«Tu tens tudo e estás a pedir?»
Um jovem - provavelmente estrangeiro, talvez estudante - toca clarinete. Na Rua 5 de Outubro, que sobe da Praça do Giraldo para a Sé. Já cheia de turistas, que demandam Évora em cada vez maior número. Estamos ainda no Inverno, mas só para efeitos de calendário: com 23 graus, inundada de sol, a capital do Alentejo respira uma Primavera antecipada. O vendedor ambulante de castanhas coexiste sem surpresa com o precoce comércio de gelados.
O jovem, aparentemente indiferente a quem passa, toca Eu Sei Que Vou Te Amar. Um vagabundo eborense, bem conhecido na cidade, passa por ele, mira com aparente desdém as quatro moedas depositadas num boné posto no chão em frente do imberbe instrumentista, e lança-lhe a pergunta retórica: «Tu tens tudo e estás a pedir?»
Dito isto, à laia de bofetada verbal, afasta-se em passo lento e de queixo levantado. Não obtém resposta. Do clarinete soam agora os acordes do majestoso final do Lago dos Cisnes, como num apelo aos transeuntes distraídos. No boné permanecem só quatro moedas, embora haja espaço para muitas mais.