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Delito de Opinião

Tudo e o seu contrário

Pedro Correia, 24.10.14

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Eu sabia que ainda haveria de ouvir um dia Diogo Freitas do Amaral aplaudir uma proposta do Partido Comunista.

Sim, refiro-me ao político que em 1974 fundou o CDS e votou em 1976 contra a Constituição da República, chegou a receber o rótulo de "homem mais à direita de Portugal" e foi arrasado por Mário Soares no debate da segunda volta das presidenciais de 1986 com estas palavras esmagadoras: "Eu não tenho dúvidas em reconhecer que o Dr. Freitas do Amaral é democrata, embora não tenha feito nada pela democracia."

 

Aconteceu quarta-feira à noite, numa entrevista concedida à RTPi e conduzida pelo jornalista Vítor Gonçalves. Ultrapassando o PS pela esquerda, Freitas aplaude agora os comunistas. Tal como o PCP, também ele preconiza a intervenção do Estado na PT, empresa privada, salientando que o mesmo já devia ter ocorrido no Espírito Santo: o melhor, garante, seria recapitalizar o banco falido com o recurso a seis mil milhões de euros do empréstimo da troika.

Para isso, invoca um artigo da Constituição de 1976 que autoriza a intervenção do Estado na gestão de empresas privadas, à revelia da vontade dos accionistas. A mesma Constituição contra a qual ele votou.

Tudo nacionalizado, portanto, proclama o Freitas do Amaral de 2014, contrariando o Freitas do Amaral de 1974. Beneficiando a irresponsabilidade dos gestores privados ao assegurar-lhes o direito automático à rede protectora do Estado. E adoptando a receita posta em prática com o BPN. Com os contribuintes a pagar mais e mais e mais e mais.

Suporíamos que para financiar isto o fundador do CDS pediria mais sacrifícios fiscais aos portugueses. Afinal não: Freitas protesta até contra o eventual aumento da carga fiscal para o próximo ano.

 

Mais encargos para o Estado suportados por menos receita: eis uma verdadeira quadratura do círculo. Que espantaria vinda da boca de outro político mas já não surpreende por vir de Freitas do Amaral, que nos habituou a defender tudo e o seu contrário.

O mesmo homem que, tendo sido ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do primeiro executivo de José Sócrates, veio acusá-lo de "falta de cultura democrática" durante a campanha para as legislativas de 2011.

O mesmo homem que em Outubro de 2011 elogiava a "capacidade de concretização" de Passos Coelho, obreiro de "mais reformas em cem dias" do que o anterior executivo em três anos, e agora se indigna porque os membros deste governo "não conseguiram fazer nada".

O mesmo homem que na Primavera de 2011 saudava o programa da troika como "um mal necessário" que permitiria ao País "respirar durante dois anos pelo menos", e hoje se exaspera contra os "travões a fundo" da austeridade.

O mesmo homem que, durante mais de uma década à frente do CDS, viu o partido ser parcialmente financiado por generosas doações da CDU alemã, através da Fundação Konrad Adenauer, e hoje clama contra a chanceler germânica, pertencente à mesmíssima CDU, com palavras reveladoras de um fino pensamento estratégico: "A Europa só muda no dia em que a França der um murro na mesa para a Alemanha perceber que está a ficar isolada. E a Alemanha o que mais detesta, desde a II Guerra Mundial, é sentir-se isolada."

Igual a si próprio - ou seja, sempre diferente. De entrevista em entrevista.

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