Trecho para um livro que nunca vou escrever
Se me tivessem deixado escrever a história da minha vida, as coisas teriam tomado outro rumo. Havia de ter arranjado maneira de me escapar à sucessão de acontecimentos desgovernados que deixaram mortos, feridos, perdas e estilhaços.
Controlo de danos, é o que tenho andado a fazer nos últimos anos, a viver numa não felicidade, na passividade de me deixar perdurar neste limbo de esforço, encurralada entre dois imanes de pólos opostos. Eu, uma figura parada com a vida a atropelar-me para a esquerda e para a direita, a cair no desnorteio do turista continental que atravessa uma rua de Londres.
Se tivesse sido eu a escrever a história da minha vida, contava-a em fotogramas, como fazem os realizadores de Hollywood, que arranjam maneira de meter pessoas a apaixonarem-se em Nova Iorque.
Nova Iorque no Outono é um sofá de dois lugares com uma manta de xadrez.
Eu, da primeira vez que me apaixonei, foi no largo do Calhariz e era Inverno. Caía uma chuva molha-parvos que me molhava. Um senhor de fato escuro, na paragem do autocarro, ofereceu-me o guarda chuva. Tinha olhos claros e, provavelmente, pena de mim.