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Delito de Opinião

Um salto que chegou de Lisboa a Tóquio

Patrícia Mamona

Pedro Correia, 11.08.21

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Não lhe basta ser medalhada na pista: também merece medalha pelo exemplo cívico que nos deu após ter subido ao pódio em Tóquio. Patrícia Mbengani Bravo Mamona, nascida há 32 anos no bairro lisboeta de Arroios, filha de pais angolanos, remou contra a maré com palavras simples e genuínas. Falando sem o menor complexo sobre a alegria que sente em ser portuguesa. Afirmando-se crente no trabalho metódico, na disciplina física e mental, no saudável espírito de competição capaz de ultrapassar obstáculos e derrotar inibições.

Tudo isto no rescaldo imediato do magnífico salto que a fez transpor a marca dos 15 metros no triplo salto. Só 24 outras mulheres alcançaram tal proeza no desporto mundial. Ela lutou durante anos para atingir este patamar. Já era a melhor de Portugal desde 2009, quando saltou 13,83m. Faltava-lhe a consagração olímpica, agora alcançada em Tóquio.

«É um orgulho para mim representar esta nação. Quero deixar o meu agradecimento a Portugal. Somos pequenos, mas somos grandes», afirmou a atleta do Sporting. Tinha motivos para isso: acabara de saltar 15,01m, sagrando-se vice-campeã olímpica e superando duas vezes o recorde nacional.

No seu português vibrante e límpido, com palavras que todos entendemos, disse o que por estes dias não escutamos a nenhum político – muito menos ao ministro da Educação, avesso a provas, exames, patamares competitivos. Politicamente incorrecta, Patrícia enalteceu o esforço, destacou a importância de fixar metas, garantiu que sem tenacidade nada se consegue. Exibindo brio patriótico, promovendo a cultura do mérito, dizendo que devemos ver-nos não como país pequeno mas como povo grande.

 

Não podia ser maior o contraste entre a refrescante mensagem de Patrícia e a rancorosa oratória daqueles que, como Joacine Katar Moreira e Mamadou Ba, jamais falam para o cidadão comum mas para claques tribais, num estendal de vitimização e ressentimento. Incapazes de abraçar a bandeira que tem a esfera armilar no centro, ao contrário do que fez a recordista nacional do triplo salto.

Foi um momento de redobrada alegria para quantos a vimos à distância nas primeiras Olimpíadas sem público da história, com bancadas vazias a pretexto do coronavírus, símbolo de uma civilização que troca o real pelo virtual e vive cercada de interdições. Num certame desportivo que se proclama de 2020 quando ocorre em 2021, como se o planeta tivesse ficado congelado no ano em que começou a pandemia.

O salto largo de Patrícia teve o condão de nos devolver um fragmento do mundo real. E a mensagem que nos transmitiu após ter concretizado o sonho foi mais inspiradora do que qualquer cartilha contaminada de ranço ideológico ou da nova tendência em curso que presta tributo à desistência. «Só queria dizer que todos são capazes. Pode demorar um bocadinho, mas pode acontecer», disse-nos ela.

Tão simples como isto.

 

Texto publicado no semanário Novo

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