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Delito de Opinião

Um pouco mais de memória, sff

Pedro Correia, 23.10.15

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Defensor que sou do semipresidencialismo mitigado que sobrou do texto original da Constituição de 1976, tenho a maior dificuldade em emitir juízos severos sobre eventuais excessos dos chefes do Estado na interpretação dos poderes que a lei fundamental lhes confere. Até porque, na conduta quotidiana, os presidentes tendem a pecar no sentido oposto, por inacção ou omissão.

Levantam-se agora algumas vozes clamando contra supostas tentações bonapartistas de Cavaco Silva, que estaria a exorbitar da sua função institucional. Alguns destes críticos têm memória curta. Esquecem que já tivemos um Presidente que fundou um partido político enquanto exercia a chefia do Estado. Já tivemos um Presidente que orquestrou a oposição ao Governo a partir de Belém por achar "demasiado mole" a oposição formal, no plano partidário. E já tivemos um Presidente que pôs fim a uma legislatura com maioria absoluta, por acaso contrária à sua cor política.

 

Um dos mais esquecidos parece ser o professor Vital Moreira. Ei-lo hoje, fremente de indignação, escrevendo no seu blogue contra a  "quebra de lealdade institucional" de Cavaco face ao Parlamento e contra o atentado à "convivência institucional" cometido pelo inquilino de Belém. Chegando ao ponto de sublinhar isto: "Ou me engano muito ou a comunicação de Cavaco Silva desta noite pode ter inaugurado o mais profundo conflito político-institucional jamais ocorrido desde o início da era constitucional".

Um pouco mais de memória, sff. Em Novembro e Dezembro de 2004, o reputado constitucionalista figurou entre aqueles que saudaram a decisão do Presidente Jorge Sampaio de dissolver a Assembleia da República quando o Governo de coligação PSD/CDS ali dispunha de uma confortável maioria absoluta. Um acto discricionário do Chefe do Estado que Vital Moreira na altura enalteceu, considerando que Jorge Sampaio, "lesto e decidido", agiu de modo  "inatacável" do ponto de vista político e constitucional.

Nessa altura não vislumbrou quebras de lealdade nem atentados à convivência institucional, talvez por usar óculos diferentes dos que agora usa. Mudam-se os tempos, mudam-se os critérios de avaliação.

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