Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Touradas: "Vitória ou Morte"?

jpt, 25.11.18

090213_wrestler.jpg

Sobre isto de touradas bloguei em 2012 (um texto um pouco mais longo que recoloquei aqui). Resmungando que a) numa sociedade que trata fauna e flora desta forma omnívora e voraz, e que tem estas práticas de produção alimentar, o centramento das preocupações com o episódico sofrimento taurino mostra uma enorme inconsciência e mediocridade intelectual (e moral); b) a oposição à tauromaquia é, fundamentalmente, a raiva ideológica face à socioeconomia rural, em particular a de "lezíria"; e que c) estas preocupações ("civilizatórias" nas palavras da actual ministra da Civilização) mostram o primado uma política de cabotagem, encerrando a questão ecológica numa redoma de "petização" (no duplo sentido de "pet", animal doméstico, e "petiz", infantilização dos cidadãos) - consagrada na recente legislação sobre o acesso de animais domésticos a cafés e restaurantes. Esta política centra-se na domesticidade, pois as relações da sociedade com a sua natureza são olhadas e criticadas através das preocupações mais quotidianas das famílias elementares (e do crescente isolamento individual) em palco urbano e suburbano.  Ou seja, obedece à irreflexão típica do quotidiano do eleitorado, e é nesse sentido que é política de cabotagem (e também muito cabotina, e não só por tendencial homofonia).

Nunca fui a uma tourada, e o que vi na tv não me criou qualquer afeição. Por mais que os seus defensores clamem é óbvio que a festa sanguinolenta tem os dias contados, deixou de corresponder às sensibilidades e valores predominantes, tanto no país urbano como no contexto cultural mais amplo em que nos inserimos. Tal e qual outras actividades festivas e económicas que fazem actuar animais, como a luta de galos ou de cães. Ou algumas formas de caça (ainda se caça com armadilhas?). No mesmo âmbito de mudança que instituiu novas formas de controlo sobre as corridas de cães e de cavalos, evitando a sua exaustão, ou os circos. Ou foi transformando o tétrico paradigma dos horrorosos "jardins zoológicos" com animais enjaulados. Os adeptos da tauromaquia podem então continuar a clamar mas não há nada a fazer, o tempo desta tourada passou. E, mais uma década ou menos uns anos, ela será terminada. Ou então evolui.

Não sou nada especialista, e um conhecedor porventura ficará escandalizado com o que digo. Mas julgo que o toureio português tem duas especificidades preciosas: o equestre, uma dressage peculiar que possibilita e até histrioniza a encenação do conúbio homem-animal (a cultura) enfrentando a besta (a natureza); a pega, a encenação do colectivo humano, armado apenas de força e destreza, enfrentando a natureza.

Ora estas encenações são algo anacrónicas: por um lado, e ainda que a estética tauromáquica muito se cruze com as estéticas dos movimentos políticos homossexuais actuais, a pega apela a uma rusticidade máscula que afronta a presente homofilia, que àquela diz "tóxica". E esse é um grande inimigo ideológico, indito, subterrâneo das touradas. Talvez mesmo o mais importante neste curto prazo. Por outro lado, mais estrutural, a encenação ritual do conflito homem(/animal)-natureza perdeu estes referentes: a natureza está domada (escavacada até), fauna desaparecida ou domesticada, flora recondicionada, e até vírus e bactérias recuam face à indústria química. A natureza agressiva é hoje a climatérica, muito menos (ou até nada) simbolizável numa arena.

Como preservar a tourada? Seus valores, e em particular a criação equídea e taurina, e um precioso ambiente de diversidade ecológica? "Mudar ou morrer" é o que lhes resta. Mas a proposta socialista de introduzir protecções para touros é recebida com apupos pelos imobilistas aficionados ("Vitória ou morte!", urram, na antevéspera de ulularem "Viva a Morte"). E com gozo pelos adversários das touradas - pois a estes, de facto, não preocupam os touros mas sim o meio social, e seus valores, ligado às touradas, que abominam. 

Deixemo-nos de rodeios. Por mais que seja obrigação (intelectual, patriótica, até moral) pontapear tudo o que advém do partido do vice do miserável José Sócrates, esta proposta tem toda a pertinência. Permitirá, para desespero dos puristas, preservar mas também disseminar a tourada, potenciar o seu carácter simbólico, a festa. Tornará a tourada uma encenação? Não. Pois ela já é uma encenação. Transformará a cenografia, potenciará a representação. Será um pouco circense? Será. Mas, de facto, não o é já?

Olhe-se para o wrestling (esse sobre o qual Roland Barthes escreveu, iluminadamente, há mais de 60 anos). Veja-se como essa encenação, ridícula que seja aos olhos mais secos, se tornou num espectáculo global e milionário. Sem precisar de ser efectivamente um combate físico, mas sendo a ritualização (até exasperadamente) histriónica do combate. A tourada, "mudando sem morrer", pode ser isso, e assim um monumental filão de recursos. Com criatividade e inovação, com coreógrafos e dançarinos (perdão, cavaleiros e forcados). Entre os quais haverá "forcados pobres" (qual a personagem do magnífico Mickey Rourke) e "cavaleiros ricos". Fazendo assim continuar, e até bem mais rica, a lezíria. Os seus magníficos cavalos, os touros livres. E a gente. Essa, felizmente, nada suburbana.

Ou então não. Aquilo acaba e far-se-ão campos de golfe. E uns condomínios para reformados com "vistos doirados". 

6 comentários

  • Imagem de perfil

    jpt 26.11.2018

    a) a situação em laboratório ou unidade de produção é ainda (e tem sido) hedionda. Não colhe um pentelho de atenção destes zoófilos de pacotilha. Para além disso, muito para além disso, as políticas e práticas gerais de manipulação do meio ambiente são escandalosas - sendo que os tais zoófilos sobre isso se importam mesmo é com a percentagem de aumento salarial, o nível de poder de compra e as reformas antecipadas. Deixemo-nos de coisas ...

    b) mais uma vez o "luta de classes". O bloguismo serve-me para catarse mas também para aferir se sou capaz de expressar em termos mais ou menos explícitos a confusão inane que me habita. Sei, comprovadamente, que sou capaz disso. Ou seja, sei que se não pensei em luta de classes a este propósito também não o escrevi. Não é isso que está neste texto (nem no anterior que a isto dediquei)
    Gente genuinamente preocupada com os animais? Sim. Mas da forma estuporada, ignorante, preguiçosa, típica dos apoiantes destes propagandistas de extrema-esquerda, deste MES homófilo agora no poder tutelando a Civilização.
  • A) Não é comparável com a situação de há duas décadas atrás em virtude da exigência da opinião pública por um tratamento mais humano, e não humanizante, dos animais. Por exemplo na indústria dos cosméticos era frequente o uso de animais. Hoje não.

    http://www.pan.com.pt/comunicacao/noticias/item/291-ue-deixa-de-comercializar-produtos-cosmeticos-testados-em-animais.html

    E mesmo nas áreas económicas de produção alimentar a situação é incomparavelmente melhor em virtude de legislação europeia, legislação esta que reflecte uma maior exigência científica, mas também da população em geral, pelo bem estar animal


    Atrás falava do lesbianismo não sei do quê. Agora do MES homófilo. Não percebo a associação . Talvez por o jpt ser licenciado em ciências sociais e eu não.
  • Imagem de perfil

    jpt 28.11.2018

    Há aqui uma coisa a que me parece necessário regressar: progressos havidos nas legislações e nas práticas, seja no trabalho laboratorial seja nos processos de produção alimentar, em Portugal não derivaram de movimentos sociais (com relativa amplitude) interessados nas matérias, mas sim da acção do Legislador por influência de correntes saudavelmente importadas. É esse vazio social que me apetece apontar a este taurino propósito
  • Imagem de perfil

    jpt 28.11.2018

    4. Finalmente, e o mais relevante, até estritamente associado ao conteúdo do postal: Fonseca ascende a ministra, impulsionada e/ou protegida pela sua militância homossexual. Como tem sido ela? Que fundamentos para o seu exercício que possam ilegitimar a referência à sua ascensão como suportada no homofilia?

    Eu tenho uma co-bloguista, também ligação-FB, que não conheço pessoalmente, que é quadro das instituiões culturais, sendo de esquerda (à esquerda da ministra, percebe-se) e que tem a dignidade (e coragem) de, apesar da condiçáo profissional, escrever publicamente sobre o desajuste do olhar e dos discursos da ministra. Outra das minhas ligações-FB, pessoa muito bem informada e boa pensadora, publica um discurso da ministra apelando à Gulbenkian para reinstalar a rede de bilbiotecas (com incidência digital), esquecendo que o seu ministério gere uma vasta rede com esse conteúdo - isto é o mesmo que o ministro da defesa faça um apelo a que instituiões privadas montem forças armadas. Ou que o ministro da saúde apele à iniciativa privada para que replique a rede de centros de saúde (oops, o que seria na esquerda, no PS, nos grupos homófilos, se um governante de "direita" dissesse isto), ou da educação fizesse o mesmo para a sua tutela (idem). Isto mostra uma pungente ignorância sobre o seu sector, das instituições públicas e sobre a área da tutela.

    Avançou para questão das touradas - e de que maneira, com o paleio "civilizacional", ecoando o mais vácuo dos evolucionismos oitocentitas, uma incultura vergonhosa, bem pior do que a dos violinos de Chopin que o outro descobriu. Vamos lá a ver, a senhora potenciada pelos grupos de pressão de tendências no seio da sociedade que veio trazer à sociedade que veio trazer para a sua área de influência? A questão dos direitos dos animais, da ecologia. Veio ela com um discurso agregador, indutor de produções e consumos culturais e até educacionais, para que a sociedade portuguesa reflicta e actue face aos grandes, enormes e até revolucionários desafios que se colocam ao país, à Europa e ao mundo todo, as questões ecológicas, o aquecimento, a industrrialização, os combustíveis, as práticas de consumo, a globalização, etc; VEio ela articular com o ministério do Ambiente, até com a secretaria de Estado da Cooperação (e Negócios EStrangeiros), com as camaras municipais, com o Ministério da Educação, com as instituições para-estatais ou estatais ou privadas? Nada disso, na tal política de cabotagem, veio criar a confrontação com núcleos sociais e o desconforto com outros, em prol de um conflito que, se importante, não é fundamental. É apenas uma "causa fracturante" e a sua postura é efeito de uma visão da política que muito se afirmou nas últimas décadas, em torno destes tais grupos urbanos que se imaginam radicalizados no seu imenso conformismo. No seu efectivo reaccionarismo. Esta mulher, que só diz asneiras sobre as matérias que tutela neste curto espaço de tempo que leva de ministra - criticar as touradas e enganar-se quanto ao Sado, demonstrar a pequenez da intensidade com que conhece a área geográfica taurina, mostra muito mais do que uma gaffe, que a todos pode acontecer. Mostra um desconhecimento essencial sobre aquilo que a levou a actuar - é nitidamente um epifenómeno deste mundo de associações de interesses, destas aparentes "fracturas". E é por isto, Sarin, que esta sua condição de "propagandista do lesbianismo" é um factor relevante no escrutínio das patacoadas que vai dizendo e fazendo.
  • Imagem de perfil

    jpt 28.11.2018

    Sarin, a minha resposta tem um anterior comentário meu, intercalado entre 2/3 e 4, e tive que dividi-la em três comentários devido aos limites quantitativos dos comentarios no sistema
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.