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Delito de Opinião

Um eleitor, um voto, três tipos de urna e um funeral

Rui Rocha, 09.03.14

Boicotes? Distúrbios? Escasso interesse nos actos eleitorais? Pouco entusiasmo? Fraca participação? Talvez seja verdade no decrépito Ocidente. Mas nada disso ocorre na Coreia do Norte. Veja-se o que se está a passar nas eleições parlamentares que decorrem neste Domingo. De acordo com fontes fidedignas, os eleitores votaram cantando e dançando. E com total transparência, posto que não há cabinas individuais de voto. A meio do dia, já tinham votado 91% dos norte-coreanos. Nada que espante muito tendo em conta os dados de participação nas anteriores eleições: 99,98%. Nem mais, nem menos. E este ano a coisa promete correr tão bem ou melhor. Note-se que este entusiasmo não surge do nada. Durante várias semanas, os órgãos de comunicação estimulam a participação com poemas de forte carga motivadora e com títulos tão sugestivos como “Torrentes de Emoção e Felicidade”. Perante isto, não admira que os eleitores corram a desaguar nas mesas de voto. A nossa Comissão Nacional de Eleições tem aqui amplo campo de aprendizagem. Por outro lado, tudo está feito para facilitar a vida aos eleitores. Sabe-se como o excesso de escolha pode ser perturbador. Por isso, os norte-coreanos são muito beneficiados com um sistema simplificado em que podem votar num único candidato. Significa isto que não podem manifestar descontentamento com o candidato único apresentado? Antes de mais, é preciso esclarecer que isso é muito pouco frequente pois a escolha é muito criteriosa. Mas se por mero absurdo houver um candidato menos adequado, há obviamente solução. Aliás, se tivermos em conta o que se escreve no Economist, poderíamos descrever o curioso sistema norte-coreano com a expressiva frase “uma pessoa, um voto, três tipos de urna e um funeral”. De facto, os que votam no candidato proposto pelo regime têm direito a colocar o seu voto numa urna própria. Os pouquíssimos que não apoiam esse candidato, votam numa segunda urna. E os que o fazem ganham de imediato direito a ingressar numa terceira urna. E a um funeral. Percebe-se assim o entusiasmo com que as delegações da Coreia do Norte são sempre recebidas na Festa do Avante. Percebe-se menos, atendendo à profícua troca de experiências que certamente ocorre na Atalaia, que Bernardino Soares tivesse dúvidas sobre a natureza democrática do regime norte-coreano. 

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