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Delito de Opinião

Último tabu derrubado pelo juiz de Mação

Carlos Alexandre

Pedro Correia, 22.07.21

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É o juiz mais polémico do País. Sinal inequívoco de que incomoda. Na semana em que dois ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa foram suspensos de funções por alegado envolvimento na distribuição fraudulenta de processos e utilização abusiva do salão nobre daquele tribunal, Carlos Alexandre é também notícia, mas por motivos muito diferentes. Fica ligado, a partir de agora, a um facto inédito: nunca havia sido imposta a detenção domiciliária a um presidente de um grande clube em Portugal no pleno exercício de funções. Aconteceu com Luís Filipe Vieira: o dirigente máximo do Sport Lisboa e Benfica, após 18 anos no cargo, não parece ter imaginado que um juiz se atreveria a tanto.

Este é mais um tabu que Carlos Manuel Lopes Alexandre, nascido há 60 anos em Mação, acaba de derrubar como magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal – conhecido por Ticão, na gíria jurídica e jornalística. Depois de enfrentar a primeira divisão da política, personificada em José Sócrates, e a alta-roda da finança, simbolizada em Ricardo Salgado, ei-lo a demonstrar aos portugueses que a impunidade deixou de andar à solta na cúpula do futebol. E se é certo que qualquer cidadão beneficia do princípio da presunção da inocência, a verdade é que os indícios acumulados contra Vieira causaram um terramoto na nação benfiquista. Por recordarem, em vários contornos, o triste percurso de um dos seus antecessores à frente da histórica agremiação desportiva: João Vale e Azevedo, condenado em 2013 a dez anos de prisão efectiva pela apropriação indevida de mais de quatro milhões de euros dos cofres do Benfica gerados por transferências de futebolistas.

A detenção de Sócrates, em 2014, deu muita notoriedade ao chamado “super-juiz”. Mas também lhe trouxe declarados inimigos. Proença de Carvalho, talvez o mais poderoso advogado do país, acusou-o de dar nas vistas para se tornar "herói dos tablóides" e procurar protagonismo pessoal através do mediatismo dos processos em que intervém. Dizendo em voz alta, sem reticências, o que outros murmuram cada vez que vem à baila o nome de Carlos Alexandre. Deste magistrado ninguém poderá dizer – como se diz de um dos seus colegas, hoje quase tão famoso como ele – que é “o amigo dos arguidos”.

Em Setembro de 2016, numa rara (e controversa) entrevista à SIC, o mais conhecido juiz de instrução português elaborou este auto-retrato: «Sou o saloio de Mação, com créditos hipotecários, que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiro em nome de amigos, não tem contas bancárias em nome de amigos e que, até desse ponto de vista, não tem amigos.»

Goste-se ou não dele, receba vaias ou aplausos, Carlos Alexandre personifica uma visível mudança no poder judicial em Portugal. Se a instrução criminal fosse equiparável a um jogo de futebol, a distribuição dos cartões ficaria a seu cargo. Com a certeza antecipada de que não os guardaria no bolso.

 

Texto publicado no semanário Novo

 

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