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Delito de Opinião

Uma homenagem

beatriz j a, 18.05.22

Hoje é o dia do enfermeiro oncológico. Os enfermeiros oncológicos têm uma associação própria - a AEOP. O pessoal da saúde que trabalha com doentes oncológicos é mais atreito do que os de outras áreas clínicas a cair em depressão devido à pressão em lidar com doentes incuráveis, em estado de grande ansiedade e/ou depressão, por conta de quadros clínicos complexos e muitas vezes fatais. Porém, os enfermeiros em particular são mais atingidos. O médico oncológico é quem decide do tratamento do doente e traça o seu plano, mas quem o implementa é o enfermeiro oncológico. 

Os enfermeiros oncológicos são parceiros essenciais que se ligam emocionalmente aos doentes -os tratamentos duram meses, às vezes anos- ajudam-nos a navegar nos complexos protocolos de tratamento e a gerir os sintomas e os efeitos secundários. Vi doentes a manifestar súbita alergia ao medicamento da quimioterapia, incapazes de respirar, por exemplo, e observei a rapidez e precisão com que os enfermeiros avaliam a situação, param imediatamente o tratamento e fazem o necessário para a recuperação; vi pessoas não aguentarem emocionalmente o tratamento e enfermeiros a conseguirem que a pessoa faça o tratamento; vi pessoas cheias de dores e enfermeiros a lidarem com elas; vi mulheres a passarem a mão no cabelo e ficarem com ele na mão e desatarem a chorar e enfermeiros a recuperarem emocionalmente a pessoa; vi pessoas desesperadas por ser a 3ª ou a 4ª vez que recidivam a apoiarem-se na força dos enfermeiros; vi pessoas perderem o controlo sobre o próprio corpo devido aos tratamentos (tentarem pôr-se em pé e caírem - as pernas desconjuntadas como efeito dos tratamentos) e enfermeiros a lidar com a situação e com o desespero da pessoa; tive enfermeiros radio-oncologistas a ajudarem-me numa altura em vacilei na vontade por ter ficado com uma grande queimadura e dores insuportáveis; vi enfermeiros lidarem com a perda de doentes que seguiam há muito tempo. O trabalho do enfermeiro oncológico é particularmente difícil.

Os enfermeiros oncológicos travam conhecimento com o acompanhante dos doentes, geralmente um familiar e estabelecem relação com essa pessoa também, para saber mais do doente e antecipar problemas. Por vezes também prestam suporte emocional aos familiares dos doentes, eles mesmos sob enorme pressão. Os enfermeiros antecipam as necessidades dos pacientes e dos cuidadores familiares e trabalham com os gestores dos casos e por vezes com os assistentes sociais para assegurar que os pacientes tenham apoio adequado e ajuda profissional nas suas casas e comunidades.

O tratamento de uma pessoa na luta contra o cancro passa por muitas fases e geralmente tem vários profissionais de diferentes especializações médicas dado os efeitos colaterais da doença e dos tratamentos. Muitas vezes, são os enfermeiros oncológicos que fornecem informação e orientação consistente ao longo do plano de tratamento. Têm formação para avaliar as necessidades médicas da pessoa. Os doentes oncológicos, com muita frequência sabem mais da sua doença do que médicos de outras especialidades não-oncológicas, aprendem muito jargão médico, aprendem a ler o resultado das análises e dos exames que têm de fazer, o que às vezes leva a juízos errados e só piora o seu estado de espírito e quem lida com isso tudo é principalmente o enfermeiro oncológico.

Os enfermeiros oncológicos têm sempre um sorriso calmo e uma palavra de empatia com os doentes -essa é a minha experiência de um ano e meio a frequentar o espaço da medicina nuclear e hospital de dia onde se fazem os tratamentos- e isso não tem preço. São pessoas por quem tenho grande respeito e deixo aqui o meu reconhecimento público a esses profissionais.

5 comentários

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    beatriz j a 18.05.2022

    O cancro é uma doença incurável (por enquanto) mas daí não se segue que a pessoa tenha que morrer assim que o apanha.
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    balio 18.05.2022

    O cancro é incurável?! Como assim, montes de pessoas que já tiveram cancro estão vivas e de boa saúde dezenas de anos depois!
    Talvez seja incurável no muito longo prazo mas, no prazo de uma vida humana, montes de cancros são perfeitamente curáveis.
    Um colega meu que teve um linfoma há vinte anos está hoje vivo e de ótima saúde. Outro conhecido meu que teve cancro do testículo há mais ou menos esse tempo também está hoje ótimo.
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    beatriz j a 18.05.2022

    Incurável = não se conhece cura para essa doença. Na realidade sabe-se ainda muito pouco da formação da doença. Muito pouco. Até fazer o diagnóstico é geralmente difícil e é necessário fazer vários exames e cruzar/relacionar a informação desses exames para saber o que está ali. São inferências indirectas e por vezes passam seis meses a procurar (porque já se desconfia) e a não encontrar. Há cancros que só depois de abrir a pessoa é que se sabe ao certo o que lá está.

    Felizmente conhecem-se tratamentos e estes começaram a melhorar nos últimos anos, mas essas pessoas de que fala, ou tiveram a "sorte" de ter cancros daqueles que são logo detectáveis e portanto são apanhados num estadio precoce e/ou podem ser extraídos e, em cima disso, tiveram alguma sorte do tratamento resultar no seu organismo ou de ficar com células mas estas não se reactivarem, e por isso podem viver com o cancro muitos anos. Porém, com um cancro nunca há garantia e nenhum médico diz a um doente oncológico que está curado porque basta lá ficar uma celulazinha tumoral adormecida, para que de repente comece a replicar-se e a espalhar-se. Ninguém sabe porque não é possível detectá-la.

    A filha de uma colega teve uma leucemia. Tratou-se. Passados 17 anos teve uma recidiva na traqueia, resultado do tratamento de radio que fez para tratar a leucemia. Uma pessoa que conheço tinha um tumor no pulmão de tamanho ideal (entre 1 cm e 1.5 cm), tirou-o, fez tratamentos de químio e de rádio e andou bem 12 anos. Ao fim desse tempo apareceu-lhe um tumor na perna (consequência dos tratamentos). Tratou-o. Agora faz exames de 6 em 6 meses, à cautela. Um amigo tem um tumor na próstata. É demasiado pequeno para poderem tirá-lo. Se fazer radioterapia, como está ao pé de uma data de orgãos, arrisca-se afectá-los e desenvolver tumores nesses orgãos como resultado do tratamento. Operações dessas são muito complicadas e geralmente resultam em sair de lá com um saco para o resto da vida, ficar impotente e etc., de maneira que não vão tratá-lo. Vão esperar que cresça...
    Sabe-se muito pouco dessa doença. Muito pouco.
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    balio 19.05.2022

    Grande parte dos casos que você foca são cancros novos e diferentes, provocados pelos tratamentos. Não são o mesmo cancro, são cancros novos, que foram provocados pelos tratamentos tal como poderiam ter sido provocados por outra coisa qualquer.
    Repito, há muitas pessoas que se curam totalmente de cancros. Há umas que não se curam (uma prima minha, por exemplo, que teve um cancro de pele que recidivou passados poucos anos e acabou por falecer), mas há outras que ficam totalmente curadas.
    Aliás, os médicos de oncologia pediátrica dezem que é uma área gratificante da oncologia porque curam doentes que são crianças e que dezenas de anos mais tarde, como adultos, levam uma vida totalmente normal.
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