Transparência
Pois é verdade, há dias em que em casa é que se está bem. Um compromisso levou a abandonar a esplanada, e o correio, a meio. O raio da cidade, que nunca teve os benefícios das grandes, está a perder os das pequenas porque há mais carros e a edilidade local gasta milhões a empatar o trânsito de maneiras moderninhas, de modo que lá ia resmungando na fila. Um carro da GNR materializou-se atrás de mim e ia-me seguindo, a bateria de luzes do tecto acesa. A páginas tantas ligou o pinóni e fiz-lhes sinal para passarem, mas os camones puseram-se ao lado e, vidro aberto, disseram-me para os seguir. Segui-los?! A propósito de quê?, perguntei, não tendo pela polícia o respeito acéfalo dos militantes do Chega!, mas o agente insistiu, de má catadura. Paramos adiante num recesso, o agente veio ter com o “sr. condutor”, pediu os documentos e informou o “sr. José” que – ó surpresa! – a inspecção periódica não estava em dia. Não estava mesmo, costumava confiar numa mensagem por telefone, mas desta vez não veio e, na hierarquia das minhas preocupações, a dita inspecção e outras inutilidades e obrigações fiscais ocupam um lugar por demais discreto.
Mal disposto, resolvi dar ao agente a aula de maneiras que os seus superiores não dão, possivelmente por serem da mesma extracção, com o insucesso habitual – a geração rasca a que pertence, e que já é a segunda no rasquedo, aprendeu maneiras nos filmes americanos e acredita que os cidadãos estão ao serviço do Estado, portanto dos seus agentes, e não ao contrário – a pesada herança do fascismo não é o que normalmente se julga, e em muito do que não devia foi reforçada.
Adiante, que a coisa não tem conserto e é normal que, antes de ficar melhor, fique pior, para em seguida piorar novamente.
Fui prestes à Inspecção, que gente ingénua imagina ter alguma coisa a ver com segurança rodoviária, e a menina, simpática, foi apurar por que razão desta vez não tinha recebido mensagem. Ah, não tinha telemóvel associado porque o automóvel mudou de proprietário (era meu e passou a ser de uma empresa minha, de modo que é o caso de dizer que tirei da boca para meter noutro sítio), esquecimento meu e não deles – tinha razão. Mas, acrescentou pesarosa, a validade é só até Novembro porque era então que deveria ter sido feita a “inspecção”.
Ou seja: a multa pelo esquecimento são 250 Euros (as multas socialistas são terroristas porque o Estado Socialista tem querido, com sucesso, inculcar a ideia de que desrespeitar os seus comandos é ofender gravemente a comunidade, aproveitando para engordar os cabedais com que compra votos com a generosa panóplia dos benefícios que designa por “Estado Social”), mas à sorrelfa há outra multa.
Essa é a de a validade da inspecção, que deveria, no caso, ser de um ano, ter ficado diminuída pelo mesmo tempo do atraso na revalidação. Dito de outro modo: o problema não é de segurança, é de receita e de sustento de uma classe de dependentes (a dos proprietários e trabalhadores dos Centros).
Já sabia, e nunca tive dúvidas de que este mecanismo das inspecções periódicas obrigatórias não é senão uma exacção institucionalizada. O detalhe confirma.
Deve ser a isto que se chama transparência.