Trecho para um livro que nunca vou escrever
Ontem dei com estas duas telas inacabadas, ou melhor, com esta tela em versão díptico. Coisas das minhas artes plásticas caseiras que tinha feito, há já uma data de tempo, para ti. Faltava aperfeiçoar uns quantos pormenores que tinham ficado toscos na experiência original.
Um dia conserto os borrões, volto a fotografá-las, e ofereço-te.
Ou se calhar, não. Se calhar somos mesmo assim, um par inacabado com meia dúzia de borrões que nos tornam imperfeitos e, por isso, irremediavelmente humanos.
Eu gostava de ser a miúda das pernas esguias da tela da esquerda, e embarcar no comboio da direita rumo à Patagónia. E tu, o que gostavas de ser?
Velho o comboio e desgastados os carris. Deve ser assim na Patagónia. Nunca lá fui senão pela prosa de Chatwin e de Sepúlveda.
Imagino uma jornada longa, com muitas paragens inexplicáveis em lugares onde faz frio.
(nós os dois encostados ombro a ombro e tu a tapares-me as pernas com uma camisola de pêlo grosso)
Não se viaja pelo mundo de calções. Não se abraçam continentes com blusas de manga curta. Para correr mundo exige-se um casaco, ou duas embalagens de Tylenol.
(atchim. pingo no nariz. beijo a 37 graus centígrados)
Vê-se logo que a rapariga da tela foi recortada de uma Vogue. As miúdas da Vogue nunca chegam a lado nenhum por causa dos resfriados. Não se agasalham como deve ser.