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Delito de Opinião

Travar a propaganda, combater a mentira

Pedro Correia, 29.05.21

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Por amável convite do Luís Serpa, obreiro da livraria Ler por Aí, em parceria com a Universidade Autónoma de Lisboa e a Oficina da Liberdade, participei na manhã de ontem no primeiro painel dum ciclo de debates por via digital subordinado ao tema "Comunicação Social: Liberdade de Expressão e Responsabilidade Social".

Este painel integrava também José Manuel Fernandes, Carlos Fernandes e Luís Aguiar-Conraria, com moderação de Isabel Damásio, jornalista e professora da Autónoma. 

Eis algumas das questões postas a debate, também com a participação do público que ia acompanhando via Facebook:

Como assegurar a liberdade de expressão em situações de crise?

Quais os limites e constrangimentos da liberdade de expressão?

Como vê a liberdade de expressão durante a crise da Covid-19?

 

Em síntese, deixei estas reflexões sobre o tema:

    •  A pandemia reforçou a dependência dos jornalistas das fontes oficiais, limitando - até por constrangimentos físicos motivados pelo confinamento - a obtenção de notícias a partir de vias alternativas. Isto permite que a verdade de um dia se torne a mentira do dia seguinte. A título de exemplo, a garantia dada pela ministra da Presidência que só 12 mil britânicos viriam assistir à final da Liga dos Campeões no Porto onde estariam sempre envolvidos numa "bolha" de adeptos em trânsito entre o aeroporto e o estádio com regresso imediato ao aeroporto. Os últimos dias mostram-nos uma Cidade Invicta já invadida por milhares de forasteiros do Reino Unido a pretexto da realização do jogo, num desmentido vivo das garantias da ministra.

 

  • A mera reprodução do discurso oficial, sem análise crítica, induz o jornalista a desinformar os cidadãos. Não é possível, por exemplo, a máscara "transmitir uma falsa sensação de segurança" (directora-geral da Saúde dixit) e tornar-se obrigatória por ser um imprescindível instrumento de combate à pandemia. 

 

  • O mesmo se aplica à reprodução acrítica das opiniões de supostos especialistas em saúde pública e em doenças infecciológicas que - com poucos dias de intervalo - emitem opiniões contrárias às que emitiram anteriormente, falando sempre de cátedra como se fossem autoridades supremas na matéria. 

 

  • Os chamados "argumentos de autoridade" devem ser encarados com desconfiança e sujeitos a escrutínio jornalístico. Para haver fronteiras entre factos e propaganda. Durante semanas sucessivas andaram a vender-nos um ilusório "milagre português" como excepção num mundo contaminado pela pandemia. Era uma "verdade" com pés de barro: meses depois, Portugal surgia nas piores estatísticas do planeta em novos contágios e óbitos por milhão de habitantes.  

 

  • Há que combater a tendência cada vez mais acentuada para a produção de "jornalismo de pacote": o que escreve um, escrevem todos os outros por mero efeito mimético.

 

  • Há que criticar sem rodeios aqueles jornalistas que aproveitaram a grave crise sanitária para se travestirem de tele-evangelistas, pregando lições de moral e bons costumes aos cidadãos em vez de difundirem notícias.

 

  • O jornalista tem o dever deontológico de combater a censura. Mas também de contrariar a múltipla corrente de micro-censuras que proliferam por aí, geradas pelas mais diversas tribos de ressentidos e ofendidos. Um exemplo: ninguém fala em vírus chinês para não ferir a delicada sensibilidade de Pequim, mas há contínuas alusões à estirpe inglesa e brasileira ou à variante indiana deste vírus. Tal como continuamos a aludir à gripe espanhola de há um século que nada teve a ver com Espanha.

 

  • Com a pandemia assistimos à proliferação de termos como "negacionismo" ou "negacionista" para rotular todas as fugas à norma e catalogar qualquer voz discordante. O dever deontológico dos jornalistas é combater estas etiquetas que mais não visam do que condicionar a liberdade de expressão equiparando moralmente todos os "dissidentes" àqueles que negam a existência do Holocausto.

 

  • O jornalismo é, infelizmente, uma das profissões menos escrutinadas. Os órgãos de informação que escrutinam ao mais ínfimo pormenor as actividades profissionais de médicos, professores, magistrados, arquitectos, enfermeiros, militares ou polícias esquecem-se de estender esse escrutínio ao exercício da própria profissão, cada vez mais proletarizada e sujeita a toda a espécie de riscos. Que independência editorial subsiste em empresas jornalísticas falidas ou em vias disso, com editores a receberem pouco mais que o salário mínimo e os próprios directores a correrem o risco permanente de despedimento?

 

  • O chamado "jornalismo de cidadania" é um mito, por vezes perigoso quando se cruza com o pior dos populismos. Todo o jornalismo exige a minuciosa investigação de factos, a confirmação desses factos por fontes credíveis, o estabelecimento de contraditório e a audição de todas as partes envolvidas. 

 

  • A ética jornalística consiste na permanente procura da verdade com a noção antecipada de que não existem verdades absolutas. O jornalista tem o dever deontológico de contrariar a propaganda, de desmascar falsidades, de combater a mentira. Só assim cumpre realmente a sua função. 

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