Tudo menos literatura.
Consta que, quando Winston Churchill recebeu o prémio nobel da literatura, Somerset Maugham comentou: "Deveria ter-me dedicado era à política". Acho que todos os escritores do mundo poderão dizer, depois da atribuição do prémio a Bob Dylan, que deveriam ter-se dedicado era à música. Porque podem dar as justificações que quiserem, mas uma obra musical não é uma obra literária. E o prémio destinava-se a premiar os autores de obras literárias, não os compositores de canções, como é o caso de Bob Dylan.
A verdade é que isto não conta para nada, uma vez que o prémio Nobel só tem premiado escritores medíocres. Já o imortal Saramago, que até considero um escritor razoável, dizia que nesta treta do Nobel a única coisa que interessa é o dinheiro. Na verdade, se o prémio não fosse de um milhão de dólares ninguém ligaria absolutamente nada a este júri com critérios obscuros, que conseguiu negar sistematicamente o Nobel a grande escritores, como Tolstoi, Jorge Amado, e Jorge Luís Borges. Este chegou a dizer com ironia, depois de ter sido mais uma vez rejeitado: "Não me darem o Nobel é um velho costume sueco. Desde que eu nasci que não mo dão". Por isso, quando o Nobel é raramente atribuído a um grande escritor, como aconteceu com Vargas Llosa, a surpresa é geral. Por isso, terem dado o prémio a Bob Dylan significa apenas a continuidade do absurdo do Nobel. As apostas sobre o vencedor do Nobel têm por isso tantas hipóteses de ser bem sucedidas como acertar na chave do euromilhões.
Valha-nos que o nosso afectuoso Presidente da República ache mais importante justificar aos portugueses perplexos a atribuição do Nobel do que nos informar a sua posição sobre o brutal aumento de impostos que se avizinha. Temos assim direito a um comunicado presidencial intitulado The Times They Are a-Changin’ que nos informa que "o Presidente da República, evocando a sua juventude, não pode deixar de se associar a esta homenagem, inesperada mas significativa, com a atribuição do Prémio Nobel a Bob Dylan, alguém que para além da riqueza das suas letras se notabilizou pelas suas músicas, sinal claro de que os tempos estão a mudar...". Claro que os tempos estão a mudar, Senhor Presidente. E olhe que é para muito pior. Só é pena que isso não o preocupe nada.