Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Tudo em família

Pedro Correia, 23.11.18

250x.jpg

 

Durante grande parte do século XIX, Portugal e Brasil viveram já como países separados em termos formais mas ainda unidos pela mesma dinastia reinante e obedecendo a um texto constitucional quase idêntico.

Estes dois factores conjugados – fenómeno raro, para não dizer inédito – produziram, cá e lá, um dos períodos de maior estabilidade política, progresso material e prosperidade económica de que há memória em ambas as margens do vasto Atlântico.

Dois Países, um Sistema – obra colectiva, produzida por historiadores portugueses e brasileiros – é uma fascinante digressão por essas décadas irrepetíveis da monarquia constitucional, iniciada na década de 20 do século XIX, com a revolução liberal do Porto, e só terminada em 1910, quando o último Rei português, D. Manuel II, foi deposto pela insurreição republicana.

Rui Ramos, José Murilo de Carvalho, Isabel Corrêa da Silva (os três coordenadores) e restantes especialistas em História contemporânea pretendem traçar aqui «uma história paralela de Portugal e do Brasil depois da independência brasileira», ocorrida em 1822. Objectivo plenamente alcançado neste conjunto de 15 sucintos ensaios em torno dos frutuosos reinados do ciclo imperial brasileiro, sob as coroas de D. Pedro I (1822-1831) e do seu filho D. Pedro II (1831-1889), e a monarquia constitucional que triunfou sobre o miguelismo, vingando em Portugal após o fim da guerra civil, em 1834, também com a marca original do Rei Soldado (Pedro I do Brasil e IV de Portugal) e prolongada durante três quartos de século por cinco dos seus descendentes.

 

Pedro e Maria

 

Pedro de Alcântara, o futuro Pedro II, nasceu em 1825 no paço imperial de São Cristóvão, já no Brasil independente. Era o irmão mais novo de Maria da Glória, nascida no Rio de Janeiro e que aos 15 anos cruzou o oceano para suceder ao pai no posto cimeiro do reino português, coroada como D. Maria II: a família Bragança passou a ocupar dois tronos. Depois de Maria, falecida prematuramente em 1853, viriam D. Pedro V (1853-1861) e D. Luís (1861-1889), sobrinhos do imperador brasileiro. D. Luís morre menos de um mês antes da proclamação da república no Brasil e da chegada do idoso tio a Lisboa, primeira etapa de um exílio que seria definitivo. Por cá, ascendera já ao trono D. Carlos, nosso penúltimo Rei: o pano não tardaria a cair, pondo termo à dinastia fundada no 1.º de Dezembro de 1640 com a restauração da soberania lusitana. Brasil e Portugal conheceriam vias paralelas também nisto.

Conhecemos mal a nossa monarquia parlamentar, esse período histórico que sucedeu ao absolutismo e antecedeu o caos republicano – décadas de bem-sucedida solução política, em que o monarca reinava mas não governava, embora fosse o detentor nominal da função executiva. A sua influência derivava sobretudo do poder moderador, instituído na Constituição do recém-nascido Brasil, datada de 1824, e replicado na nossa Carta Constitucional de 1826. Estes dois textos foram as pedras basilares de um ciclo propício à ilustração e à estabilidade. A brasileira perdurou 65 anos, a portuguesa vigorou durante 68 anos consecutivos, após um interregno ocorrido no sexénio 1838-1842.

Este livro divide-se em sete capítulos: «Do Reino Unido de Portugal e Brasil às monarquias portuguesa e brasileira»; «Monarquia e poder moderador»; «Monarquia e poderes periféricos»; «Monarquia e poder militar»; «Monarquia e religião»; «Monarquia e aristocracia»; «Das monarquias às repúblicas». Destaco os ensaios de Rui Ramos (“Concepções do poder real na monarquia portuguesa”), Isabel Corrêa da Silva (“Monarquia secular e o ‘corpo místico’ do Rei constitucional”) e José Miguel Sardica (“Crise e queda da monarquia liberal portuguesa”). Mas todos são recomendáveis nesta colectânea que pode ser considerada um dos acontecimentos editoriais do ano em Portugal. Pela pertinência do tema, pelo inapelável rigor histórico e pela qualidade da escrita.

 

............................................................... 
 
Dois Países, Um Sistema A Monarquia Constitucional dos Braganças em Portugal e no Brasil (1822-1910), de Rui Ramos, José Murilo de Carvalho, Isabel Corrêa da Silva e outros (D. Quixote, 2018). 456 páginas.
Classificação: *****
 
 
Publicado originalmente no jornal Dia 15

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.