Um tributo merecido
Pobreza gera terrorismo. Sempre que somos abalroados por actos de uma brutalidade indizível como os de ontem, há sempre alguém que levanta o braço para dizer que este tipo de violência tem as suas raízes na precariedade, nas desigualdades e, em geral, na pobreza. Desta vez, foi Miguel Tiago, deputado do PCP, a assumir a causa, designando pobreza sob a forma de “política de direita”. O post entretanto foi apagado, o que demoveu o Sérgio de o comentar. Ainda assim, e dado o assunto, acho que se justificam dois ou três apontamentos.
Embora recorrente, o argumento que associa pobreza a terrorismo carece de fundamento. Aliás, nunca teve qualquer sustentação. A literatura que aborda o referido lugar-comum é vasta (veja-se, a título de exemplo, estas páginas, estas ou ainda estas) e, como tal, é difícil resumi-la aqui. No entanto, repare-se que os ideólogos e os líderes do jihadismo – Hassan al-Banna, Osama Bin-Laden, Ayman al-Zawahiri, entre outros – são, em regra, oriundos da classe média-alta ou mesmo dos sectores mais privilegiados das sociedades que os viram crescer. Note-se igualmente que muitos dos que executam atentados, por vezes estando até disponíveis para abdicar da própria vida – Mohammed Atta (célula do 11 de Setembro), Umar Farouk Abdulmutallab (underwear bomber), entre outros –, pertencem a estratos socioeconómicos não muito diferentes daqueles que os lideram. Isto para não abordar o óbvio: se existisse um vínculo de causalidade entre terrorismo e miséria, países como o Congo, a África do Sul, Cuba ou a Venezuela seriam viveiros de actividade jihadista. E, para não deixar pontas soltas, se quisermos olhar para o fenómeno através de uma amostra cronológica mais ampla, veremos que organizações terroristas como o Baader Meinhof, a ETA ou as Brigate Rosse tornam ainda mais difícil estabelecer uma ligação entre violência e pobreza (embora a ligação entre extrema-esquerda e terrorismo se torne mais fácil). Abreviando, não há relação entre terrorismo e pobreza.
Mas este argumento gasto, para além de infundado, é ainda insultuoso. Dele resulta que em todo o pobre há um terrorista em potência. Talvez alguém tenha explicado isto a Miguel Tiago e, por essa razão, o post tenha desaparecido.
Em Teoria Geral da Estupidez Humana, Vítor J. Rodrigues diz-nos que, nos dias de hoje, a estupidez consiste numa resistência estóica à inteligência. Dada a enorme difusão de conhecimento, e a facilidade em aceder a esse conhecimento, a estupidez é produto de um esforço notório. Escreve Vítor J. Rodrigues que “a exuberância dos fenómenos estupidológicos, a sua extrema variedade, a riqueza das suas realizações ou a elegância dos seus refinamentos [esta última parte, evidentemente, não se aplica a Miguel Tiago], tudo nos faz encontrar na estupidez mais, muito mais do que uma vacuidade, uma ausência de inteligência”. Por esta razão, e apenas por esta razão, importa prestar algum tributo a Miguel Tiago.