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Delito de Opinião

Um país que só existe nos cromos fica perigoso quando se torna real

Sérgio de Almeida Correia, 05.06.15

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Com uma crise que se manifesta aos mais diversos níveis da vida colectiva - nos planos social, ético, moral, demográfico e ortográfico, nos sistemas de justiça, de saúde e de segurança social, na educação, na banca, nos impostos, no sistema eleitoral, no sistema de partidos, nos índices de confiança nas instituições políticas e judiciárias, na polícia, na política, e em sei lá mais o quê -, o país divide-se entre as razões dos catedráticos da bola.

Nas televisões abrem-se os jornais noticiosos com as transferência de treinadores de futebol e de jogadores por verbas astronómicas. Repetem-se filmes com a vida dos eleitos, com as suas visitas aos cafés e tabernas do bairro, ilustrados com o discurso da vizinha ou do taberneiro. Gordos e magros, carecas e cabeludos, altos e baixos, autarcas encartados, palermas diplomados, todos comentam com a sua melhor verborreia e argumentos para mentecaptos aquilo que a CMVM ainda não sabe sobre as sociedades desportivas cujos títulos são cotados em bolsa.

Um clube com um passivo acumulado de milhões, que passa décadas sem ganhar um título nacional, contrata um treinador que vem de um clube com um passivo similar, mas com mais pergaminhos, títulos e receitas, por dezoito milhões de euros. Para um período de apenas três anos.

Um ex-presidente do clube contratante aponta o "manicómio" como o destino adequado para o presidente em exercício desse mesmo clube. E embora não se saiba de onde virá o dinheiro para pagar a vedeta contratada, é-nos assegurado, à laia de razão de estado, que a massa não vem de Angola, nem da China, nem da Guiné-Equatorial.

As rádios e televisões não encontraram outro tema para ocupar horas a fio ao longo de todo o dia, repetindo banalidades até à exaustão, do que a contratação de um treinador de futebol. Tudo isto acontece num país que saiu há pouco mais de um ano de um programa de resgate internacional, a quatro meses de umas eleições legislativas e a seis de umas eleições presidenciais, com greves e pacotes de privatizações em curso, sem se saber o que vai acontecer com as reformas, com os escalões do IRS ou com a TSU dentro de alguns meses. Ninguém sabe quando o próximo Governo tomará posse, nem até quando se irá viver sem o Orçamento de Estado para 2016. Quem vindo de fora acompanhe o que se escreve nos jornais e se diz nas rádios e televisões facilmente concluirá que a vida da nação e a saúde do regime dependem da melena de um borra-botas qualquer. 

Enquanto isso, num país de dez milhões de habitantes há 5% de analfabetos (pessoas com mais de dez anos que não sabem ler nem escrever), a grande maioria da população que andou na escola, e até ministros, dá erros de palmatória, não há acordo quanto às regras da escrita, muitos milhares assinam com a impressão digital, as suspeitas pela prática de crimes de branqueamento de capitais, prevaricação, peculato, falsificação, fraude fiscal e outros de igual calibre fazem manchetes quase diárias, o primeiro-ministro elogia e apadrinha por igual mercenários da política e gente sem carácter e há um ex-primeiro-ministro e altos funcionários da Administração presos e a aguardarem julgamento por suspeitas, entre outros crimes "menores", de corrupção, tudo sem que haja ainda a mínima garantia de se vir a ter nos próximos anos um Presidente da República digno do cargo e das responsabilidades inerentes.

Uma coisa é gostar de futebol. Outra, bem diferente, é viver num país de alienados e dementes. O Júlio de Matos é já ali. Convém não perder o sentido da realidade. E das proporções.

2 comentários

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    M. S. 05.06.2015

    O homem é péssimo, mas não perde uma oportunidade para o ler.
    Os psicanalistas explicam isso.
    Quanto ao NS comparar a irracionalidade do que ganha Horta Osório (será que o senhor considera normal?), a prudência aconselha a esperar mais um pouco. Ainda não saiu nenhum Expresso em que, no espaço correspondente, ele o possa fazer.
    Nunca se deve por o carros à frente dos bois, a não ser quando se é movido por fanatismo ideológico.
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