Um mundo sem europeus
Reencontrei Um Mundo Sem Europeus e reli algumas partes. Em 2010, quando foi publicado, discordei do autor, Henrique Raposo, cujas opiniões me soavam demasiado definitivas. Agora, as ideias parecem ultrapassadas. Alguns exemplos: “Tirando Rússia e China, todos os Estados-chave são democracias liberais”, ou “a Europa não tem qualquer centralidade na política mundial”; ou ainda “o drama central da segunda metade do século XX asiático não foi o choque EUA vs URSS. O drama central dos asiáticos no pós-1945 foi, isso sim, o pós-colonialismo”.
A primeira frase confundia democracia com democracia liberal. Definir Índia, África do Sul ou Turquia como democracias liberais não faz sentido. Nos próprios EUA, onde as oligarquias têm poder desproporcionado e onde existe uma obsessão com a segurança, a democracia é mais conservadora do que liberal. As democracias liberais são raras e existem sobretudo na Europa. Nada impede modelos democráticos de tipo populista, social-democrata, conservador ou islâmico. Se o Podemos ganhar as eleições em Espanha, deixa de haver ali democracia? E essa democracia não vai ser liberal, pois não?
A segunda frase traduzia uma tese em voga que menorizava os europeus e que a crise financeira também se encarregou de negar. Como os ucranianos bem sabem, a Europa continua a ser decisiva na política internacional. A luta pela supremacia na Europa Central tem sido a razão principal dos grandes antagonismos dos últimos 500 anos.
O terceiro exemplo representa outro exagero, pois os conflitos da Coreia e do Vietname estavam ligados à Guerra Fria. A ascensão da China tem de ser lida à luz do choque entre as duas superpotências e o mesmo se aplica à Revolução Islâmica no Irão ou aos choques petrolíferos. A Europa esteve no centro dos acontecimentos entre 1945 e 1989, mesmo quando havia episódios laterais, como o do Médio Oriente. A criação da Comunidade Económica Europeia resultou em grande parte da reacção à complexa crise de Outubro de 1956, que foi essencialmente uma crise europeia, embora envolvendo também Israel e Egipto, com desdobramentos locais em 1967, 1973 e por aí fora.