Um general com sorte
Diz-se que o primeiro critério de Napoleão para atrair generais ao seu estado-maior não era o da competência técnica. "Quero generais com sorte", exigia o imperador francês, curtido de vitórias em mil batalhas.
Há poucas coisas tão difíceis de definir como a sorte. Não falta até quem jure que conceitos como a sorte e o azar são totalmente desprovidos de sentido. A verdade, porém, é que estas palavras têm uso corrente entre nós. Por vezes olhamos para certa pessoa e desde logo sentimos que se trata de alguém bafejado pela sorte. Ou pelo azar, conforme as circunstâncias.
Veja-se o caso de Marcelo Rebelo de Sousa: basta olhar para ele para se perceber que é alguém que goza de boa fortuna. Não a fortuna pecuniária, mas aquela que mais interessa: a que vai removendo cada obstáculo do caminho por artes inexplicáveis dos humores astrais.
Reparem: desde que ascendeu à Presidência da República, por uma fabulosa conjunção de factores (impossibilidade de reeleição de Cavaco, processo judicial contra Sócrates, indisponibilidade de Guterres, recusa de Durão, falta de comparência de Rui Rio, o extravagante professor Tornesol como rival na corrida ao Palácio de Belém), os portugueses não param de celebrar boas notícias: inédita conquista do Campeonato Europeu de Futebol em França; eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU; a arte da falcoaria portuguesa e a olaria negra de Bisalhães declaradas património da Humanidade; produtor musical André Allen Anjos torna-se o primeiro português a ser distinguido com um Grammy em competição; vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão; triunfo de Leonardo Jardim como treinador do Mónaco, novo campeão de futebol em França; maior crescimento trimestral da economia nacional desde 2010.
O que vai seguir-se? Uma actriz portuguesa a conquistar o Óscar em Hollywood? Lobo Antunes a receber enfim o Nobel da Literatura? O futebol pátrio a erguer o troféu na Taça dos Libertadores? Marcelo vai sorrindo, distribuindo abraços, figurando em fotografias de grupo - espécie de amuleto desta nação bisonha habituada durante séculos a rogar pragas ao destino.
Vejo-o nos telejornais, sem falhar um dia, e penso no que diria Napoleão se o conhecesse: "Eis aqui um general com sorte." Portugal estava a precisar dele.
Texto ampliado e actualizado, no dia em que a Comissão Europeia, por unanimidade, propôs o fecho do procedimento por défices excessivos aberto a Portugal em 2009