Uma falsa sensação de segurança
Graça Freitas
A autoridade sanitária parece existir em Portugal para carimbar decisões políticas. O que perverte a sua lógica. Matérias do domínio científico deviam ser deixadas ao critério dos especialistas, não desses técnicos de ideias gerais que são os políticos.
O que tem sucedido entre nós justifica as mais sérias reservas. Basta verificar o que aconteceu no processo de vacinação dos adolescentes entre os 12 e os 15 anos: bastaram onze dias para a Direcção-Geral de Saúde mudar radicalmente de posição. Foi a reboque das declarações do Presidente da República, do desejo indisfarçável do primeiro-ministro e até dos palpites de comentadores televisivos que no domingo antecipavam o que a directora-geral viria a tornar público na terça-feira.
Maria da Graça Gregório de Freitas, 63 anos, lidera desde 2018 a autoridade de saúde nacional, organismo que vem preenchendo manchetes desde que foi declarada a pandemia. Nem sempre por bons motivos. Nos primeiros meses, tornou-se notícia pelas contradições exibidas. Várias das quais em discurso directo. A 15 de Janeiro do ano passado, assegurava que havia «fraquíssima possibilidade» de transmissão do novo coronavírus de pessoa para pessoa. A 28 de Fevereiro, quando já todos os alarmes soavam, voltou a pronunciar palavras incongruentes, como se estivesse a ver o filme errado: «Não nos devemos beijar todo o dia e a toda a hora.» A 22 de Março, chegou ao ponto de emitir reservas em relação ao uso de máscaras, por transmitirem «falsa sensação de segurança».
Assim se foi caminhando em ziguezague. A cada percalço comunicacional, o prestígio da DGS diluía-se mais um pouco. Nenhum tão grave, talvez, como este mais recente. A 30 de Julho, Graça Freitas anunciou ao país sérias restrições à vacinação dos 410 mil jovens dos 12 aos 15 anos, concedendo luz verde apenas àqueles que tivessem doenças crónicas. Foi repetidamente desautorizada. Desde logo, pelo Governo Regional da Madeira, que no próprio dia começou a vacinar cerca de 20 mil adolescentes a partir dos 12 anos. Do Brasil, onde estava em visita oficial, Marcelo Rebelo de Sousa fazia uma interpretação muito própria da norma sanitária, considerando que tudo seria deixado à «livre escolha dos pais». A 5 de Agosto, pressionava já sem disfarces, recomendando que o modelo madeirense fosse adoptado no conjunto do país.
«Novas evidências científicas», nunca especificadas, levaram a directora-geral a mudar de posição. Agora já recomenda a vacinação universal naquele escalão etário sem necessidade de indicação médica. Com o primeiro-ministro a esclarecer de imediato que «tudo está a postos» para garantir as vacinas antes de começar o ano lectivo. Fazendo crer que a ciência oscila ao sabor da agenda política.
Há que concluir sem paliativos: Graça Freitas sai de tudo isto com a credibilidade ferida. Foi-nos transmitindo uma falsa sensação de segurança. Mantém uma certa aura de simpatia, mas a autoridade que lhe resta tornou-se residual.
Texto publicado no semanário Novo