Tu, um especialista na intrincada problemática catalã
Sentes-te desconfortável por não perceberes uma botifarra sobre a momentosa questão catalã? Nada temas. Segue estas simples indicações e, com sorte e uma abundante cabeleira, poderás ser um novo Nuno Rogeiro. Com menos cabelo e a mesma sorte, serás talvez um mais velho Loureiro dos Santos:
1 - Começa qualquer discussão sublinhando que a questão é muito mais complexa do que simplesmente optar entre a visão centralista e a independentista. Adopta pose circunspecta e conclui referindo que devemos resistir a análises simplistas num mundo global e multipolar.
2 - Salienta o papel nuclear da Catalunha no contexto da dimensão ibérica de Espanha e na sua história. Liga o simbolismo da Estátua de Colombo às relações diplomáticas da Coroa Espanhola com os países andinos. Se puderes, leva um mapa-mundi. Com traços seguros, une Barcelona (convém que tentes perceber previamente o local aproximado onde se situa) com diversos pontos espalhados ao acaso. Reforça a dimensão geoestratégica da localização e relaciona-a com grandes migrações passadas, presentes e futuras. Toca, en passant, no tema dos refugiados da Síria e revela que o Aeroporto Del Prat pode ser utilizado para reabastecimento de bombardeiros envolvidos nas acções de punição do regime de Bashar al-Assad (é importante que digas o nome completo do tiranete pois assim revelarás o teu conhecimento profundo dos actores envolvidos). Se te lembrares, fala de estudos secretos da OPEP sobre possíveis reservas petrolíferas ao largo de Tarragona e da possibilidade de a UE ter em carteira a construção de um gasoduto alternativo entre LLoret de Mar e a Ucrânia para furar o bloqueio russo. O importante não é que alguma coisa destas faça sentido. O fundamental é passar a ideia de que tens uma visão global sobre o tema.
3 - Abusa das alusões históricas. Compara Artur Más com grandes líderes e momentos do imaginário independentista: José Martí, Grito do Ipiranga, Grito de Munch, Cataratas do Niagara, Alberto João Jardim, Afonso Henriques. Refere a Finlândia várias vezes como exemplo de uma independência bem sucedida. Deixa cair, como se nada fosse, que Suomi é uma expressão eslava que significa liberdade e prosperidade ainda que não seja realmente assim. Traça um paralelo entre Rajoy e Pedro o Grande, Anastácia ou Shakira enquanto abres os braços lentamente para sublinhares a abrangência das ligações históricas e políticas convocadas pelo momento. Se não te lembrares de falar no Pedro, refere outro Grande qualquer. Pode ser o Alexandre, o Líder ou a Muralha. Usa e abusa de palavras começadas em geo: geo-política, geo-estratégico, geo-lógico, geo-désico, geo-térmico e por aí fora. Sempre que disseres uma palavra começada por geo faz uma ligeira pausa para que a audiência saboreie o peso dos teus conhecimentos.
4 - Faz uma alusão ao sentimento nacionalista. Aos perigos que estes representam. A episódios não nomeados de fracturas insanáveis. A casos que conheces de vizinhos que nunca mais se falaram por causa de uma questão toponímica. A vinganças terríveis motivadas por disputas de terras e águas. Se te sentires completamente à vontade, faz neste preciso momento uma alusão ao estilicídio. Embala e recorda ainda o regicídio e o atentado de Sarajevo. Não deixes nenhum destes pontos para mais tarde. Se permitires que a discussão prossiga sem aproveitares a deixa, outro tertuliano avançará ele próprio com algum destes excelentes argumentos.
5 - Se em algum momento te sentires entalado, leva a discussão para a arte. Com um sorriso enigmático, fala de Dali e conclui que há sempre neste mundo coisas que não percebemos. Em caso de dificuldade extrema, recorre ao argumento de autoridade. Cita um artigo perdido do Financial Times ou da Caras Magazine. Se as autoridades no assunto o afirmam, está por nascer o primeiro opositor na discussão que o contradiga.
6 - Conclui a tua intervenção cofiando hipotéticas e proféticas barbas e salientando o risco de uma nova guerra fria, de consequências energéticas inimagináveis e de um possível cisma religioso entre a Igreja Católica de Castela e seitas que se movimentam na sombra da Sagrada Família. Fecha em crescendo, aludindo a perigos de dimensão dificilmente antecipável relacionados com a afirmação de usos e símbolos tipicamente catalães como a senyera, a crema catalana, os castellers ou o pa amb tomàquet e a terrível possibilidade de proibição de touradas com picadores em Tossa de Mar.