Um off-load na Armada
Para quem está familiarizado com o Rugby (perdoem-me a o uso da palavra no formato original) conhecerá o movimento de passe de bola designado por off-load. Desconheço se existe alguma tentativa de tradução desta expressão, mas, linguística à parte, consiste num passe feito por um jogador que não consegue evitar ser placado e, sacrificando a sua progressão, num esforço derradeiro consegue deixar a bola jogável para um companheiro. Uma imagem vale mais que mil palavras e convido quem desconheça o conceito a ver estes exemplos.
A essência do off-load resume-se ao momento em que o passe é feito. Se for demasiado cedo, o defesa mudará imediatamente o seu enfoque para o jogador que a recebeu. Se for feito no momento certo, o jogador que o faz disponibiliza-se para ser placado deixando assim que a bola continue a circular na posse da sua equipa. Por isso, um off-load bem feito exige generosidade e capacidade de sacrifício pela equipa.
Vem isto ao assunto na sequência do recente caso do NRP Mondego.
Sem acesso a informação para além daquela que me passou pelos écrans, aos poucos apercebi-me que estava a assistir a uma metáfora de um off-load na vida militar.
Melhor do que qualquer civil, os militares, mais ou menos garbosos, conhecem o peso da disciplina que os rege. Por isso é óbvio que os treze marinheiros que decidiram não cumprir as ordens recebidas conheciam as consequências dos seus actos. Sabiam bem que ninguém os iria acudir e que de uns tempos a ver o sol aos quadradinhos não se livram.
Quando o caso se tornou público, as reacções em cadeia foram as expectáveis.
Os portugueses sacudiram a cabeça com o desdém que os falhanços de soberania lhe causam, o CEMA lembrou o que tinha de ser lembrado, os russos livraram-se de prestar assistência em alto-mar, os restantes membros da NATO lembraram-se do caso de Tancos e o PM mandou descativar quase 40 milhões de euros para a manutenção da navios da Armada.
Apesar da referida descativação ter sido publicada em Diário da República um dia depois deste incidente, o nosso habilidoso PM logo mandou dizer que a decisão tinha sido tomada, por mera casualidade, uns dias antes. Palavra dada… etc., ninguém é obrigado a acreditar nele, embora que quem não o aplauda incorra na pena de ser carimbado de fascista.
E nisto regressamos ao off-load. Os treze marinheiros irão dentro, o que até é menos gravoso do que morrer afogado, e com o seu sacrifício contribuíram para a libertação das verbas orçamentadas para a manutenção da frota da Armada.