedico a outras temáticas, decerto que não mais relevantes. E nos triunfos significativos - não tão habituais assim, dada a minha amada "condição" sportinguista - emerge-me um frenesim exultante que recobre, dissolve até, todas as agruras e desconchavos da (minha) vida, reacção alquímica que leva, felizmente, alguns dias a fenecer.

A vitória londrina de ontem, com o Sporting a arrumar o este ano fortíssimo Arsenal - meu clube inglês desde petiz -, e após um primeiro jogo em que  havia sido basto prejudicado por uma arbitragem reverente ao poder mediático, foi um desses momentos de felicidade (a qual nunca é espúria, seja lá qual for a sua causa) para mais tarde recordar - e a fazer-me lembrar uma outra vitória épica, quando há uma década se eliminou o Manchester City, jogo que vi em Maputo entre queridos amigos sportinguistas, alguns dos quais já cá não estão, numa noite terminada, alguns de nós numa euforia já algo inebriada, a pagar luxuosas rodadas generalizadas nos restaurantes da Julius Nyerere e a ofertar rosas a todas as mulheres - para gaúdio de um noctívago vendedor ambulante... Despesa que quase teria custeado a minha ida a Manchester....

Mas sigo diferente agora, nesta década que passou. Vi o jogo em ambiente rural, solitário sportinguista diante da tv. E mesmo, por acasos telefónicos, solitário espectador na parte final do jogo. Enfraquecido geronte, percebi-me - e de forma mais ríspida do que quando adormeço no sofá diante de um qualquer Sporting-Arouca. Pois perto do final não mais me apeteceu ver o jogo, entre o militante pessimismo ("vamos levar um golo mesmo no fim, é sempre a mesma coisa...") e um difuso desconforto, um emergente metabolismo que temi prejudicial. E assim, cinco minutos antes do temido/ansiado "apito final", levantei-me e fui dar uma volta, cristãmente temeroso de que "não vá o Diabo tecê-las". Depois, relógio consultado, regressei pronto a tomar conhecimento da derrota para, afinal!, ser recebido por um sorridente "então pá, onde é que foste?"/"vão a penaltis!". Aos quais, pois teve de ser, assisti, metafisicamente ombreando com todo o "Universo Sporting", assim podendo exultar, demencial até, no final glorioso - não é toda a glória espúria, vã e passageira? Tudo proporcionado por um conjunto de "heróis" (grande jogatana) e por um maravilhoso Pote de Ouro, pois grande golo... A promover(-me) um sorriso para alguns dias.

(Leio que o confrade bloguístico José da Xã passou por mal-estar semelhante, no seu caso tendo-se ausentado dos penalties. Um abraço leonino, e que tenhamos mais sustos destes...)

Ética e responsabilidade social dos grandes comerciantes

jpt, 16.03.23

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Há dias aqui deixei um postal no qual, para além de saudar a excelência das minhas virtudes na análise económica e das concomitantes capacidades de estabelecer acertadas previsões do fenómenos económicos, referi a problemática da comercialização dos produtos alimentares (e adjacentes itens de consumo doméstico). Aí fiz constar do meu desconforto com a actual convocatória (em formato lamento) a uma putativa "ética" das grandes empresas comerciais face à dolorosa inflação que vimos sentindo (à excepção do primeiro-ministro António Costa, infelizmente menos dotado para a observação e a análise económica do que eu próprio o sou). 

Ainda assim realcei que a "responsabilidade social empresarial" não é completamente exógena às práticas de alguns nichos comerciais. E nisso, mais uma vez, salientei que a "cadeia comercial" Lidl vem assumindo, decerto que com custos próprios, uma política comercial que procura minorar as angústias dos seus clientes, nisso promovendo a paz social, algo comprovado com a extrema contenção dos aumentos que tem colocado no seu recomendável uísque "Queen Margot" - e talvez por isso vem a Lidl sedimentando a simpatia que os consumidores portugueses lhe dedicam, como se pode comprovar na ascensão da sua quota de mercado.

Face à minha argumentação logo recebi de um atento leitor do Delito de Opinião um simpático comentário, imprescindível contributo reforçando o meu argumento: esta fotografia com uma legenda "Ontem, no Porto"...

Polémicas literatas

jpt, 15.03.23

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Não sou muito dado a livros, quase nada às novidades e ainda menos às coisas e causas da literatura portuguesa. E vivi 20 anos fora. Por tudo isto nada percebo destas polémicas literárias, trâmites que associava a um "Chiado" bem recuado, lido no liceu da vida - e nessa candura bem me surpreendera há poucos meses ao saber que o bom do António Cabrita, vindo de Maputo "a banhos", acabara rojado à calçada portuguesa em plena Av. de Roma ao procurar ele (no seu intrínseco civismo) apartar uma contenda entre poetas e críticos algo excêntricos aos escaparates. Bisonho episódio que me alertara para que nesta era de podcasts e tik toks ainda há, a sul do Trancão, quem se exalte em torno de livros... Mas tudo isso se me escapa, pois a última polémica livresca de que me lembro foi sobre este "A Tragédia da Rua das Flores", então confrontando-se os veementes avessos à publicação do calhamaço rascunho e os acalorados defensores da sua imprescindibilidade, tudo isso quando o meu pai teria mais ou menos a minha idade de agora... (e quem o lerá hoje em dia?).
 
Vem-me isto ao teclado diante do actual debate entre os autores, e respectivos amigos e adeptos, das duas recentes biografias de Pessoa, uma dita de pendor "académico", outras vocacionada para ser "popular". A surpresa para mim é tetra (que não tétrica...): 1) que os autores se zanguem em público, e de modo tão desabrido, tanto que até dá para demissões nos "jornais de referência"; 2) algumas das matérias que provocam dissenso - entre as quais avulta a relevante temática sobre se Pessoa frequentaria prostíbulos femininos, era dado aos "prazeres helénicos" ou teria morrido virgem. Isto para além de ser tópico de debate o tamanho do seu membro viril; 3) que tanta gente compre (e até mesmo leia) biografias, já 12 mil da "académica" e a "popular" para lá caminhará!... - mas isso é coisa do meu gosto, avesso que vou a tal molde, para o qual não tenho paciência; 4) o tamanho das tais muito compradas biografias, ao que consta cartapácios de 1200 páginas (a "académica") e quase 1000 (a "popular")! Tanto há para dizer... Enfim, nada tenho contra quem escreve, quem lê, nem mesmo contra quem discute o que escreveu ou leu. Apenas me surpreendo.
 
Já agora, e para que não me digam obscurantista, quero dizer que também leio, e até livros grandes. Andei agora a ler alguns sobre escravatura em África (e não só). "Porquê?", filial pergunta, "Apetece-me", paternal resposta... E também são grandes, afianço. Um deles é sobre a escravatura na África oriental - com apenas laivos sobre Moçambique, dado o pendor francófono dos autores: Henri Médard et al, "Traites et Esclavages en Afrique Orientale et dans l’Océan Indien", 2016. E também tem as tais dimensões pelos vistos apropriadas - 900 e tal páginas.
 
Num capítulo do organizador-mor, Henri Médard, escreve ele a propósito do tão na moda "racismo" (é minha a atabalhoada tradução do francês): "A racialização revela-se como um instrumento de dominação eficaz e popular, muito para além do Ocidente. Se o seu absurdo é universal, cada racismo tem as suas especificidades (mágicas, bíblicas, "científicas"...), as suas originalidades, as suas trajectórias próprias (em particular à luz das migrações e das lutas políticas contemporâneas). Essas evoluções africanas são abundantes... As distinções físicas [actuantes na escravização e no tráfico] são demasiado cómodas para que as lógicas sociais das dominações não as utilizem sempre que surge a oportunidade para tal".
 
Ou seja, bastaria este breve parágrafo para atirar para o lixo muito da tralha demagógica ("identitarista") que anda aí à solta, em vestes mais ou menos "decoloniais". E agora imagine-se se se ler as tais outras 900 e tal páginas. Mais alguns outros livros, vários deles também de vigorosa lombada. Em suma, e é a minha mera opinião, mais vale isto do que andar a ler (ou a comprar) sobre a pila do Pessoa.

3 anos após o confinamento

jpt, 14.03.23

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Ontem, 13 de Março, passaram-se 3 anos exactos!: a minha filha chegou de Inglaterra, onde a sua universidade encerrava por todo aquele ano lectivo, eu recebi-a num misto de angústia - aquela que presumo todos os pais terem sentido nessa época, ainda desconhecedores dos efeitos que a nova doença teria entre os jovens - e de ira, pois acolhendo-a num aeroporto pejado de turistas ingleses que vinham ao Sol do Algarve, e sabendo que os paquetes apinhados ainda atracavam ao Tejo..., isto tudo entre as já trapalhadas da futura "Super-Marta" (que agora se anuncia "para Lisboa"!), sua dra. Graça ("visitai os lares de terceira idade", clamara ela nessa mesma semana) e restantes dignitários... Saímos da Portela logo rumo a Sul do Tejo, e confinámo-nos junto a um grupo de amigos que já se tinham encerrado há já uma semana, abrindo o portão apenas para que nós entrássemos - Amigos-Irmãos, verdadeiramente.
 
Era-me um momento importante, regressara há pouco da Bélgica, tinha ido ao Brasil, tinha sido convidado para regressar a Moçambique. Terminava um trabalho demasiado longo ("falta-me um mês, mês e meio, não mais do que isso..." augurava eu), reinventava-me como jovem, nisso homem com sentimentos, "isto" parecia que ia recomeçar. Logo um amigo brasileiro, também antropólogo, desafiou-me a escrever algo sobre o Covid-19 por cá, a publicar entre um colectivo de textos. Nas noites (de angústia, claro) fui ver o que os outros botavam: uns davam-se à demagogia anti-liberal, nisso julgando-se "intelectuais orgânicos" de uma qualquer "pós-modernidade". Outros, mais plácidos, actualizavam, talvez inconscientemente a velha e colonial "etnografia de varanda" fazendo "etnografia de Whatsapp" ou, pior ainda, "de marquise".
 
Por isso tudo, deixei-me nas noites (as tais de angústia, repito) na catarse de escrever este "O capitão MacWhirr e o Covid-19: os dois primeiros meses de pandemia". Julgo que o melhor texto que escrevi na vida - algo comprovado por ter colhido para aí 10 elogios de amigos, coisa inédita. Não foi publicado, talvez por eu não ter feito qualquer "etnografia de quinta", talvez por eu me ter dedicado a partir a loiça toda - que era o que me apetecia, ainda mais do que habitualmente... Ou talvez por ser extenso em demasia, 40 e tal páginas, disse depois, em dias mais serenos.
 
Entretanto o resto logo estancou, nem os sentimentos medraram nem o trabalho (longo) fluiu, ou vice-versa. O regresso ao Índico desabou. Atrapalhei-me, está visto e revisto. Depois morreu a minha mãe, enclausurada na sua "residência", e, parece-me agora, este ríspido heteronormativo tóxico desabou (mais?) um bocado. Há as alvoradas, bem matutinas, às vezes almoço, e as noites - já sem angústias. Uma salamandra e uma piscina vizinha, depende da época. Ficou-me, apenas, este "MacWhirr e o Covid-19", lido por um punhado de amigos. E um constante "I would prefer not to", feito que fui Bartleby...
 
O confinamento já acabou?

O preço do rancho

jpt, 11.03.23

De súbito sabe-se que neste Março de 2023 o organismo estatal de fiscalização do comércio se decidiu debruçar sobre modos e preços (galopantes) da venda de vitualhas. E decerto tal inflexão terá sido acobertada - ou mesmo mandada - pelo governo maioritário. Porventura este algo induzido pelo notório prurido da plebe, esta atrapalhada pelo pronunciado aumento do custo do rancho.... Do qual o governo (e sua secção ASAE) terá tido agora conhecimento, e logo entrou em acção...

Como alguns saberão eu estou disponível para tarefas laborais ("arranja-me um emprego ... / Com certeza eu dava conta do recado / E pra ti era um sossego" - contacto por mensagem privada, por favor). E para comprovar que terei perspicácia suficiente para as exercer, até mesmo sob a figura do "out-sourcing" para a própria ASAE, recordo que em Janeiro de 2022 aqui notei que nos estavam a meter a mão... no rancho, ao detectar um inesperado e abrupto aumento de 25% no pão mais básico do Lidl - e isto antes da guerra álibi que decorre na Ucrânia. E adianto que nada me move contra essa empresa, que tanto tenho louvado in-blog, não só pela decente qualidade como pelo afável preço do seu "Queen Margot". E até amiúde saliento a "responsabilidade social" do Lidl, que sob esta espiral inflacionista susteve o preço do referido elixir (dos tão celebrados 7, 89 euros de inícios de 22 para os actuais 8,15), um grande contributo para a paz social.

Adianto ainda que para além das minhas capacidades próprias tenho também uma ampla rede de contactos, algo precioso no mundo laboral, como é consabido, os quais exemplifico com os dizeres de uma amiga, residente em Maputo e que há meses aqui veio de férias nisso clamando "um conto e duzentos" (a tradução em escudos é tique de imigrante, pois bem ilustrativo do disparate que é o custo de vida nesta nossa "santa terrinha") "por quilo de feijão-verde, esta gente está louca?"... Ou seja, e consoante a vontade do freguês (o contratante), eu estou habilitado a auscultar o sentir do povo e o pulsar do real.

Mas não só me anuncio pois também quero salientar que esta investida dos próceres políticos e dos inúmeros quadros da administração pública sobre os preços do minguante rancho popular sendo feita agora muito me surpreende, deixando-me entre um ufano "eu bem (vos) dizia..." e um ríspido castrense "sacaninhas, estavam a dormir na forma" - reconfortante soneca aconchegada sob a escalfeta da eterna segurança laboral típica do funcionalismo público e das mezinhas obtidas na neoliberal medicina privada através da tão legítima ADSE.

Sei que sobre esta questão dos (muito) acrescentados lucros dos comerciantes de víveres vários virão clamar que é o puro efeito da virtuosa lei da oferta e da procura, e recitarão os apropriados salmos em sua defesa. Pois, tal como os crentes do avatar de Jeová juram da total pertinência dos seus CEOs Ornelas, Linda e Clemente lá no negócio do pastoreio de almas tresmalháveis, estes adoradores da Mão Invisível também pugnam pela infalibilidade dos seus administradores, executivos e não-executivos. 

Mas o mais relevante são os argumentos de muitos críticos desta situação. Invocam a falta de "ética" dos grandes comerciantes, dada a punção que estes vêm fazendo na dieta da mão-de-obra, pensionistas e discentes de professores grevistas. São uma delícia esses apelos à tal "ética" - um pouco desajustados dado que os dedos da tal Mão Invisível já vieram dizer que a culpa dos aumentos é dos produtores. O que não corresponderá bem à verdade mas demonstra bem que a conversa da "ética" é tralha sem sentido - "amigos, amigos, negócios à parte" é um um clandestino dizer popular, conhecido só por alguns etnógrafos iniciados...

Em suma: o que tem mesmo piada são estes críticos da desbragada inflação dos comes e bebes, tanto os pedagogos da "ética" como também outros mais viscerais, os do culto da "revolução". Que depois, paga a conta do supermercado, escorropichado o uísque no restaurante, clamada a indignação contra os "especuladores", lá se recolhem, os mais intelectuais nos livros e actividades da "Fundação", os outros folheando avidamente o boletim da SONAE. E coisas similares. Como se não fosse a coisa...

Não fará mal, ninguém liga. Amanhã, segunda-feira, os preços aumentarão mais um pouco. Durante a semana as atenções serão captadas por outras trapalhadas - "já viram que o Medina despediu os tipos da TAP sem acautelar os procedimentos jurídicos? E é isto um ministro das Finanças....!". Por mim, entricheirado no Lidl, mais lata de conserva menos lata de conserva, desde que não aumentem o Queen Margot... calo-me.

O Velhismo

jpt, 11.03.23

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vai vigorando um pensamento algo "lite", pois psicologista, que quer reduzir a desvalorização de uns quaisquer outros ao "medo" sentido diante do "diferente", da "alteridade": o machismo como receio do vigor das mulheres, qual síndrome fálico; o elitismo como temor da pujança das massas, vera obsessão de condomínio; o racismo como pavor diante das gentes ditas "outras", assim impuras, como se compulsão higiénica. E até a heterossexualidade, agora dita heteronormatividade - mas nunca heterossexualismo -, tende a ser desvalida como vil sublimação do homoerotização.
 
Nas lutas contra essas desqualificações, punitivas, instalou-se uma atenta crítica dos discursos e termos, sob a ideia de que a realidade se constrói na "fala" - até crente que as palavras têm valor facial, cristalino, e que compelem a reacções unívocas. Enfim, uma simplificação do que alguns pensadores chama(ra)m "construtivismo" - a ideia de que isto que somos e vivemos se construiu e vai construindo nos afazeres do quotidiano até impensado. E - nessa visão mais militante, agora dita "activista" - que nós todos não apreendemos essa "construção", suas ambivalências, rugosidades, polissemias, dela sendo meros reflexos. Ou seja, que seguimos "alienados", como se dizia quando eu era mais novo e os agora "pós-"marxistas eram marxistas...
 
Por isso esta actual generalizada adesão à infectologia lexical e semântica, exigindo a vacinação universal contra os "preconceitos" (no sentido de ideias negativas preconcebidas), estes quais miasmas transmitidos por termos, solitários ou associados em frases. Os mais recentes exemplos disso são os anúncios da desinfectação dos livros de Dahl, a serem purgados de violências como "feio" e "gordo", e de Fleming, a serem amputados de racializações menos adequadas ao pulsar actual... São esses os exemplos públicos, mas que se querem traduzidos em obrigações pessoais, sendo todos nós convocados não só a um exercício democrático de cidadania mas também a uma extrema ponderação na locução, a um "dobrar a língua", nas (tão necessárias) invectivas, no humor, até nas meras descrições, nos espantos e saudações. Pois, ao que parece aos tais "construtivistas", cada vez que falamos estamos a "construir"... malevolências, está visto, pois vivemos num inferno. Ou, vá lá, para ser mais bíblico e actual, num "vale de lágrimas".
 
Isentos desta protecção, desabrigados diante do tal "medo" alheio, vítimas do referido "construtivismo" verbal, seguem (seguimos) os velhos, verdadeiros "trapos" diante da indisciplina lexical e semântica dos "construtores" e "restauradores" deste mundo de malévolos preconceitos, de todos esses cultores do velhismo, o desprezo, até ódio, pelos vistos de medo feito, face aos mais antigos.
 
Na internet isso vê-se muito - mostram-no todos esses (pseudo-)artigos elencando as belezas cinematográficas ou da moda, comparando-lhes o aspecto (radioso) do auge das carreiras com o actual, evidente modo de nos convocar o pesar, até resmungo, mesmo aversão às ditas (ex-)beldades e aos da sua classe de idade. Pois se entre esses "ricos e famosos" há quem mantenha o ar jovial e belo (ainda ontem vi a deusa Julia...., que nariz!!) muitos outros pura e simplesmente... envelhecem - e há os desgraçados que se esticam e/ou se insuflam, algo que tende a tétrico.
 
Encontrei hoje um exemplo maior dessa despudorada agressão velhista: o grande Gene Hackmann reformou-se do cinema há já 19 anos. Retirou-se na sua quinta onde vem escrevendo ficção (já publicou pelo menos 5 livros). Há meia dúzia de anos fez narração de dois documentários - e rezam as crónicas que vai tendo alguma vida cultural lá no Novo México onde vive. Mas, acima de tudo, segue confortável na sua "reclusão". Ou seja, na sua vida pessoal.
 
Foi agora fotografado. Sozinho ao volante do seu carro. E saindo de um um snack-bar após comprar um take-away. Como é raro ele aparecer as fotos correm mundo. Nota-se que envelheceu, que perdeu massa muscular, que está algo curvado. Decerto que não será apenas pelo hábito de escrever, a postura diante do computador. Pois tem 93 anos! Ou seja, o nonagenário pega no carro, sai da quinta, vai à cidade, compra qualquer coisa para comer ou beber... Fotografam-no e publicam-se as fotos. 
 
Pois o que se comenta nos "sítios" que as divulgam é arrepiante. Sim, há muitos admiradores a saudarem-no. Mas há também imensa gente, sem rodeios, sem "correctismos" ou "wokismo", a verter fel, caústico, sarcástico, ofensivo, diante do corpo naturalmente velho do Grande Gene Hackmann. Repugnam-se, repugnam-no. E nisso seguindo imunes a críticas...
 
Talvez seja o tal omnipresente "medo", agora o do envelhecimento. Mas é o puro Velhismo, recorrente, constante, indisciplinado, agressivo, imune a críticas. É tempo de clamar "Old is beautiful!". (E, mais privadamente, "dá-lhe gás, Gene...!").

Roger Waters

jpt, 08.03.23

Pink Floyd - Is There Anybody Out There?

Leio que uma tal de "comunidade judaica" em Portugal veio protestar devido ao concerto de Roger Waters em Lisboa, gente que o quereria "cancelado"... No fundo querem destratá-lo como outros o fazem, alhures, ao Morrissey. A gente veio-se habituando a este culto do "cancelamento" dos artistas (e não só) promovido por uma certa "esquerda" - identitarista, dita falaciosamente "pós-"marxista -, essa que vegeta num pensamento "lite" importado dos "campi" norte-americanos. Ou seja, e se à primeira vista até pode surpreender isto dos judeus locais virem replicar a esquerdalhada festiva, sabendo da genealogia desta "censura activa" reinante até se poderá perceber alguma homologia "étnica" no atrevimento censório...

Enfim, eu não gosto do Roger Waters. Não por causa de quaisquer causas políticas que venha tendo. Mas porque se tornou um abrasivo oponente dos outros Floyd. Desconhecedor disso que os grandes grupos rock são algo alquímico - o que aprendemos com os Beatles, o que os Zeppelin souberam comprovar. Ou seja, pode até haver alguma mudança ocasional ou obrigatória (a morte de Moon, por exemplo), há lideranças, uninominais ou em duo (os Glimmer Twins, para exemplo maior). Mas isto de um dos membros aparecer aos gritos a dizer que é o "dono da bola" é o avesso do rock. E é o que o Waters anda a fazer há 35 anos...

O primeiro single que comprei foi o "Money" e o primeiro LP foi o "Animals" (cuja capa está pendurada na sala da minha casa...). Comprei vários discos dos Floyd, até o sempre inaudível "Ummagumma". Mas nunca este "The Wall", coisa dos meus 15/16 anos, que já me pareceu demasiado "operático" (termo pejorativo que na altura desconhecia) - nas festinhas dançava e entoava aquela do "teachers leave the kids...", porque todos o faziam, vi o filme. Mas então já muito mais "The Clash", a caminho do "Babylon by Bus" e "Kaya" do Marley, envergonhadamente seduzido pelos "Chic" e a estrear-me no Dexter, Coltrane e Miles, todo aquele aparato floydiano 80s era-me desnecessário, soava pomposo. Por tudo isto mais depressa iria agora ver o já impossível trio Guilmour, Mason & Wright do que o Waters a "solo", nesta velha birra do tal "dono da bola".

E também não irei porque ninguém me convida, que fará um quase sexagenário solitário, completamente alheado dos psicotrópicos, diante de todo aquele aparato, decerto que excessivamente sonoro e em potlatch de luminotecnia? Não há nostalgia de adolescência suficiente, nem mesmo qualquer luxúria senil, que me transporte até lá... Ainda assim trago esta breve "Is there anybody out there?", uma das músicas da minha vida (sim, é do tal "The Wall"), durante tanto tempo, tantas vezes, verdadeira banda sonora do meu prosseguir. Acompanhando este meu corolário, o do resmungo: os compatriotas judeus que tenham juízo e se deixem de coisas...

O dia das mulheres

jpt, 08.03.23

Peter Gabriel - Shaking The Tree (Secret World Live HD) - uma versão magnífica desta canção

Compreendo, até com carinho (másculo), o que vejo repetido por muitos - isso de que hoje, 8 de Março, é o "dia das mulheres da minha vida". Mas não é, esses são os outros dias todos, ainda que nisso desconseguidos pelas trapalhadas, e falo mais das minhas, nelas amiúde caindo, cometendo-as, incompetente.
 
Pois hoje é o dia das outras mulheres todas, as que não conhecemos ou as que não nos são relevantes. Para a todos lembrar que muita coisa - consoante o local - tem de mudar.
 
Há nisso uma coisa que não mudarei, nunca utilizarei esse folclore burguesote do @..., essa pantomina abjecta de que é na língua que se tem de mexer. Quanto ao resto? É mesmo necessário abanar as árvores...
 
 

Abusos sexuais da igreja católica

jpt, 07.03.23

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Na problemática dos abusos sexuais na igreja católica houve nos últimos dias uma notória transformação, passando estes a serem abusos sexuais da igreja católica. Por um lado, as declarações dos próceres eclesiásticos, reunidos a propósito da emissão do relatório da comissão de investigação sobre o assunto, dão azo a duas interpretações: uma, mais subjectiva, advém das declarações então emitidas e das medidas anunciadas (então a da construção de um "memorial" é mesmo um despudorado atrevimento, demagógico), e é a da continuada insensibilidade dos padres graduados portugueses para estes casos, acompanhada do silêncio sepulcral dos seus colegas menos graduados. A segunda, objectiva, é a de que o topo da hierarquia católica mente sobre o assunto - algo que ficou esclarecido com as declarações de Daniel Sampaio, membro da comissão de investigação -, nisso querendo minimizar os dados existentes sobre a continuada prática intra-institucional de actos pedófilos.

Sobre este assunto muito haveria a dizer, até relativamente secundário ao seu cerne - para exemplo maior o actual silêncio que lhe dedica o tão loquaz Presidente da República, antes sempre tão lesto a associar-se à hierarquia católica. Mas isso não pode esquecer o ponto fundamental: uma comissão de investigação produziu um documento no qual constam nomes de sacerdotes, uns ainda em exercício profissional, que foram denunciados por práticas de abusos sexuais - algo não só imoral como também ilegal. E essa lista está nas mãos da hierarquia católica, que sobre esses dados (os quais logo começou a minimizar, repito) irá actuar. 

Ora isso implica que a igreja católica é um outro Estado. É isso, afinal? "Dai a César o que é de César" - e o que é de César não são só os impostos. É, neste caso, o rol dos denunciados como criminosos. O resto é com a polícia e com os tribunais. 

A procissão lisboeta

jpt, 06.03.23

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Eu gosto de Moedas. Votei nele, pedi aos meus amigos lisboetas que nele votassem. Não só porque o seu antecessor é execrável (e é, o piorio do PS), não só porque delenda est PS, mas também porque o ouvira, solto, em Bruxelas e ali mostrando-se um tipo com cabedal intelectual - ainda mais excêntrico no patético estado das elites partidárias actuais... Exultei com a sua vitória, na derrota do amigo especial de Moscovo e Tel Aviv (para ele decerto que Jerusalém) e da sua tropa fandanga, essa daquela maluquinha de Arroios, do ex-vereador Salgado, da colunista do "Público" "de referência", do rapazola de Campo de Ourique e por aí afora, toda essa malta que agora sonha acoitar-se sob a dita "Super-Marta"...

Dito isto: alguém me pode explicar o que faz um presidente da câmara (ainda por cima a da capital) metido numa procissão católica?

Z-Library e o acesso livre via "bibliotecas-sombra"

jpt, 03.03.23

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No passado 4 de Novembro aqui me insurgi face à investida da polícia internacional contra a Z-Library, obrigando a organização a mergulhar na clandestinidade (a via TOR, entenda-se). É agora com júbilo que partilho a informação de que a Z-Library já está de novo disponível através dos portões ("browsers") comuns. Basta pesquisar e entrar... E encontrar um acervo gigantesco em acesso livre: 22, 5 milhões de livros, 80 e tal milhões de artigos. Neste entretanto disseminou-se o acesso ao "Arquivo de Anna", um precioso e muitíssimo funcional conglomerado das chamadas "bibliotecas-sombra" (a dita Z-Library, a Genesis, a Sci-Hub).
 
É evidente que este assunto convoca várias questões, várias das quais não são de fácil resolução. No fundo é uma situação que algo replica o rombo acontecido há décadas no mundo da edição musical (para facilitar a memória aludo ao caso Napster). Mas neste estralhaçar dos verdadeiros oligopólios editoriais, ficam pendentes (ou arrasadas) temáticas como as dos direitos autorais/de propriedade intelectual, da viabilidade das editoras, e a da sua pluralidade, a da indistinção entre a criação literária e o trabalho de índole científico-académica, o aplainar das diferenças entre trabalhos financiados a priori (na sua maioria estes científicos, promovidos por assalariados no âmbito das suas obrigações laborais) e os emanados de perspectivas remuneratórias captadas a posteriori, em particular literários ou os de investigadores franco-atiradores ("liberais"). Mas há uma temática sobre a qual não tenho dúvidas, a da pertinência do acesso livre aos arquivos do saber, o gigantesco acervo da literatura académico-científica produzida. E que está resguardado, sob preços altíssimos, até especulativos, de forma a obrigar as instituições reprodutoras do saber a enormes espórtulos para que possam servir os seus profissionais investigadores e docentes e seus alunos. E nisso, e por mim também falo, penalizando aqueles que fazem, por gosto ou necessidade, investigação independente, sem cobertura institucional - e nisso sem senha de acesso às tais caríssimas subscrições do acesso ao... que já foi feito e remunerado.
 
Sobre aquilo que é contemporâneo, agora produzido, não tenho qualquer dúvida, muito prefiro as plataformas de adesão individual, nas quais cada um pode optar por colocar o que entende divulgar da sua reflexão e trabalho: eu estou na Academia.edu e na Research Gate, nas quais coloquei alguns laivos (ou resquícios) do meu modesto percurso. Mas em relação ao legado societal, ao acervo de produção científica (e, vá lá, "humanística"), não tenho quaisquer dúvidas - ele deve ser "liberalizado", no sentido de libertado. Entenda-se, ficar sob acesso aberto ao público.
 
Dou o meu exemplo: há uns anos intentei um infausto projecto, o de uma tese de doutoramento em Antropologia. Pedi uma bolsa para tal - o que me possibilitaria financiar as propinas que a instituição pública cobra para esse processo - mas não me foi possível obtê-la (resumi o caso aqui). Face a isso avancei, quixotesco, na realização individual (ambicionando uma hipotética "candidatura externa" após a conclusão do texto). Trabalhei sobre Moçambique - país sobre o qual tenho em casa uma extensa bibliografia. E com o olhar de antropólogo - disciplina sobre a qual tenho uma decente "biblioteca". E tenho acesso gratuito, como cidadão, às bibliotecas institucionais do país, que estão providas de recursos suficientes. Mas não à rede das bibliotecas digitais institucionais, caríssimas - e espartilhada, de modo a obrigar a várias subscrições, em evidentes manobras especulativas. Então voz companheira chamou-me atenção (em 2016) para as bibliotecas-sombra, em particular para esta Z-Library. E, de facto, um novo mundo - um novo universo, melhor dizendo - se me abriu, na apreensão de um imenso manancial de saber, uma miríade de textos de que nem ouvira falar. E estou eu nos meus 50 anos, imagine-se o impacto que estas facilidades poderão ter nos mais jovens...
 
Por isto tudo, Viva o Acesso Livre. Viva a Z-Library, e as outras congéneres...