Um castelo na areia
Detesto a atitude daquelas pessoas que se entretêm a fazer os mais negros vaticínios seja sobre o que for para um dia poderem gabar-se, levantando o queixo, com uma espécie de superioridade moral: "Eu bem avisei..."
Em Portugal, no espaço mediático, há gente em excesso a proceder assim.
Vem isto a propósito do XXI Governo Constitucional, que ontem tomou posse.
É o segundo maior, em 40 anos de democracia, desde o infausto executivo de Pedro Santana Lopes - o que talvez baste para sobressaltar alguns supersticiosos. Dezassete ministros e quarenta e um secretários de Estado, além do primeiro-ministro: quase seis dezenas de figuras, o que satisfaz certamente aqueles que equiparam quantidade a qualidade.
Não é o meu caso.
Olho para o novo Governo e em vez de observar uma construção sólida vejo um castelo de areia. Erguido pela negativa, com o propósito de "travar a direita". Sem uma base parlamentar consistente, sem um só membro à esquerda do PS - mera emanação de 32% do eleitorado.
Bloco de Esquerda e Partido Comunista, que reivindicavam pertencer ao "arco governativo", optaram afinal por ficar de fora, na posição sempre cómoda de tentar ditar a táctica no conforto da bancada. E o secretário-geral do PCP nem se dignou comparecer na cerimónia de posse do Executivo, o que não deixa de ser sintomático sobre a frouxidão dos elos entre as diversas esquerdas. Em política, estes gestos contam muito.
Na sessão parlamentar de hoje já ficou patente como será difícil alcançar consensos em temas tão diversos como a supressão da sobretaxa do IRS, o descongelamento das pensões, a reposição integral dos cortes salariais na função pública, a legalização das barrigas de aluguer e a anulação das subconcessões nos transportes públicos urbanos em Lisboa e Porto.
Todas baixaram às comissões para debate suplementar. Questões adiadas, sem votação.
Auguro pouco de bom a este Governo, embora reconheça que integra personalidades com prestígio profissional, de perfil centrista e dotadas de inegável competência técnica.
Conheço vários dos novos ministros e secretários de Estado há anos suficientes para saber que farão o seu melhor e tenho estima pessoal por alguns. Mas os desafios que enfrentarão são imensos. Em várias frentes. E devem acautelar-se desde logo com o "fogo amigo".
Espero sinceramente estar enganado.
Desde logo porque qualquer governo deve sempre merecer uma expectativa benevolente dos cidadãos, tenham ou não votado nele. E também por sentir pouca vocação para engrossar o coro das cassandras. Jamais me congratularei com fracassos de um executivo, na medida em que isso também representa um fracasso do País.
Não desejo, de todo, ser mais um a proferir a fatídica frase "eu bem dizia..."
Mas olho para lá e só continuo a ver o tal castelo.