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Delito de Opinião

Uma galeria de horrores

Sérgio de Almeida Correia, 07.04.21

1.-tdm-1.webp(créditos: Carmo Correia/LUSA, vendo-se na imagem colonos com complexo de suserano a manifestarem-se pela liberdade de imprensa)

 

1. Os jornalistas portugueses da emissora pública de televisão e rádio de Macau (TDM) são "convidados" pelas suas chefias a estarem presentes numa reunião onde lhes são comunicadas novas directivas;

2. Na sequência dessa reunião, seis jornalistas apresentaram a sua demissão;

3. A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, que congrega a esmagadora maioria dos jornalistas de língua portuguesa e inglesa da Região, emite um comunicado pelo qual "manifesta enorme preocupação pela gravidade das implicações de alguns aspectos referidos na mesma reunião no que diz respeito ao livre exercício do jornalismo e às condições dos jornalistas para exercerem a sua actividade com profissionalismo e dignidade";

4. Também a Associação de Jornalistas de Macau (a que diz que se confunde notícias com propaganda), que "representa repórteres dos ‘media’ de língua chinesa apelou (...) ao Governo para que proteja a liberdade de imprensa, consagrada na Lei Básica, reiterando “que a liberdade de imprensa e de expressão de Macau não deve ser restringida” e que “os jornalistas não são meros instrumentos de propaganda de meios políticos”, afirmando que o “Governo da RAEM deve reconhecer a sua contribuição, e comprometer-se a proteger a liberdade de imprensa como ordenada na Lei Básica”;

5. Sucedem-se múltiplas reacções ao que se passou, incluindo em Portugal, designadamente por parte do Sindicato dos Jornalistas e de muitos profissionais que exerceram a profissão em Macau e conhecem as contingências do seu exercício;

6. Dias depois da tal reunião, a "Teledifusão de Macau (TDM) emitiu um comunicado no qual declara que “não alterou a sua actual política editorial de informação e está empenhada no cumprimento da responsabilidade social dos meios de comunicação, com a prestação do serviço público de radiodifusão, sob o princípio de amor à Pátria e à RAEM, e a difusão de notícias de acordo com a verdade”;

7. Na referida reunião estiveram presentes João Francisco Pinto e Gilberto Lopes, "director e director-adjunto de Informação e Programas Portugueses da estação", respectivamente, que até hoje nada disseram sobre o que aconteceu, sendo no mínimo estranho tal silêncio, em especial depois da Administração da TDM ter vindo desmentir o que nessa ocasião foi transmitido a dezenas de profissionais pela suas chefias;

8. Este último ponto levanta aliás a questão de saber se alguém dessas chefias se excedeu no que transmitiu, se o que ali foi dito partiu da sua alta recriação – o que seria manifestamente grave –, nada lhes tendo sido anteriormente pedido pela Administração que fosse necessário comunicar aos jornalistas, ou se a Administração da TDM faltou à verdade quando disse que não tinha dado nenhumas instruções para alteração da linha editorial e os tais pontos divulgados e anotados por quem lá esteve foram fruto de uma alucinação colectiva das dezenas de profissionais presentes na reunião;

9. Junte-se a todo este imbróglio o saber-se que João Francisco Pinto é o presidente da Mesa da Assembleia Geral da referida Associação de Jornalistas da Imprensa em Português e Inglês de Macau, e que Gilberto Lopes é o vice-presidente da Direcção, para se ficar sem perceber se estes também subscrevem o comunicado emitido pela associação a que pertencem, se se revêem nele, ou não, tanto mais que o comunicado da TDM que nega a existência de quaisquer alterações à linha editorial os coloca em xeque, não constando que até agora se tenham demitido ou mostrado solidariedade pública com os que se demitiram, embora surjam aparentemente como vítimas da uma renovação por apenas seis meses das suas comissões de serviço;

10. Perante este cenário, já de si assustador pelo à-vontade com que ocorreu, ficámos hoje a saber por uma notícia da LUSA que a Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República esteve a discutir a "situação alegadamente vivida em Macau". Alegadamente, bem visto. Ou seja, naquela comissão há quem tenha sérias dúvidas se o que aconteceu efectivamente existiu, colocando dessa forma em causa a sanidade mental das quatro dezenas de profissionais que estiveram na referida reunião e a dos dirigentes das associações de jornalistas, em língua chinesa, portuguesa e inglesa, que manifestaram preocupação e apreensão pelo sucedido, no que não deixa de ser estranho para quem se queixou de estalinismo na Juventude Socialista (talvez haja um estalinismo bom quando nos dão importância e um outro mau quando nos tiram da fotografia);

11. Diz um outro, o senhor Pisco, o mesmo que também publica umas coisas amiúde na Tribuna de Macau, que "não vale a pena estar a criar um problema onde ele não existe", que terá havido "excesso de zelo de alguém da Administração" (de quem?), frases que me pareceram "sopradas" por um conhecido decano, acrescentando o senhor Cesário, o tal do Licor Beirão, do alto da sua sapiência, que deve continuar a ser aconselhado pelo senhor Vitório, o que representa o PSD nas manifestações do Chega e dirige a Companhia Oriental Portugueza (com "z" de "sangue azul"), que "a China financia vários órgãos de comunicação social em língua portuguesa sem interferir nas questões editoriais" (não há nada como os almoços grátis do altruísmo socialista);

12. Do PCP não seria de esperar outra posição que não uma declaração a dizer que em causa está uma "tentativa de desestabilização da situação em Macau, com transposição da situação de Hong Kong e alguma mimetização de processos e expedientes", que é mais ou menos a posição da propaganda oficial chinesa e do seu órgão oficioso em Macau, dirigido por um conhecido campeão da liberdade de imprensa que assimilou na perfeição a cartilha dos controleiros comunistas;

13. Também desconheço quais sejam as fontes em Macau dos membros da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, mas desconfio que não será nenhuma das que esteve na tal reunião, e que se continuarem a ser as que eu suspeito, aqueles com quem confraternizam de cada vez que vêm fazer turismo, ou, eventualmente, tratar de negócios, só terão, na melhor das hipóteses, uns lamirés da informação relevante sobre este caso; 

14. O que me leva a concluir, compungido e pela enésima vez, o que muito lamento, que há uns perus na galeria que não perdem a oportunidade de dar nas vistas e de botarem faladura, sem pensarem primeiro e ainda que seja para não dizerem nada (aproveitando para desvalorizarem a acção daqueles que ainda pugnam pela defesa da sua dignidade profissional e que para tal colocam em risco o seu sustento e as suas jovens carreiras), expondo-se alegremente ao ridículo e justificando sempre que podem a irrelevância das funções que desempenham. Uns verdadeiros cromos dos partidos que representam e do regime que há décadas lhes paga as mesadas com que vão colorindo as penas no intervalo dos croquetes.

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